prólogo

137 17 11
                                    

𑁍𑁍𑁍𑁍𑁍𑁍𑁍

__ Zaya, venha jantar!

Escuto minha mãe gritando e minha única reação é afundar a cabeça mais ainda no meu travesseiro.

Os últimos meses têm sido assim, eles só falam comigo desse jeito.

Antes de Lilia e Laila nascerem, já estava um caos, mas pelo menos eu tinha o apoio dos meus pais. Depois que elas chegaram, ninguém mais lembra que eu existo, e minha casa, que costumava ser minha fortaleza contra os babacas daquela escola de merda, agora não passa de " não tenho tempo, vou trocar as gêmeas".

Mas tudo bem, isso é só uma fase.

Espero.

Assim que coloco os pés na escada, o barulho insuportável começa. Gritos agudos que seriam capaz de quebrar uma taça em um segundo; e o choro, que também não passa de gritos, mas um pouco mais graves, vindo das duas loirinhas de olhos azuis, sentadas no balcão da cozinha.

Desde que descobriu a gravidez, minha mãe parou de trabalhar, e está em casa até hoje. Pra falar verdade eu acho muito bom que ela fique, não é porque eu estou de férias que tenho que virar babá.

__ meu Deus... __ sussurro, tampando os ouvidos diante do escarcéu.

__ nem comece Zaya, porque eu não estou com paciência.

Observo minha mãe, incrédula.

__ e não se faça de desentendida. Vai, pega comida logo.

Dou meia volta e volto para o meu quarto, sem deixar que veja meu rosto, pois não quero que saiba que estou magoada.

__perdi a fome. __ sussurro, sem fazer questão de que escute.

...

Um barulho muito alto me faz levantar da cama, assustada. Meus olhos, vão diretamente a janela, de onde entra uma luz clarinha.

Finalmente já é dia.

12 de Novembro, o meu dia. O meu aniversário.

Subitamente, sinto algo estranho, como a sensação de que algo vai dar errado, e meu coração acelera.

Realmente é bem estranho que meus pais já não estejam aqui, eles sempre fazem isso, todo ano.

Vou em direção a porta silenciosamente, pois imagino que estejam de tocaia, esperando que eu saia, mas assim que a abro, me decepciono novamente.

Nada de pais.

Tudo o que encontro é o cheiro de queimado que possui o ar, me fazendo pensar que minha mãe possa ter deixado o bolo tempo demais no forno. Não seria a primeira vez.

Porém, conforme desço as escadas, essa ideia fica cada vez mais longe de ser verdade, pois o cheiro está muito forte para ser somente um bolo, e sinto a fumaça me sufocando, conforme me aproximo da cozinha.

__mãe?

Pergunto, mas minha voz quase não sai, pelo tanto de fumaça que já respirei.

Empurro a porta da cozinha, e logo me afasto, percebendo o caos. O fogo já está batendo no teto, as labaredas corroendo tudo o que vem pela frente. Levo a mão ao nariz e dou um passo pra dentro do cômodo, tentando ganhar tempo para achar minha família.

__pai! Mãe! Cadê vocês?

Ninguém responde.

Saio dali, e vou até o andar de cima, procurando em cada lugar que imagino que possam estar.

Mas ainda assim, nada.

Nada dos meus pais, ou das meninas.

Assim que desço a escada, vejo o quanto a situação se complicou. O fogo já tomou o andar de baixo todo, inclusive a porta, por onde eu sairia.

E agora meu Deus?

Sento ali mesmo no degrau, e encosto a cabeça na parede. Não tenho mais forças para continuar respirando aqui, e não tem como sair. Fecho os olhos, e deixo as lágrimas escorrerem, imaginando que quando eu acordasse, tudo ficaria bem novamente.

...

__moça? Você tá bem?

Abro os olhos e dou de cara com um homem. Meu corpo está mole, e não consigo controlar não cair pra frente, quando ele me levanta da escada.

__ moça?

A voz agora parece estar a quilômetros de distância, e então a escuridão cai sob mim.

𑁍𑁍𑁍𑁍𑁍𑁍𑁍

O Abismo Entre NósOnde histórias criam vida. Descubra agora