Prólogo

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O barulho que ecoava não tornava mais satisfatório o momento relaxante que o ser de olhos vermelhos tentava usufruir. Não tinha silêncio quase nunca, com isso estava acostumado, o problema real era a gritaria sem fim de suas criaturas patéticas. Nem para servi-lo prestavam direito. Isso era um absurdo.

— O que é isso? — questiona a si mesmo, afinal encontrava-se sozinho, apesar do barulho.

Um suspiro o escapa. Cinco minutos de conforto, é só o que pede. Mas nenhuma força divina irá ajudá-lo no momento. As forças divinas jamais o ajudaram, sendo honesto, ele sequer se surpreende por não receber nada nos dias de hoje.

— Tinhoso! — chama em um grito, vendo a pequena criatura de pele ferida e olhos pretos surgir próximo a si. Assusta-se no mesmo momento.

— Luci... — faz um pouco de manha, mostrando o verdadeiro demônio dengoso que é.

O Diabo quase riu. Quase, porque aquele ser pequeno é a sua criatura favorita no mundo. Talvez a única por quem consegue nutrir algo positivo, ainda.

O mais velho respira fundo, tentando entender o que está havendo. Como seu pequeno encontra-se ferido e, infelizmente, não tem o poder de se regenerar, cabe a ele ajudá-lo e fazê-lo descansar um pouco. Por isso, passa a mão por todos os machucados e faz com que se curem.

— Ser um anjo tem suas vantagens — brinca, mas o menor não ri.

— Mas você caiu, Luci.

— Meus poderes não — ri outra vez — vá descansar, depois conversamos.

O menor assente e caminha devagar em direção ao cantinho onde gosta de ficar. Lúcifer ri mais uma vez, não conseguindo conter todo o deboche que o habita. Ainda sem entender o que está acontecendo, chama por um dos seus resignados.

Resignados são seres que não possuem mais raciocínio próprio. São como fantoches do próprio Diabo, vivem no Inferno e visitam regularmente o submundo para atazanar as ideias daqueles que perambulam por lá. Eles são pupilos de Lúcifer, essa é a verdade, e mesmo sem raciocínio adoram exercer de forma errônea as ordens de seu mestre.

Por essa razão, não é exatamente surpreendente o fato de terem feito outra vez uma bagunça.

— Os colhedores fugiram do submundo, mestre — informa um deles.

— E por qual razão, motivo ou circunstância eles resolveram fugir do submundo? — questiona já com a força do ódio emanando de si.

O submundo fica uma camada acima do Inferno. Lá, vivem os colhedores e os perdidos. Lúcifer nunca visita o submundo, manda seus demônios menores fazerem isso por si. Primeiro porque eles obedecem sem questionar, segundo porque é bom torturá-los quando fazem um caos como o de agora.

Como assim os colhedores fugiram, afinal?

— Não devem ter ido tão longe, mestre — o demônio se encolhe em seu próprio eixo.

— Já devem ter ido mais longe que o lugar onde se encontra a sua inteligência — praticamente rosna — e ela sequer existe!

O Diabo está irritado, como nunca. Logicamente, não deveria deixar que pessoas inferiores a si tomassem conta de um assunto importante como ordenar que os colhedores trabalhassem para atiçar novas almas a irem para o Inferno. Ele só queria destruir um pouco mais de mentes, como os sete pecados adoravam fazer no seu lugar — já que seu trabalho é somente de punir as almas e não de capturá-las.

Força um suspiro, tentando controlar a raiva que agora está quase transbordando, deixando seus olhos ainda mais vermelhos que o normal. Todos que conhecem sua aparência, costumam temê-lo ao ver os olhos com o tom escarlate mais intenso, como agora.

— Não será difícil encontrá-los, eles têm olhos coloridos, diferente dos humanos — o pequeno demônio continua, parecendo não temer.

— Claro, vai ser muito fácil — debocha, alterado, aos gritos — só preciso procurar em mais de cento e cinquenta países, entre oito bilhões de pessoas. É muito fácil!

