I think I made you up inside my head

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"I should have loved a thunderbird instead;
At least when spring comes they roar back again.
I shut my eyes and all the world drops dead.
(I think I made you up inside my head.)"

Sylvia Plath


Essa vida não é pra ser vivida, meu amor. "Ame a si mesma", você disse. Mas como é possível se nem você que é perfeito consegue se amar. Imagina eu. Que sou um pedaço de qualquer coisa. Que sou louca.

De manhã, o sol desceu sobre minha cama, inoportuno em sua luz tão limpa. Eu quero me partir em duas, pensei, eu quero partir. Você segurou minha mão, de onde tinha surgido? Eu me debati. Você não está aqui, você não está aqui, gritei. O meu quarto foi ficando menor, eu fui ficando menor, a agulha entrou na minha veia. É uma dor que você não imagina. Ou talvez imagine, com suas noites em claro, com seu trabalho árduo, com dançar machucado e com fome e pertinho de perder a razão como eu. Como cantar estrangulando a própria voz. Meu passarinho. Meu amor com uma flecha atravessada no peito.

Abençoa-me, meu São Sebastião menino, porque eu já estou morta. Caia sobre meus olhos com seu corpo em agonia e êxtase.

Eu canto pra você porque você canta pra mim. Porque você tem uma voz. E eu tenho uma voz, mesmo sem som. Tenho dois minutos de vida e os desperdiço lançando pérolas aos porcos. Mas quem sabe você arranque uma das flechas de seu peito e me dê o golpe de misericórdia.

Os anos não andam para trás. Eles seguem para frente. Ou param.

Param.

Como os ponteiros do relógio sobre minha cama. Eles não podiam imaginar quando puseram esse relógio ali, essa coisa horrorosa de plástico duro, de lixo, de fábrica. Não podiam imaginar que você o transformaria em suas flechas abençoadas. Desejaria ser alvejada inteira se pudesse, mas ao meu peito e ao meu pescoço restaram apenas duas flechas, a das horas e a dos minutos. Uma, curta como os anos antes da minha loucura. A outra, um pouco mais longa, talvez interminável como meu desespero por-você-menino-por-você-demônio.

Você entrou pela minha porta uma última vez. Chorava. Tão lindo chorando, transparente, de vidro. As lágrimas o banhavam transformando-o num cristal avermelhado e precioso, o bronzeado da sua pele se liquefazendo. Parei um pouco pra observar sua beleza, extasiada, arrebatada, e até esqueci que tinha que morrer. Você amarrou minhas mãos com os lençóis, vendou meus olhos com sua camisa. Me penetrou. Não no meu cerne, no mundo entre minhas pernas do qual você era o deus-criador, mas neste peito em frangalhos, no coração de farrapos costurado dentro da minha caixa torácica. Você varou meu tronco com a flecha dos segundos, pifando o motor do meu músculo cardíaco, fazendo-o desacelerar. Depois, brincou com a flecha das horas entre seus dedos. Girou-a como uma baqueta de bateria, como um microfone. Comecei a enxergá-lo através dos olhos da morte, já que os meus estavam tapados pelo cheiro do seu corpo no tecido da camisa. Apontou seu dardo derradeiro pra minha garganta, pra fonte da voz que chamava seu nome, pro canal do ar que eu não voltaria a respirar. Se eu pudesse enxergar seu rosto mais uma vez com minha própria visão... veria-o se repetindo, ecoando sua beleza entre os sons agoniantes dos carros que cortam a rua em frente ao meu quarto, uma beleza de querer gritar um grito perfeito, de conjurar silêncio. Eu preciso dormir, te digo. Ouço sua risada. Sinto seu beijo de misericórdia nos meus lábios já um pouco frios.

Mad girl's love songOnde histórias criam vida. Descubra agora