capitulo dois

58 13 6
                                    

Zaya

Demora uma semana para que eu aceite ir para a casa de Dave. Na verdade, eu só realmente aceitei porque não tenho nenhum outro lugar para ir e morar com ele (eu espero), é melhor que nada.

Conforme ando pelo hospital até a saída, escuto muitas vozes diferentes e sinto muitos olhares em mim, mas simplesmentemente não tenho estrutura para tentar entender o que está acontecendo. Dave iniciou uma conversa há alguns minutos atrás, mas eu não faço idéia sobre oque ele está falando. É como se minha capacidade de digerir informações estivesse adormecida e muito longe do meu alcance.

Não sinto o carro entrar em movimento, mas vejo as ruas passando como borrões ao meu redor. pessoas pra lá e pra cá com suas vidas corridas e desorganizadas. Não sinto absolutamente nada por elas.

Talvez o médico tenha me dado uma anestesia total. Ou talvez eu ainda esteja sonhando naquela cama branca, cercada por paredes e móveis e todo o resto de coisas tão brancas que quase cegam. Melhor seria se eu ainda estivesse dormindo na minha casa, prestes para acordar na manhã do meu aniversário, festejar com minha família, escutar gritos e risadas e comer um imenso pedaço de bolo de chocolate.

Minha família.

Nem ao menos sei que dia é hoje. Quanto tempo eu dormi? Penso em perguntar ao Dave, mas só de pensar nisso me dá ânsia. Não quero conversar com ele, nem com os médicos ou enfermeiras. Na verdade eu só quero deitar em minha cama em posição fetal e chorar até ficar desidratada. Mas nem isso eu posso fazer. Não tenho mais uma cama e estou exausta de chorar, acho que não consigo mais.

Nem percebo que Dave está falando comigo até que alguém abra a porta do carro fazendo sinal pra que eu desça.

Nada sobre a casa me surpreende. Já estive aqui várias vezes em churrascos, almoços, e todo tipo de baboseira que pessoas fazem e chamam os amigos. Não é muito diferente da minha antiga casa, somente a parte da piscina que recentemente meu pai tinha mandado concretar por conta das meninas.

Emília, a governanta, me cumprimenta com um abraço quando chego a porta da sala, falando toda aquela coisa que as pessoas falam quado alguém morre. Eu a conheço desde pequena, e ela sempre foi amável comigo, assim como está sendo agora. Sou levada até a cozinha, onde Emilia põe um prato de biscoitos e leite no balcão a minha frente, uma pequena tradição de quando eu era uma pequena chorona que vivia triste pelos cantos e somente os biscoitos milagrosos de Emília faziam minha tristeza ir embora.

Ao contrário de Dave, Emilia não tenta conversar comigo sobre a tragédia pois me conhece muito bem.

Fico ali até Dave entrar no lugar, uns bons minutos depois quando o meu prato já está pedindo por mais biscoitos. Escuto ele perguntando para Emilia sobre onde está alguém mas prefiro terminar meu leite ao invés de prestar atenção nesse assunto que não me importa.

Dave se levanta e vira pra mim, dizendo: __ vamos subir, vou te mostrar seu novo quarto.

Aceno com a cabeça e após falar "obrigada" para Emília subo as escadas atrás dele, passo por um longo corredor com quadros que não fazem o menor sentido e chego até a última porta do lado direito. Do lado de dentro há uma cama de dossel na mesma cor que todos os móveis do quarto: brancos.

Não digo a Dave o quanto não gosto dessa cor. Nem mesmo digo que me sinto ainda no hospital, com todos aqueles aparelhos ligados a mim enquanto tenho crises de choro sem parar.

Dou a ele um pequeno sorriso e digo :__ obrigada.

Então quando ele sai e fecha a porta eu percebo que estava errada. Eu ainda tenho lágrimas para libertar.

E assim eu tento dormir, imaginando minha mãe passando a mão pelos meus cabelos e dizendo que vai ficar tudo bem.

Mas nunca fica.

O Abismo Entre NósOnde histórias criam vida. Descubra agora