Perdida em território desconhecido

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Uma orquestra de sons tocava no céu enquanto eu tentava não afundar minhas botas de cano longo nas poças que insistiam em ficar no meu caminho.

"Que pensamento idiota." - pensei comigo mesma.

Eu já estava completamente encharcada, minhas roupas estavam coladas em meu corpo e meu cabelo em meu rosto, então não fazia alguma diferença se havia ou não poças, chuva, tsunami ou seja lá o que fosse.

Suspirei tentando manter a calma. O meu estresse excessivo acabaria resultando na queda de meu cabelo.

Algo cobriu a luz do poste da esquina a qual eu estava, voltei a respirar normalmente ao perceber que era um guarda-chuva.

-Vai acabar pegando uma pneumonia se ficar nesta chuva. - uma voz grave soou.

O dono do guarda-chuva era um homem com aparência de no máximo trinta anos, apesar das pequenas rugas embaixo dos olhos e de uns poucos cabelos grisalhos.

-Faz alguma diferença? - dei de ombros e voltei a andar.

-Não vá! - ele ficou na minha frente, sem tirar a proteção do guarda-chuva de mim. -Que tal você entrar e beber algo? Parece que está a dias perambulando por aí.

"Na verdade meses." - corrigi mentalmente.

Percebi que ele não iria sair da minha cola, então aceitei o convite e segui-o até uma pequena lanchonete na esquina de frente, era enfeitada com diversas luzes neons que poderiam ser capazes de cegar alguém que estava acostumado a andar nos escuros becos da cidade.

Como um bom cavalheiro ele abriu a porta para eu entrar, mesmo o gesto tendo sido um tanto teatral, agradeci com um aceno de cabeça. Sentamos em uma mesa bem afastada das que estavam ocupadas, o que não era muito longe.

O homem chamou a garçonete e esta colocou uma mecha invisível atrás da orelha quando se aproximou, seu rosto pareceu se iluminar ao ver o cliente que iria atender.

Girei os olhos, eu quase havia esquecido o quanto as atitudes humanas eram tão estranhas quando alguém lhe interessava.

-Eu vou querer duas Cocas. - o sorriso malicioso que apareceu no rosto do homem indicou que ele também havia reparado o comportamento.

-Não gosto de Coca-Cola. - comentei quando a mulher já estava saindo.

-Senhorita... - ele segurou a mão da garçonete que empalideceu mais do que sua cor já aparentava. - A moça ali não gosta de Coca, poderia substituir por...

-Chá. - completei.

-Isso, chá. - ele soltou a mão dela e expressou um sorriso gentil.

A mulher colocou outra mecha invisível atrás da orelha, corrigiu o pedido e depois saiu de perto da mesa.

Agora que estava em um local com maior luminosidade, reparei o porquê do nervosismo da mulher. Não era todo dia que se encontrava com alguém como ele, os olhos e cabelo extremamente negros entravam em contraste com sua pele branca e levemente mais morena nas partes mais expostas do corpo, era alto e poderia se candidatar para fazer um comercial de pasta de dente se quisesse.

-É difícil encontrar ruivas como você por aí. - ele também me analisava.

-Ainda não sei seu nome. - mudei de assunto.

-Faz alguma diferença? - deu de ombros me imitando.

-Acho que não. Pois bem... O meu é Molly.

Ele esticou a mão e eu a apertei.

-Prazer... Parece que andou brigando, Molly.

Ele indicou para uma cicatriz em meu braço.

-Só foi apenas um mal entendido. - cobri a marca com a manga de minha jaqueta.

-Então quer dizer que andou se desentendendo com canibais? - sua expressão de deboche deixava claro que ele sabia de algo.

Ergui-me sobre a mesa para ficar próxima a seu ouvido.

-Como pode saber disso? - sussurrei.

Ele sorriu.

-Não é difícil reconhecer o cheiro de um lobo, principalmente quando ele está vagando por meu território a espera que um caçador apunhale-o pelas costas. - sussurrou de volta.

Joguei-me de volta no banco.

-Eu deveria saber disso. - murmurei.

-Não, não devia, mas essas cicatrizes me preocuparam.

Ficamos em silêncio até a garçonete colocar nossas bebidas na mesa, dar uma piscadela para o homem e deixar-nos a sós novamente.

-Que tal me contar sobre você, agora que já nos revelamos? - ele bebeu um gole de sua Coca.- De onde você veio?

Assoprei um pouco o chá antes de beber, não precisava disso, mas um humano normal agiria assim.

-Do deserto.

-Está longe de casa, pelo jeito vai ser interessante essa história. - ele se inclinou.

Concentrei-me em todas as lembranças, que vieram como enxurradas. "Interessante" não seria a palavra certa que eu usaria, mas também não sabia sua definição da palavra para julgar.

Lembrei do início ao fim, do fim ao início, se é que teve um fim, pelo menos não para mim. Os diálogos, as mortes, as mentiras e verdades, pareciam agora bem próximas como se tivessem acontecido todas ontem. Foquei em todos os rostos as quais me lembro suas atitudes, jeitos e opiniões.

Fechei os olhos por um instante quando o rosto dele apareceu...

O rosto de Lawrence.

Blood Moon - O Coiote e a Dama do desertoOnde histórias criam vida. Descubra agora