Capítulo II

57 11 23
                                    

Mat conseguiu cuidar de Lucia com os poucos equipamentos que tinha. Ele prometeu que os curativos seriam o suficiente para evitar uma futura infecção. Mat se sentia orgulhoso por ter ajudado a moça e triste por ter perdido sua última garrafa de tequila.

Durante um último instante passageiro, encarando o rosto descansado daquela moça, Mat pensa em Austin Ballard, o jovem que tinha a beleza de um astro do rock, que ele viu ser sacrificado em um campo de batalha para salvar metade dos soldados, inclusive ele.

Mat suspira e fica de pé. Ele se aproxima de Sandy. Ela está ocupada ajudando Luke a arrastar o cadáver para debaixo de uma árvore a fim de recolherem mais tarde. Sandy fica de pé, limpa as mãos na calça jeans e se vira para encarar o irmão.

- Assim que Lucia acordar, iremos embora. - conclui ele.

- Não vamos... Temos que ficar. - Sandy passa os dedos entre o cabelo - Qual será a nossa chance vivendo assim? Você viu o que aconteceu no Colorado.

Lucia desperta e se põe de pé. Ela parece estar nervosa e desconfiada da situação.

O silêncio que se segue torna o momento de desconforto quase surreal, conforme o vento balança as copas das árvores, e o Mini Hulk morto apodrece silenciosamente no chão a apenas alguns metros. Todos próximos de Lucia, inclusive Luke e Sandy, olham para baixo com constrangimento mútuo. E o silêncio se prolonga até Lucia murmurar algo:

- O que aconteceu no Colorado?

- Bem... A névoa chegou lá primeiro - Explica Sandy - Todos os países já foram contaminados. O engraçado é que Washington foi o último estado dos EUA a sofrer o ataque. Por isso Mat e eu estamos aqui.

- O presidente vai enviar forças para resolver isso, né? - Pergunta Luke assustado.

- Eles tentaram, várias cidades foram bombardeadas tentando evitar um fluxo grande de mortos - Mat faz uma pausa - Não funcionou... Resumindo, não existe ninguém que possa resolver isso.

Luke parece um fantasma; seu rosto angustiado está tão pálido, fechado e assombrado que ele parece desaparecer gradualmente.

- Obrigado por terem me ajudado - Diz Lucia - Sinto que estou com uma dívida que nunca poderei pagar. Mas eu preciso ir para Denver, meus pais estão lá e por mais que a cidade esteja em ruínas, eu preciso ter certeza que eles estão vivos.

Enquanto todos encaravam Lucia, ela pode finalmente reparar nas pessoas que a rodeavam.

Will ou Sr. Microsoft é um homem alto e magro, que na maioria das vezes transparecia estar triste. Seus olhos são brilhantes e o cabelo loiro estava estranhamente bagunçado. Quando ele falava sentia- se que o mundo em sua volta era silencioso.

Mat é alto e atlético, mostra confiança e sabedoria na postura. Sua pele é levemente corada e seu olhos com pálpebras duplas são tão escuros como a noite.

Luke é negro, alto e encorpado, com cabelos pretos encaracolados, olhos castanhos escuros, um rosto estranhamente simétrico que exala tamanha confiança.

Sandy tem traços delicados e cabelo escuro como o do irmão. Ela carrega com si um caderno, que Lucia desconfia ser uma espécie de diário. A floresta parace deixar ela desconfortável.

Outro momento de silêncio se segue, e a tensão passa como um micróbio de uma pessoa para a seguinte. Ninguém acha a decisão de Lucia tão segura.

Will quebra o silêncio:

- Ir para o Colorado é caminhar para a própria morte. - Ele pensa antes de concluir - Não que eu quera me envolver... - ele estava claramente nervoso - Eu só acho que você não devia se arriscar.

- Eu não te conheço, mas tenho que concordar, nós não podemos ir pro Colorado. - disse Sandy, preocupada.

- "Nós"? Vou sozinha - Respondeu a outra compreensiva - Não quero arriscar a vida de ninguém.