O pequeno demônio quase some de tão encolhido que está, temendo deixar de existir com a raiva de seu mestre transbordando de tal forma. Por isso, opta por ficar em silêncio. Possivelmente é o melhor a se fazer no momento.

— O que você fez para atiçá-los, afinal? — questionou pesaroso, massageando as têmporas em uma inútil tentativa de se acalmar.

— Disse para a Inveja que nós somos privilegiados por viver com você e que se eles também quisessem isso, precisavam trazer mais almas... ela se descontrolou e afirmou que eles iriam para a terra em busca de todos os seres que fossem capazes de fazer cair.

O Diabo entreabriu a boca, no entanto nada disse.

Aparentemente, o mundo iria acabar.

😈

Horas mais tarde, um pouco mais calmo e arquitetando seu plano, Lúcifer era acompanhado de seu demônio favorito: Tinhoso. Era um nome que as pessoas usavam para definir o próprio Diabo, então ele acabou o dando para o ser pequeno.

— Luci, a Inveja foi a única que não escapou — informa ao mais velho, encolhido ao lado dele. Por incrível que pareça, ele não teme ao maior. Pelo contrário, o venera.

— Com ela me entendo pessoalmente — avisa, em seguida encarando o demônio menor — preciso da sua ajuda para achar os outros. Acha que consegue?

— Mas com essa pele horrível? Os humanos vão olhar para mim e sair correndo.

O Diabo acaba rindo, dessa vez sem tanto deboche presente, concordando com a cabeça na sequência. Pensa um pouco mais. Tudo bem, poderia torná-lo invisível por algum tempo, ao menos o suficiente para encontrar a localização de um dos seus colhedores. Não poderia estar em todos os lugares ao mesmo momento, então encontrando um por vez já estava de bom tamanho.

— Vamos fazer o seguinte... — começa, segurando a mão pequena do mais novo — vou te deixar invisível, e enquanto estiver na terra pode escolher uma aparência para si. Quando voltarmos lá, juntos, eu o transformo no que quiser.

Tinhoso concorda com a cabeça todo feliz, o que de certa forma alivia o mais velho também. Aquele ser em sua frente era o único que ele não suportaria que lhe odiasse. Apesar disso, sabia que se um dia ele descobrisse a verdadeira razão de estar no Inferno, certamente jamais olharia na sua direção outra vez. A culpa inúmeras vezes batia em sua porta, mas ele apenas ignorava.

Era o Diabo, afinal. Os outros temiam-no, ele não tinha medo de nada.

Talvez do homem que o criou, mas ninguém além.

— E você, Luci? Vai fazer o que agora?

— Vou fazer a Inveja ver o quão incrível é conhecer o Diabo — dá de ombros, levantando e estalando todos os ossos que consegue, agoniando o ser pequeno ao seu lado.

— Quer que eu encontre alguém em específico primeiro? — continua seu interrogatório, temendo não servir ao seu mestre de forma eficiente.

— Comece pela Avareza. Encontre-o e descubra o tipo ideal de pessoa que o conquistaria, seja de forma romântica ou não.

Tinhoso fica confuso, olhando o mais velho como se somente sua expressão fosse o bastante para fazê-lo lhe explicar. Diferente de qualquer outro demônio que incomodaria o Diabo com a menor pergunta possível, nem todos os questionamentos possíveis de Tinhoso poderiam deixá-lo irritado.

— Eles escolheram fugir, Tinhoso — afirma, deixando de lado a última aparência humana que resolveu ter e voltando totalmente a sua forma demoníaca — agora, eu vou fazê-los pensar que o Inferno ainda é um lugar bom perto do que vou fazer com cada um.

😈😈😈😈😈

Olá, amores. Hihi. 

O Tinhoso é a única parte da história que vai ser dramática, muahahaha. Enfim, espero que tenham gostado do prólogo e que ele tenha trazido um ânimo para o final de sexta-feira de vocês. 

Gostaram? Me digam ♥

Beijinhos e até sexta-feira que vem ♥

Seven | jjk + pjmOnde histórias criam vida. Descubra agora