Item 11: Ficar sozinha (parte 2)

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Abri os meus olhos, me sentia mais descansada e desperta. Olhei para o despertador na cabeceira, marcava 5h da manhã.

Olhei para o lado e vi Lola deitada, estava em um sono profundo.

Estiquei a mão com cuidado e retirei uma mecha que caia sobre o seu rosto.

Ela estava linda. Ela é linda.

Mas eu precisava tomar uma decisão, por mais difícil que fosse, eu precisava decidir com quem eu queria ficar. Sei que não poderia ficar com os dois, eles não aceitariam isso. Porém, eu estava com medo de magoar um deles ou até eu mesma.

Saí devagar da cama, eu precisava conversar com Miguel. 

Abri a porta do quarto tentando não fazer nenhum barulho.

Caminhei pelo corredor, mas parei assim que vi uma movimentação em dos quartos. Só poderia ser ele.

Girei a maçaneta. Assim que abri a porta visualizei um lindo homem com apenas uma calça moletom cinza, deixando os seus músculos cobertos por tatuagens à mostra.

Ele estava fumando e apoiava um dos braços no parapeito da sacada que ficava no quarto pouco decorado, de frente para o quintal bonito da casa. Havia apenas o necessário ali, cama e uns armários. Lola disse mais cedo que o pai deixava um quarto vazio ali para as visitas da avó dela.

Fechei a porta, fez barulho, entretanto ele não se virou, ele sabia que eu estava ali.

Caminhei com passos lentos até ele e o abracei por trás.

Os músculos dele primeiro ficaram tensionados, mas depois ele relaxou.

— Não gosto de fumar perto de você — ele declarou dando mais uma tragada e soltando a fumaça.

— Eu sei. — Me apertei mais a ele.

O vento batia em nós dois e me causou um calafrio. Deitei a minha cabeça na sua costa larga e tentei sentir mais o seu calor.

— Lia... — disse em tom de aviso.

— Não diz nada, por favor — interrompi ele.

Miguel apagou o cigarro no parapeito e se virou para mim, o que fez com que eu momentaneamente me afastasse um pouco dele, algo que eu não queria. Se pudesse, ficaria agarrada nele.

Ele ficou de frente para mim, estava sério. E, talvez eu estivesse errada, mas vi um pequeno traço de tristeza no olhar dele.

Meu coração acelerou com o que eu ia dizer, mas sabia que era a decisão certa.

— Eu sei que mesmo que você e a Lola não estejam dizendo em voz alta, vocês querem que eu escolha alguém. Ela é incrível. Você é incrível. — Tentei sorrir, mas falei miseravelmente, meu lábio inferior tremia.

Ele cruzou os braços e ficou naquela pose de badboy que eu tanto gostava. Abracei a sua cintura e colei os nossos corpos.

— Eu quero você — confessei devagar.

Miguel levantou a cabeça surpreso, descruzou os braços devagar e um sorriso cresceu lentamente nos seus lábios.

— Eu quero ficar com você — reafirmei.

O tatuado deu um sorriso largo e brilhante, que fez borboletas brincarem na minha barriga.

Me abraçou, suas mãos ficaram na minha costa e fizeram um leve carinho.

Ele se aproximou para me beijar, seus lábios estavam perto dos meus. Eu conseguia sentir o seu cheiro, uma mistura de sabonete, cigarro e hortelã.

O aroma me inebriou e eu poderia ficar ali por muito tempo, porém, havia ido até ali por um motivo e não podia desistir agora.

Quando os seus lábios roçaram nos meus, se preparando para um grande beijo, eu voltei a falar.

— Mas isso não significa que eu escolha você.

Ele travou, não mexeu mais nenhum músculo e o movimento da sua boca parou.

Vi a mágoa passar pelos seus olhos. O choro se prendeu na minha garganta com a cena.

— O quê? — Um fio de voz saiu dele. Foi baixo e se eu não estivesse tão perto dele, não teria escutado.

— Eu quero ficar com você, não duvide disso. — Engoli o choro. — Mas não agora — continuei.

Miguel afastou os braços de mim e depois o corpo. Aquilo me machucou, todavia sabia que ele estava chateado.

— Eu quero ficar sozinha. Eu quero me encontrar, foi para isso que eu comecei a fazer essa viagem. Mas desde o início eu não fiquei nenhum momento sozinha. — Ele fechou os olhos como se estivesse com dor. Aquilo doía nele, mas em mim também. — Eu encontrei pessoas maravilhosas, como você e a Lola, porém foram vocês que me guiaram durante todo esse tempo, me levando aos lugares e dizendo como eu deveria fazer as coisas. Eu preciso fazer isso por conta própria. — Ele passou por mim como um furacão, saiu da sacada e entrou no quarto escuro. Fui atrás dele, que ficou de costas para mim. — Eu quero assistir um filme sozinha, dormir sozinha, comer sozinha, ir aos lugares sozinha, dirigir por horas sozinha... — falei rápido, tentando fazer com que ele entendesse. Miguel passou as mãos no rosto, agoniado. — Eu quero me conhecer e entender quem eu sou. Mas eu não posso fazer isso se o tempo todo parece que eu estou me encostando nas pessoas só para não ficar só. — Eu não estava mais conseguindo me controlar, só senti as lágrimas molhando o meu rosto mais e mais. Minha voz estava mais alta do que o normal, mas não me preocupei com isso. — Como eu posso amar outra pessoa se eu nem mesmo me amo completamente? Se eu ainda deixo os meus medos e inseguranças me impedirem de viver? Como eu posso querer estar do lado de alguém, se eu nem gosto da minha própria companhia?... Às vezes ficar sozinha não é ruim, aproveitar a si mesmo e dar um tempo para você não é ruim. Por isso que eu não escolho você e nem a Lola. — O homem que fazia o meu coração disparar se virou para mim e mesmo que com a pouca luz da lua que entrava no quarto, ele me viu chorar. — Eu me escolho — disse firme.

Miguel ficou parado me olhando e eu percebi que ele também estava chorando.

— Então quer dizer que você está indo embora de novo? — perguntou com a voz embargada.

Ele me olhou nos olhos intensamente e, por um instante, eu consegui relembrar todos os nossos momentos: quando nos conhecemos, quando assistimos o sol nascer, ele me ensinando a fumar, nós dois dançando no restaurante do seu Luís, nós dois deitados na cama da pousada comendo salgadinhos e assistindo filme, todas as horas que passamos conversando, brincando, cantando e dançando no carro. Lembrei de todos os beijos dele.

Fiquei em silêncio, desejando que ele também estivesse se recordando de tudo.

Diante da falta da minha resposta, ele colocou as mãos na cintura e riu incrédulo e sarcástico. Ele até poderia tentar agora a pose de badboy, mas as lágrimas e os seus olhos o entregavam.

Desviou os olhos dos meus, me ignorando. Isso fez com que mais lágrimas rolassem pelas minhas bochechas.

Caminhei até a porta, passando por ele, me virei na esperança de que Miguel também me olhasse, mas nada aconteceu.

Saí do quarto com o coração machucado.

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