"I dreamed that you bewitched me into bed
And sung me moon-struck, kissed me quite insane.
(I think I made you up inside my head.)"Sylvia Plath
Eu não sou livre, JK. Nunca fui. Eu sou acorrentada na tua voz, fico andando por aí arrastada por ela, um feitiço. Não posso dizer que você me enlouqueceu, seria injusto. Mas a sua culpa é indelével. Ela está bordada no seu sorriso (como pode sequer existir um sorriso assim?).
Não me conformo. Sua existência é uma afronta.
Hoje você chegou de manhã cedinho, um pouco antes do sol, vestia um blazer preto e tinha o cabelo repartido daquele jeito adorável, aquele jeito que eu gosto. Você sabe bem. Os olhos delicadamente maquiados. As roupas, a maquiagem, o cabelo – uma moldura pra sua beleza. Eu não tenho beleza. Mas, ainda assim, você me acha linda.
Você é tão grande que me faz sentir dor, Jungkook-ah, dor quando entra em mim e dor quando me deixa. Você me prende na minha própria cama com seu corpo, me deixa nua e quente, amarra minhas mãos com meus lençóis (poderia me enforcar também). Eu peço que seja rude, minha pele está quente e úmida, eu todinha devo ter gosto de orvalho. Você ainda está vestido, mas seu pau tão duro quanto pode ficar, escapa para fora da calça e pra dentro de mim. Eu imploro que me machuque. Mas você é muito gentil. Você beija meus lábios como se eu fosse sua namoradinha virgem. Minhas bochechas estão vermelhas, assim como minha boceta, Jungkook-ah eu quero morrer debaixo de você. Me sufoca com sua boca até eu não poder respirar. Me rompe toda por dentro, me abre, me vira do avesso porque o lado de fora já não presta mais pra nada.
Abre os meus botões e abre meu peito.
Desliza sua mão pela minha barriga e me lambe o umbigo. Jungkook-ah, você me enlouqueceu. Parabéns. Eu o odeio. Eu acho que te criei na minha cabeça.
Demônio. Acabo de rebatizá-lo. Este é o seu corpo que recebo em comunhão, este é o seu sangue. Amém.
Pensando bem, Jungkook-ah, dizer que você me enlouqueceu é uma grande injustiça. Você não é o culpado, bem antes de você eu já tinha começado a desistir de mim mesma. A não fazer mais planos. A não pensar no futuro. E, aos poucos, a ir parando de fazer as coisas. Enlouquecer é isso: é não ter força de fazer as coisas. Por exemplo: levantar da cama, tomar banho, fazer o dever do curso de japonês, esquentar o almoço, comer, cumprir algumas horas de meditação, pegar o ônibus, chegar no trabalho, trabalhar, voltar pra casa, comer, me divertir, assistir a um filme, ler um livro, dormir. Fui desistindo de cada uma dessas coisas, a única que me restou foi sua imagem na tela do meu celular.
E aí eu vim parar aqui.
Aí me trouxeram pra cá.
E eu perdi minha juventude. Perdi meu futuro "brilhante". Perdi eu mesma.
Me restou o seu rosto.
(Então não me restou nada.)
Me desculpe, te digo, ainda sob seu peito. É que meus remédios estão começando a fazer efeito. Você sai de dentro de mim e acaricia meu rosto. Não tem pena de mim, só amor. Deita seu corpo ainda vestido ao lado do meu, nu, e puxa o lençol para me cobrir. Você é um menino de ouro, de uma gentileza que me comove. Fico irritada com minhas palavras de novo, elas estão engessadas. Fico irritada com a química que me força para fora de mim, como se eu ainda habitasse dentro de mim, mas o resto que sobrou vai voando junto com a benzodiazepina. Quem foi o químico (foi um químico?) sádico que inventou esses compostos pra nos desconfigurar? Me diz, Jungkook-ah. Você que sequer gosta de álcool. Você que é meu porque não pode fugir dos meus comprimidos roxos, daqueles que se espalham inteirinhos por minhas veias, como os peixinhos dourados de Cortázar. Queria eu poder vomitar coelhinhos. Queria eu poder vomitar você.
Hoje você está silencioso.
Peço-lhe algo para a minha fome, algo com açúcar pra me acalmar, mas aí o remédio bate de vez e não preciso de mais nada. Só de água. A sede é cruel, sempre.
Onde isso vai nos levar, JK? Onde?
Sinto que não vou honrar a memória de Sylvia Plath.
Quem é essa?, você me pergunta.
Uma moça que se matou com trinta anos, uma escritora.
Por que escritores se matam?
E eu vou saber?
Você quer se matar?
Eu não sou escritora.
Eu já tô morta.
As luzes são apagadas e é hora de dormir. É hora de você ir embora. Eu choro e você fica. Quentinho, macio, de lã e de brim. Às vezes de moletom e de malha. Meus dedos se esfregam no tecido da sua roupa. No escuro, minhas mãos te tocam tristemente porque meus olhos não podem te ver. É como se você estivesse morto e frio nos meus braços. Mas, de repente, volto a mim e sinto seu calor desesperador, tão vivo, tão sangue correndo por todos os seus órgãos e membros e pele feita de estrelas. Poesia barata. Toma minha poesia barata como aquelas que vendem nas ruas do centro da cidade. Da minha cidade, não da sua. Você sabia que Rio de Janeiro e Busan são cidades irmãs? Você não sabia. Você não sabe onde fica o Rio de Janeiro.
Eu já fui melhor nisso. Muito melhor. Mas agora não sou mais uma escritora, agora não tenho mais obrigação. Agora eu não choro mais e minhas letras se embolam e eu tenho que deletar várias vezes a mesma palavra pra recomeçar. Você já sentiu isso, JK? Uma química tão forte desenfreada violentando seu cérebro. Acho que não. Você é um bom menino.
Você. Não. É. Maluco.
Você não odeia o mundo.
Você não tem um útero.
Você não é cíclico.
Você é perfeito.
É o que dizem. É o que dizem.
Dessa vez fui longe demais.
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Mad girl's love song
FanfictionUm conto sacro-erótico sobre a relação entre loucura e desejo, baseado no poema Mad girl's love song, de Sylvia Plath. Misturando mitologia cristã e remédios para dormir, é o relato confessional da paixão química entre uma mulher cuja própria mente...