I shut my eyes and all the world drops dead

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“I shut my eyes and all the world drops dead;
I lift my lids and all is born again.
(I think I made you up inside my head.)”

Sylvia Plath

 
Você apareceu na minha porta com seus ombros e seu sorriso e sua pele de brilho de ouro. Seu cabelo, tão preto, tinha sido penteado e arrumado pra mim. Seu perfume era só banho tomado. Seu sorriso algo cuja beleza jamais em tempo algum vai permitir ser estraçalhada em palavras.

– Como você entrou se minha porta está trancada? – perguntei.

– Você abriu pra mim – disse.

– Eu não tenho a chave.

Você sempre vinha me visitar. O dia inteiro. Várias vezes por dia. Você vinha me acolher em seu corpo de Apolo e eu, como um girassol, girava em meu eixo para fixar você no meu olhar.

Às vezes, eu não entendia o que você dizia. Suas palavras vinham sem legenda. Mas eu me perdia nos seus olhos redondos e doces, seus olhos de cervo, sua discreta pálpebra dupla, a veia vermelha fininha dando um toque de realidade à escultura do seu olho.

– Bom dia – você diz. – Boa tarde. Boa noite.

Sinto meu sangue cheinho das drogas prescritas. É ruim. É a pior coisa. Mesmo assim, é melhor que estar sóbria.

Você pisca seus olhos de cervo e de repente estamos no céu. Quer dizer, no alto de uma montanha. Sentados sobre a relva molhada de orvalho da madrugada, sentindo o vento frio em nossa pele. Você não está com frio. Veste um suéter da Balenciaga. (Todas as coisas caras que você veste). Eu estou com a camisola fuleira que me deram em algum lugar, em algum tempo.

– JK – eu gosto de chamá-lo assim, me parece mais internacional, mais próximo de mim.

Você nunca diz meu nome. Mas sorri. Sempre sorri. Fico satisfeita.

Reclamo do frio, você tira seu suéter e me veste com ele, como se eu fosse uma boneca. Agora seu peito está nu. Um desejo sobre-humano cresce em mim. Eu nunca liguei para músculos até ver os seus. Você sorri com timidez, como se não soubesse que eu tô encharcada só de te olhar, mas sabendo. Você sabe, sempre sabe. Mas a graça é que tenta disfarçar, tenta agir como se eu soubesse mais que você. E eu até sei. Só que sobre outros assuntos, sobre a loucura e sobre o mundo que existe debaixo de seu pano escuro. Quando você nasceu, foi o ano em que comprei meu livro preferido, era sobre alquimia. Mas já não me lembro mais da história. Eu tinha 11 anos e gostava de livros. Agora não gosto de mais nada.
Eu gosto de você.

Você me toca por dentro.

Meu útero ama seus dedos. Ama sua voz. Ama seus músculos. Ama seus olhos de cervo e seu sorriso de coelho. Ama as duas letras que confunde por seu nome, como se seu nome pudesse ser escrito com um alfabeto que eu conheça. Você poderia ser qualquer um, mas é você JK.

Você massageia minhas paredes internas com seus dedos, me lambe e toca meus seios, raspa suas unhas curtas na minha pele por debaixo do seu suéter. Amanhã eu posso ter esquecido tudo isso. Por causa dos remédios.

– Não se incomoda de estar com uma garota louca? – pergunto. Talvez eu não seja mais uma garota. Talvez, quando amanhecer, eu seja uma velha.

Os remédios. Vamos falar um pouco dos remédios. Antes de me trancarem lá, onde você me encontrou, eu já tomava os remédios. Comecei a usá-los sozinha, discretamente, recreativamente – dizia. Então, quando eram administrados por mim mesma, foram vistos como minha derrota. Agora mudaram de caráter. Já que me são prescritos por um médico, todos acreditam que os remédios são minha salvação.

Você me deu um copinho de soju. Eu achei que fosse soju, mas era veneno. Fui tomando e fui morrendo. Nos seus braços. Você, JK, sugou minha alma pelos bicos dos meus seios. Depois, meu corpo nu sobre aquela montanha distante e desconhecida, pegou um violão e tocou minha canção de ninar. Ou minha elegia. Eu ainda sentia o doce do álcool na minha garganta, queimando, silenciando as pouquinhas palavras que grudavam suas ventosas ali. Me toca, me toca, eu queria dizer. Mas estava muda. O seu toque é meu desespero. Você não vê? Que garoto obtuso. De inocência rude. De tonzinho rebelde e insolente por debaixo dessa cara linda e dessa voz de anjo. Voz de anjo. É uma metáfora pobre. Me perdoa. (É uma metáfora?)

Quando você dança, eu me desfaço toda. Mas hoje você não dançou. Quando eu pensei que fosse morrer ao relento por causa do seu veneno, voltamos ao quarto, às paredes encardidas sem fotos, sem pôsteres, ser ecos. Alguém caminhava pelo corredor e eu estava nua. Você cobriu meu corpo, JK, meu JK, meu amor-menino, meu agora tão homem e tão criança, tão coberto de perfeição que devia ser um crime.

Jovem louca nãotãojovem. Se você me chamasse assim, poderia ser melhor que falar meu nome. Poderia ser melhor que as flores de Ofélia. Que os amores teatrais. Que as falhas no curso da nossa rotina. Eu estou quase bem, eu diria, em breve não vão mais precisar me trancar aqui. Eu quase posso voar. Você me deu asas.

É mentira, você diria. Eu não tenho asas, muito menos pra te dar.

Mágica.

Amanhã você vai voltar pra me levar pro céu de novo.

Mad girl's love songOnde histórias criam vida. Descubra agora