A Segunda Queda | Hyunlix

Capítulo 3

     Seres celestiais claramente não são vistos por seres humanos a não ser que a gente queira. Muitas vezes seu guardião pode ser um estranho na rua que "esbarrou" com você, mas tenha certeza que aquele encontro é totalmente proposital e, por mais rápido que seja, foi decisivo para que algo mudasse na sua vida. Um simples "Com licença, que horas são?" de um estranho na rua pode ser diferencial para fazer com que algo aconteça ou deixe de acontecer, cada suspiro, piscar de olhos, bocejo é importante.
     Hyunjin ainda era um bebê e não é contra as regras aparecer para nossos protegidos quando ainda tem pouca idade, até porque suas primeiras memórias desaparecem com o passar do tempo ou apenas são lembradas como um sonho. Hyunjin era uma criança muito esperta, mas muito tranquila. Dormia constantemente em seu berço e eu não conseguia parar de observa-lo. Sempre achei que chegaria a ser tedioso esse acompanhamento, mas de certa forma o sentimento é de não querer sair dali e não tirar os olhos do seu protegido. O cordão é uma conexão forte e claramente mexe com os sentimentos do guardião também, só devemos nos cuidar pra que esse sentimento não passe do limite e nos atrapalhe em nossa tarefa.
Acompanhei de perto o crescimento de Hyunjin e tentei fazer meu melhor para torna-lo uma pessoa equilibrada: amoroso, companheiro, talentoso, mas também impaciente, implicante e mimado. Eu tentava equilibrar a personalidade dele com cautela, ele podia ser implicante, mas também se doava muito quando sentia que alguém precisava. Assim ele foi crescendo e moldando sozinho essas características que lhe dei.
     Meus criadores se demonstravam satisfeitos com meus relatórios e constantemente algum ser aparecia para ver como estava meu processo com meu protegido, por curiosidade e também por precaução, até que eles notaram que eu estava fazendo um bom trabalho e deixaram de aparecer.

     Hyunjin agora estava na adolescência, com 15 anos. Era atraente, tinha um certo charme, era agradável estar perto dele e olhar para ele, mas às vezes era realmente capaz de se meter em encrenca ao implicar com outros humanos... perfeito. De vez em sempre eu estava no além e me encontrava com meus amigos dos dois lados que me davam dicas e me apoiavam sempre que possível. Jeongin pegou um protegido que é próximo do meu, então sempre nos cruzamos na terra enquanto cuidamos deles e a hora do intervalo deles na escola acaba também sendo a nossa.
– O meu protegido detesta o seu – Jeongin disse me fazendo rir – Detestar não. É uma palavra muito forte. Mas tem uma implicância dentro dele que eu não consigo entender. – o anjo fitava seu protegido enquanto passava a mão em seu cabelo preto.
- Tem muitos sentimentos deles que são confusos inclusive para nós. Os sentimentos as vezes se fundem de uma forma que...
- Eles se tornam indecifráveis – Gin me completou.
- Sim! – concordei – Antes de descer, nós, de certa forma, nos sentimos superiores a eles, como se eles fossem fáceis de lidar e entender, mas as vezes eles são impossíveis.
- Isso também pode acontecer por conta da sua dualidade, não? – o anjo me fez refletir – Você não pode se esquecer que dentro de você tem um núcleo dividido, um lhe dizendo para influenciar de maneira ruim e o outro lhe dizendo para fazer o bem. Provavelmente ao fazer um, você acaba deixando o outro lado em conflito. Nisso, não é apenas os sentimentos do seu protegido que estão confusos, mas os seus também!
     Fiquei em silêncio por longos segundos pensando sobre o que Jeongin disse, inicialmente tentando entender, mas em seguida com medo de isso se tornar um problema na minha tarefa. Hyunjin ria com os amigos a minha frente e eu fitava seu rosto alegre com ternura. Você não pode se machucar. Eu não vou deixar!
     Mais tarde na volta para casa, Hyunjin andava sozinho pela rua deserta no fim da tarde. Ele sempre queria pegar o pior caminho por ser mais rápido, mas se esquecia dos riscos que ele trazia para si mesmo. Eu estava logo atrás dele lhe acompanhando enquanto ele olhava distraído para seu celular. Seu cabelo castanho liso e fino caia sobre sua testa e as vezes entrava em seu olho deixando o menino impaciente. Ele é muito expressivo e sempre faz umas caras de irritação que me fazem rir.
     Chegando perto de sua casa, ouço um barulho no beco de trás e vejo um homem mal encarado fumando um cigarro e observando Hyunjin. No mesmo segundo eu cerro meus punhos e me preparo para a qualquer momento fazer meu protegido correr, porém o homem continua parado no seu lugar, até depois de alguns minutos se virar e ir embora. Relaxei um pouco o corpo, mas ainda tinha uma sensação estranha de que eu devia estar preparado para agir e defender Hyunjin.
     Fiz o menino apressar o passo para chegar em casa logo e apenas respirei tranquilo quando o mesmo passou pela porta e a trancou. Olhei ao redor do lado de fora e não vi ninguém por perto. Meus pressentimentos ainda me deixam atento, mas deve ser por conta do instinto de proteção dos meus dois lados brigando para manter o menino protegido. Decido então entrar na casa e ir até seu quarto para observa-lo.
     Hyunjin estava jogado em sua cama ainda mexendo em seu celular até que ele o deixou de lado, suspirou fundo enquanto fitava o teto e questionou:
- O que tem de errado comigo?
     Uma pequena lágrima escorreu de seu olho esquerdo e se acumulou em baixo do mesmo. Impulsivamente me coloquei acima dele para examinar seu rosto. O que estava errado? Que dor é essa que está dentro de seu peito que eu não tinha notado antes. Meu coração ardia dentro de mim e eu me senti agoniado. Outra pequena lágrima escorreu de seu olho e antes que ela caísse pela lateral da sua bochecha em um súbito eu a beijei. Enquanto meus lábios ainda tocavam o rosto do menino me atentei de como as coisas não deviam estar certas. Eu já não sabia decifrar os meus sentimentos e os dele. Mas ao afastar meu rosto, noto que um leve sorriso surgiu nos lábios do meu protegido, que secou suas lágrimas e se levantou para ir atrás de algo para comer.
     ...O que está acontecendo?