- Não temos nada a perder - diz Luke, que sentou na grama, limpando a sujeira do rosto com a blusa. - só vamos.

Will assente e olha para o chão, parte por gratidão, parte por vergonha. Do outro lado, Mat tira a máscara e passa os dedos pelo cabelo escuro.

- Quanto tempo? - Diz Mat olhando fixamente para Lucia - Precisamos de um plano.

Filha única, criada na cidade de classe média, Denver, Lucia costumava ficar sozinha: brincava sozinha, sentava-se sozinha no fundo do refeitório ou do ônibus escolar... sempre sozinha. No ensino médio, a inteligência afiada, a teimosia e o humor incisivo a distanciavam do cenário social das animadoras de torcida. Cresceu sozinha, e o peso latente dessa solidão a perseguiu quando se escondeu. Agora, sentiu se acolhida por pessoas que ela não conhecia. Lucia sentiu uma imensa vontade de sorrir mas se conteve.

Will examinou Lucia, ela se parecia com ele. Ambos não sabiam interagir. Então, para ajudá-la, respondeu:

- Talvez seja melhor Lucia explicar o plano amanhã... - falou baixo - Está tarde, precisamos dormir.

- Obrigada - sussurrou Lucia para Will - Ficarei de vigia.

- Eu também - Completa Mat.

Naquela noite, Luke tem dificuldades para dormir. Coberto com sua jaqueta, tentando encontrar uma posição confortável, encarando o lindo céu estrelado. Do outro lado, Mat e Lucia se sentam.

Com os outros dormindo, Lucia pode repensar no seu dia. Os errantes atacando o vendedor, a vila pegando fogo e sua experiência de quase morte.

- A noite está linda, não acha?

Lucia encara Mat tentando decifrá-lo mas não tem sucesso.

- Você parece nervosa...

- Não sabia que eu estava sendo julgada aqui. - O rosto fofo e cansado de Mat se transforma, qualquer traço de diversão se dissipa.

- Não precisa ter medo de mim. - Responde ele.

- Não estou com medo de você. - Lucia respira fundo e explica seus sentimentos - A verdade é que não quero forçar ninguém a fazer algo que não queira... ninguém precisa se machucar. - O olhar de Mat não vacila. Permanece fixo em Lucia.

- Estamos correndo risco agora. - ele dá de ombros - Você está um pouco além do que você pensa estar, confio em você.

- Obrigada - Lucia encerra a conversa inexpressiva.

Horas depois

Will acorda primeiro. Ele olha para o leste e vê o sol do início da manhã despontar sobre o limite das árvores. Nem são 7 horas ainda e o frio anormal da semana anterior já era. Nessa parte de Washington, a primavera pode ser um pouco bipolar — entra fria e chuvosa, mas fica quente e úmida como os trópicos, sem avisar.

Todos aguardavam Lucia explicar o plano;

- De início será preciso encontrar um mapa. Só assim saberei a rota exata. Mas, por sorte, lembro que na praça de Leavenworth tem um que vai nos ajudar ir ao Condado de Adams.

- E se o caminho estiver bloqueado? - Questiona Sandy.

- Caso isso aconteça, teremos que cortar caminho pelo Condado de Douglas... - Lucia desenha um mapa na grama com a lança - Precisaremos saquear algumas lojas, assim, não morreremos de fome.

Sandy anota a rota, Luke e Will ajudam ela com uma lista de suprimentos que será preciso encontrar;

- Quando perceberem qualquer sinal de mortos, é só entrar em posição de ataque - Explica Lucia examinando o rosto dos companheiros. - Não tirem a máscara por nada! Aquela névoa é perigosa e não devemos respirar essa substância.

Lucia, a líder, olhou para Luke, e Luke desejou poder interpretar sua expressão. Estava cansada, ou pensativa? Será que estava errada ou simplesmente apostando na sorte?

- Vamos - Disse Mat por fim. - O caminho será longo.

Postponing deathOnde histórias criam vida. Descubra agora