Item 9: Piercing

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Desistir.

Essa palavra nunca esteve no meu vocabulário quando a questão era o estudo. Meus amigos sempre me elogiavam muito, pois mesmo sem dormir por quase 24 horas ou apenas tendo feito uma refeição por dia, eu continuava estudando. Meus professores sempre falavam "Tenha resiliência, Lia!", mas eu nunca soube o que essa palavra significava, então dei novos significados para ela.

Tenha coragem.

Continue andando.

Não desista.

Estude! Estude! Estude!

Você precisa estudar! Se não, o que vai fazer?

Estude até não poder mais!

Mas a verdade é que eu sempre fui boa em desistir, mas somente quando o assunto tratava sobre mim. Desistir das coisas que eu queria fazer ou que me deixavam feliz era comum.

Desisti da dança, do violão, do canto, da escrita, da arte, do teatro... Achei que desistindo dessas coisas eu teria um futuro "melhor", ou como eu escutava das pessoas, com dinheiro.

Foi agoniante ter que me moldar ao um modelo de ensino ou a um padrão de sociedade quando o meu peito transbordava criatividade e imaginação.

Todas as cores foram se perdendo e eu fiquei sem cor, sem personalidade e sem caráter.

Se alguém perguntasse para os meus parentes ou para os meus amigos "QUEM É A LIA?", acho que nenhum deles saberia responder, nem eu saberia responder essa pergunta. Porque quando desistimos das coisas que nos alegram, desistimos de nós mesmos. Ficamos sem nada, sem identidade, apenas um vazio... Acho que é por isso que antes de fazer essa viagem eu não me reconhecia no espelho...

Talvez esteja na hora de desistir de novo, ir embora daqui, voltar para casa, admitir que errei e me moldar para parecer com a Lia de antigamente.

Mas agora que eu provei da liberdade, seria fácil eu me aprisionar de novo?

Passei a madrugada pensando em desistir e voltar para casa para poder estudar para medicina. Talvez fosse a escolha certa. Aquela viagem estava indo longe demais.

Acordei com o sol nascendo, a luz dele bateu em mim e eu despertei. Olhei para o lado e vi que Lola ainda dormia, estava tão serena. Me perguntei como ela poderia estar ainda tão bonita, eu com certeza deveria estar horrível.

Sua mão ainda segurava a minha, meu coração acelerou com o pensamento de que passamos a noite inteira assim.

Ela estava deitada de frente para mim, o que me permitiu observar todos os traços do seu rosto. As suas bochechas eram volumosas e naturalmente rosadas, o que dava a impressão de que ela estava constantemente corando, mesmo que dormindo.

Tentei puxar a minha mão da sua delicadamente, mas ela se mexeu e eu fiquei com medo de acordá-la, porém tentei de novo e ela abriu os olhos.

—Já tá saindo da cama? —perguntou ainda sonolenta.

—Desculpe, eu não queria te acordar.

—Não ia dar nem um bom dia? —sorriu com os olhos fechados, ainda segurando a minha mão.

—Desculpe. —repeti envergonhada.

Ela soltou um riso.

—Está tudo bem, Lia. Eu estou brincando. —ela se sentou no colchão.—Que tal a gente entrar e tomar um café? Hum? —ela me beijou, um beijo rápido e simples, se levantou e saiu andando para dentro da sua casa se esticando.

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