Molly tateava as paredes, usando-as de guias para saber onde estava indo, diferente de Scott e Emily que pareciam enxergar bem no escuro. Desceu as escadas lentamente para fazer a menor quantidade de barulho possível, um pequeno ruído poderia entregá-la. Esse era o ruim de morar com seres de audição e visão extremamente boas, quase não havia como fazer algo sem ser descoberto.
Escondeu-se atrás de uma pilastra, o que não era difícil por causa de seu tamanho, enquanto os dois saíam pela grande porta de entrada feita de madeira e com dobradiças enferrujadas.
Estava prestes a ir atrás quando tombou com algo, se assustando e recuando instantaneamente.
–Ai! – resmungou.
–O que está fazendo acordada, mocinha? – um homem de cabelos grisalhos ergueu uma sobrancelha curioso.
–Marcus?! – disse surpresa e desconfiada, Marcus costumava aparecer no celeiro apenas durante as reuniões com os integrantes da matilha.
–Scott já não havia a colocado para dormir? – perguntou insistente.
–Eu vim apenas tomar um pouco de água. – a resposta veio-lhe rápido a mente, para sua sorte.
Mesmo não estando completamente convencido, ele deu de ombros e deixou Molly em paz. A pequena deu um leve suspiro e espiou o lado de fora.
Scott, Emily e mais uma dúzia de lobos estavam em círculo em volta de uma fogueira sentados em troncos e banquinhos, com exceção de Scott. Apesar do escuro ela conseguia ver seus rostos iluminados pela chama que crepitava.
–E você acredita que ele seja uma ameaça eminente? Até mais do que os coiotes? –questionava uma loba, se Molly lembrava bem, seu nome era Sunny.
–Talvez sim, talvez não, mas acho melhor ficarmos de olho nele. Ele pode não estar apenas de passagem. – Scott deu ênfase às últimas duas palavras.
Molly tentava entender sobre quem estavam falando e gostaria de ter ficado mais tempo ouvindo a conversa, mas teve que correr para a cozinha ao ouvir Marcus voltando.
A cozinha era grande, mas não era lá aquelas coisas. O chão era de madeira, assim como no resto do celeiro e era dividido do resto por uma amurada um pouco mais alta que Molly, havia dois fogões a lenha encostados na parede e uma larga mesa no centro, mas que não era o suficiente para que todos comecem ao mesmo tempo.
Acabou pegando um dos cantis de água e bebeu, percebendo logo depois que realmente estava com sede.
Ela não era como as outras crianças, com cinco anos, já fazia coisas que crianças na idade dela ainda preferiam que os pais fizessem, como por exemplo, pegar água para elas ou contar histórias para dormir. Não que Scott não contasse, mas era diferente, contava apenas quando tinha tempo ou paciência, Molly não fazia questão. Estava acostumada ao desapego, algo que aprendera tanto com Scott quanto com a própria vida. Que tirara seus pais dela antes mesmo de ela ter consciência o bastante para se lembrar quem eram.
Já tentara sentir raiva, tristeza, qualquer coisa ao lembrar-se disso, mas não conseguia, era como se não importasse. Talvez por isso crianças sejam mais felizes, a morte não importa para elas, pelo menos por enquanto.
Sua família sempre fora Scott e sua matilha, principalmente Emily e Tyler. Emily sempre cuidara dela como se fosse sua mãe, mesmo tendo aparência o bastante para se passar por uma menor de idade, ela era uma das lobas mais velhas do bando, perdendo para os lobos a qual havia vários mais velhos.
Já Tyler era um homem de seus trinta anos, tinha cabelo dourado batendo nos ombros e sempre um truque debaixo da manga, gostava de passar o tempo ensinando à pequena como fazer objetos desaparecerem e moedas surgirem de orelhas. Ela o considerava como seu tio brincalhão, mas que também era capaz de fazer alguém evitá-lo por quem sabe o resto de sua vida se mexesse com Molly. O que rendia muitos olhares ameaçadores para ela.
Em falar em Tyler, onde ele estava? Não recebera notícias dele desde aquela manhã e ele costumava ser muito preguiçoso para ficar o dia inteiro perambulando por aí.
Estava voltando para o quarto quando avistou Marcus parado na porta.
–Bebi a água – deu um sorriso tímido indicando o cantil que levara consigo.
–Estou vendo. – ele sorriu de volta, os braços cruzados tensos.
Ela parou na ponta da escada e virou-se para os olhos castanho-claros do homem.
–Sabe onde está Tyler? Não o vi o dia inteiro.
–Deve estar dando uma volta, lobos não gostam de viverem presos e ele parece ficar muito tempo aqui dentro brincando com você. – ele passou seu peso para um dos pés e Molly sentira um leve ácido no que dissera.
–Obrigada então... Boa noite. – e subiu as escadas depressa.
Fez um barulho exagerado com os pés na madeira, indicando que estava andando e fechou a porta com força como se quisesse que todos soubessem onde estava.
Jogou-se na cama e abraçou o travesseiro com força.
“Porque estão mentindo para mim? Eu sei que sou apenas uma criança, mas eu sei encarar os fatos por mais terríveis que sejam.“ – pensou com uma profunda raiva.
Queria espernear, gritar e fazer birra como qualquer criança. Mas um doce não a ajudaria naquele momento, estavam escondendo algo dela e um doce não seria capaz de lhe revelar o que era.
Após algumas lágrimas de raiva cair de seus olhos, ela finalmente adormeceu com a visão de um par de pontos brilhantes ao longe, onde a luz da lua não conseguia alcançar.
–Isso parece angustiar-lhe – comentou o homem ainda inclinado sobre mim, arrancando-me de minhas memórias.
Balancei a cabeça.
–Não é por isso, não exatamente. – olhei para um dos braços que estavam cruzados abaixo do busto.
Nele havia um relógio que parecia ter sido brinquedo de algum gato por um bom tempo de tão arranhado que estava. Marcava quase meia-noite.
–Sou todo ouvidos. – incentivou-me a continuar.
–Bem... Acho que é agora que as coisas a ficar “interessantes”, seja lá qual for o significado que atribua a palavra.
Ele deu um sorriso levemente torto e percebi que seu significado de “interessante” realmente era diferente do próprio.
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Blood Moon - O Coiote e a Dama do deserto
RandomMolly está perdida. Há meses vagando como uma peregrina, procurando algo e nada, até ela se encontrar com um misterioso lobo, líder da cidade. Trazendo lembranças de um passado que agora lhe parecia tão distante, lembranças de coisas que ela quer m...