O amanhecer surge lá fora. Eu ainda me sinto um pouco entorpecido pelo sono da manhã e com certo desconforto por estar dormindo de qualquer jeito. Me movo lentamente, espreguiço minhas mãos brevemente e ouço teu coração batendo. Exatamente da forma como bate por dentro, como se eu pudesse ouvir tua própria alma falando comigo.Assim como o som de carros colidindo, num bate e volta de arranque e freia, numa analogia um tanto cruel, mas que ainda assim faz com que me encontre. Preciso acreditar nessa metáfora, onde nós somos os carros. Mas após as colisões, entre veículos e encontros, eu ouço as sirenes ecoando por todas as ruas que passo, como se as pessoas fossem sirenes avisando um e outro daquilo que viam.
Eu ouço teu coração.
Enquanto isso, estão nos cercando.
O mundo desmoronou algumas vezes sobre nós.
Incontáveis perdas.
Inimagináveis histórias deixadas para trás em todo o instante que precisei dar meu adeus. E isso nos fez mais novos. A mágoa e o ressentimento foram deixados para trás, como os carros daquela colisão, dos dias que não quero mais lembrar, porque a lembrança me leva a crer que, talvez, meus erros pudessem ter sido maiores.
Eu ouvi teu coração.
Ele saiu da toca.
Todo nosso amor saiu dela.
Toda nossa força saiu de dentro de lugar que eu sequer imaginava existir.
Só então percebemos a luz.
Enquanto isso, a escuridão nos faz tentar retornar ao ponto de partida, nas mais profundas entranhas de um fosso. Aquele buraco em que estivemos, eu e você. Sinto muito por tê-la feito passar por tudo isso, porque você sequer tinha culpa em tudo, mas as batalhas tentaram ser muito maiores do que nós e do que podíamos suportar. Porque acreditávamos ser invencíveis nisso.
Eu ainda ouço a música.
Da forma como toca por debaixo do som.
Dos vidros quebrados.
Da batida que nos deixou sem você por mais tempo que eu pude imaginar.
A dor.
No fim das contas, a melodia continua, enquanto nós nos tornamos inacabados. Outrora voltaremos a ser os mesmos, os mesmos do dia em que descobrimos que podíamos sair da toca. Nessa ambiguidade dos nossos dias, onde batidas de carro e sirenes são exatamente o mesmo que nós, eu me apego ao sentimento, crendo que o amor seja o resultado dessa colisão. Amarrados um ao outro, na busca pelas águas rasas, onde nadaremos em tranquilidade.
É um toque cruel de quando nos encontramos e de quando achávamos que havíamos perdido tudo. A freada, o som da batida, os vidros quebrados. Quando nosso amor saiu da toca e pudemos, então, perceber a luz nas profundezas, nos despedaçamos algumas vezes.
Encaro a imagem do sol nascendo entre nuvens e prédios altos, respiro profundamente a brisa leve de mais uma manhã e ouço ao longe o som da tua respiração, que atinge meus ouvidos como se fosse a única forma de sobrevivência. Sinto a tua falta, mas sei que em breve voltará para nós e que as memórias da colisão serão deixadas para trás.
Porque nós só percebemos a luz nas profundezas da toca.
— Otto?
Meu devaneio felizmente chegou ao fim.
Woodwork - Sleeping at Last
A visão de Otto sobre um acidente que acabou acometendo Luísa, onde ele se sente o culpado pela colisão provocada por Roger, numa disputa insaciável pelo poder.
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Histórias e Canções
Fanfichistórias e canções carrega consigo one shots sobre Poliana, Luísa e Otto. Nessa fanfic, as músicas de Sleeping at Last guiam as palavras, as frases e os anseios dos personagens de As Aventuras de Poliana. O título de cada capítulo é o nome de uma m...