Item 5: Tatuagem

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Miguel já havia dormido. Depois de cortar o cabelo voltamos para a cama, continuamos a assistir o filme e ele dormiu.

Já eu, não consegui fechar os olhos. Estou com medo, de tudo. Daqui algumas horas iremos nos separar, meu celular não parou o dia inteiro de chegar mensagens que ainda não tive coragem de ler e o meu cabelo que passei tantos anos mantendo longo agora está curto. Tudo mudou tão rápido. E eu nunca fui muito boa com mudanças, gosto de ficar na minha zona de conforto.

Me levanto e vou em direção ao espelho, o quarto está com a luz apagada, mas ainda é um pouco iluminada pela televisão ligada.

Me observo, é tão estranho me ver assim.

Tudo bem, meu cabelo não era realmente liso, mas gostava de fazer as pessoas pensarem que sim.

Nasci com o cabelo encaracolado, comecei a alisar ainda criança e permaneceu assim por anos. Mas agora, me olhando no espelho, consigo vê ele curto e ondulado, querendo formar os cachos nas pontas. Achei que nunca mais fosse vê ele assim.

Me sentia estranha quando pequena. Todas as mulheres em minha volta tinham os cabelos longos e lisos e tudo o que eu via na televisão era como a chapinha fazia bem. Mas agora vendo de mais perto, gosto dele assim, do jeito que está agora.

Meus pais com certeza vão surtar quando me verem.

Retiro a camisa grande, sinto a necessidade de me ver mais. Como pude deixar tantos detalhes passarem despercebidos?

Agora só de calcinha e sutiã, que mais parece um top, consigo ver tudo o que eu sempre odiei, mas que Miguel achou lindo, e isso me fez pensar, e se for mesmo?

Ninguém nunca me disse que o meu corpo era bonito, sempre disseram "Você tem que fazer academia!", "Nossa! Como você engordou!" ou "Não coma tanto." Desde que me entendo por gente meus pais me colocam em vários esportes e eu nunca gostei.

Mas e se Miguel estiver certo? E se tiver algo bonito em cada corpo da sua maneira?

Consigo ver a minha pochete, como dizem, uma barriga com dobras que combinam com o quadril largo. Consigo ver meus seios nem tão grandes e os sinais espalhados pelo meu corpo.

Meu celular toca mais uma vez em cima da cama. Coloco de novo a camisa e vou me deitar. Mas a curiosidade falou mais alto.

Quando abri meu celular haviam muitas mensagens e ligações da minha família e amigos. Todas com o mesmo conteúdo "Que merda você tá fazendo?", as mensagens dos grupos não paravam.

Porém, algo me chamou atenção. Não havia nenhuma mensagem ou ligação da minha mãe. Nada. Achei que ela fosse a primeira que ligaria...

Não iria responder todos. Afinal, a maioria daquelas pessoas mal falavam comigo, isso inclui meus parentes e os amigos da escola, e agora querem que eu dê uma explicação da minha vida para eles?

Abri a mensagem do meu pai. Ele não era muito bom em expressar os sentimentos, mas sabia que aquela única mensagem dizia muita coisa:

Fique bem. Te amamos.

Depois verifiquei as mensagens das minhas irmãs, que consistiam em áudios bem longos.

— Cê tá me tirando, menor? Tá maluca, Lili? Cê deve ter merda na cabeça! Cê tá ligada que quando chegar em casa o pai e a mãe vão te meter a porrada, né? — Falou com o tom de voz alto e chateado.

Essa era a minha irmã Flávia, é a irmã do meio de nós três. Era uma criança muito legal, mas que entrou na adolescência e descobriu as gírias e insiste em colocar elas em toda conversa. Ela era a mais calma entre nós e a mais brava também, era um paradoxo.

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