Um novo rumo

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Lawrence guiou a menina pelo deserto escuro de volta para a cidade e deixou-a na porta do celeiro.

– Por que me trouxe de volta? – perguntou com raiva.

– Porque esta é a sua casa? – deu de ombros.

Scott abriu a porta antes mesmo de baterem.

– O que faz aqui, forasteiro? – disse amargo.

Lawrence empurrou-a levemente em sua direção.

– Vim trazê-la de volta.

Molly retraiu-se com o olhar ríspido de Scott, ele nunca a olhara daquela forma.

– Achei que ela não fosse mais querer ficar aqui.

– E você deu-se ao trabalho de perguntar? – Molly protestou cruzando os braços.

O olhar dele suavizou ao presenciar a pirraça costumeira dela.

– Desculpe-me. – ele estendeu os braços em um convite.

Com certa hesitação ela acabou aceitando e Scott pegou-a no colo, deixando-a a vários centímetros do chão.

– Obrigado. – falou mais por obrigação do que por estar realmente agradecido.

– E cuide bem dela, na próxima pode acabar não voltando viva.

Molly o encarou enquanto a porta se fechava e tremeu com a ameaça implícita, mesmo que ela não estivesse ligada apenas a ele como ameaça. Scott apenas bufou e lançou um último olhar que dizia algo que ela não conseguiu captar antes de fechar a porta de vez na cara de Lawrence.

A menina continuou encarando a porta. Sentiu-se culpada por nem ao menos agradecer ao forasteiro por ter salvado-a, em vez disso voltou para os braços de Scott como se nada que ele houvesse feito fosse condenatório. Ela teve a sensação de estar no colo de um criminoso que não fora preso por seus atos.

– Pode me colocar no chão? Acho que já sou bem grandinha para subir sozinha. – pediu querendo livrar-se de seus braços.

Scott ficou desconfiado, mas colocou-a de volta no chão com um suspiro.

– Claro querida. – estampou um sorriso afetado. –Tenho que fazer algumas coisas antes de subir, então pode indo na frente.

Ela assentiu e foi para o quarto, evitando olhar para o lugar onde Tyler caíra e desviou-se das gotas de sangue seco que ainda estavam em frente à porta. Esticou seu braço até a maçaneta, mas sua mão logo caiu ao lado do corpo, por algum motivo não queria entrar naquele quarto de novo, muito menos continuar morando naquele celeiro. Estava cansada de mentiras e o único que contara verdades para ela até agora fora...

– Lawrence. – sussurrou e correu para o telhado logo depois.

Do lado de fora, o vento a fez lembrar de que não levara um casaco consigo novamente, mas estava muito mais concentrada em sair dali o mais rápido do que no frio que sentia.

"Tenho a sensação de que vou te perder." – as lembranças daquele fim de tarde batucaram em sua mente, fazendo-a quase se desequilibrar. E a altura não a entusiasmava a queda de lá.

Balançou a cabeça tentando se livrar da voz de Scott, ele já sabia que aquilo iria acontecer que não poderia esconder aquilo dela para sempre e talvez tivesse até mesmo calculado que ela estava ali se equilibrando no alto do telhado naquele exato momento.

Respirou fundo e esticou seus braços ao lado do corpo para tentar equilibrar-se. Olhou em volta procurando por algum sinal do par luminoso de olhos, porém encontrou apenas a escuridão da noite em que nem mesmo a lua clareava, pois se encontrava escondida atrás de espessas nuvens.

Parecia-lhe agora que estava fazendo uma tremenda burrice, como poderia estar confiando mais em um estranho do que em Scott?

"Porque ele estava mentindo sobre a morte de meus pais" – respondeu a si mesma. – "E talvez em outros tópicos também. Não consigo confiar mais nele."

Aproximou-se de uma das pontas para ter uma visão mais ampla do horizonte. Esticou o corpo um pouco além ao perceber o que parecia ser uma luz ao longe.

– Molly? – Scott pareceu na outra ponta, com a testa vincada de preocupação.

A pequena assustou-se com o repentino aparecimento e suas mãos escorregaram da beirada, fazendo-a tombar para frente, já que metade do seu corpo encontrava-se para fora dos limites do telhado. Estava tão surpresa que mal se lembrou de gritar.

Subiu-lhe um frio na barriga e seus olhos captavam apenas borrões da escura paisagem. Apagou ao ouvir o baque de seu corpo chocando-se com o que acreditava ser o chão.

Ao abrir os olhos, viu que ainda encontrava-se na pequena cidade isolada, mas a imagem tremulava nas pontas, como se os raios solares estivessem interferindo em sua visão. Escutou risadas reconfortantes as suas costas e virou-se. Uma mulher de cabelos castanhos escuros na cintura sorria para ela, seus olhos castanhos brilhavam e parecia chamá-la, ao seu lado, um homem ruivo envolvia um de seus braços nos ombros da mulher, e ele parecia falar.

"Venha querida, vamos para casa."

O convite parecia tão atrativo a ela que chegou a dar alguns passos em direção a eles. A mulher agachou-se no chão com a aproximação dela e esticou os braços, pronta para recebê-la num abraço, parecia que ia chorar a qualquer momento.

Molly estava confusa, havia ela morrido afinal? Mas algo parecia puxá-la, afastando-a do casal, puxando-a de volta para a realidade. E ela não queria ir, não agora.

"Sinto muito." – sua voz saiu arrastada como se o vento estivesse carregando-a e continuou a ecoar enquanto virava-se e corria na direção contrária ao casal.

A aqueles que um dia foram seu pais.

Abriu os olhos, agora verdadeiramente, e percebeu braços envolvendo-a, acompanhados de um par de olhos dourados que se destacava em meio à escuridão.

– Você está bem? – perguntou.

Ainda atônita pelo que acabara de acontecer ela apenas conseguiu dizer.

– Eu os vi. Vi meus pais.

– Leve-a com você – proferiu Scott quando Lawrence aproximou-se me carregando.

– Não acho que uma criança esteja segura sob minha guarda. – contestou.

Scott pegou uma sacola de couro que estava atrás do tronco a qual estava sentado e jogou-a na direção dele, que foi pega ainda no ar por uma de suas mãos.

– Mas ficará mais segura do que sob a minha.

Os olhos de Molly e Scott se encontraram, e ela viu que ele não queria que ela fosse, mas não havia mais nada que a segurasse ali e ele sabia disso. Não havia mais Emily para cuidar dela, dar-lhe banho e arrumar seu cabelo de manhã, não havia mais Tyler para entretê-la e fazer "mágicas" com suas moedas, porém ainda havia Scott, contudo não era mais o Scott que ela achava que conhecia que a havia adotado por ter perdido a família num acidente e quem ela podia sempre confiar.

Pulou do colo de Lawrence e foi abraçar Scott o mais forte que conseguiu com seu pequenino corpo enquanto ele acariciava-lhe os cachos ruivos.

– Desculpe-me. Por tudo. – e afastou-a de si.

Os dois tiveram uma última rápida troca de olhares e nada mais, nenhum choro ou drama, porém não deixaram de sentir como se um elo se rachasse em seus peitos.

Molly voltou-se para Lawrence que a esperava e pegou a sacola com uma mão e com a outra segurou a dele.

– Então vamos. – puseram-se a andar.

– Mas para onde vamos? – perguntou como sempre curiosa.

E ele apenas sorriu durante um tempo antes de responder, um hábito que sempre a deixava cada vez mais impaciente.

– Você verá.

Blood Moon - O Coiote e a Dama do desertoOnde histórias criam vida. Descubra agora