Capítulo 7 - Memórias

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  O dia logo virara uma noite estrelada e congelante. O grupo — depois de horas debatendo — chegou a conclusão que seria melhor enfrentar Rebeka no outro dia, e resolveram usar o entardecer para conhecer aquele misterioso e bonito lobisomem.
Sua timidez era evidente, mas depois de conversas e risadas descontraídas, o garoto que já aparentava ter seus dezoito anos conseguiu conquistar um pouco da confiança dos demais — depois de ter sido interrogado com várias perguntas sobre ele e sua alcateia que ja havia mencionado antes —. Quando os pontos iluminados no céu desapareceram pela manhã, um novo dia se iniciara, fazendo todos seguirem suas rotinas matinais.

—E você... conversou com ele sobre isso?— o garoto do cabelo quase liso e brilhante perguntou a Lucas que enfeitava seu rosto com um sorriso, casualmente.
—Não tive coragem.— respondeu para Jack, abaixando o tom de voz ao ver as duas garotas — suas amigas — se aproximarem. Camilly tinha o olhar inquieto a procura de uma certa pessoa de cabelos esbranquiçados e Eloise caminhava concentrada, mas com um olhar distante.
— Onde está o... Josh? — Camilly perguntou, após se cumprimentarem, dando um sorriso de canto forçado ao mirar seu olhar no de Jack, que já sorria para ela. Um sorriso encantador.
— Ele disse que seria arriscado vir, sua alcateia poderia descobrir e tal. — Lucas tinha um brilho de inverno nos olhos oceânicos, um brilho que jamais esteve ali.
— E ai, gente! Estão prontos para a batalha épica de hoje? — a mão cor de chocolate de Jackson pairou sobre os ombros de Lucas e Jack que estavam lado a lado de frente para as garotas.
— Não vai ter guerra, não hoje. — Eloise riu com escárnio, enroscando um dedo em um cacho indefinido do seu cabelo. O moreno a encarou com um sorriso malicioso, observando aquele cabelo laranja brilhante, e seus olhos verdes reluzentes aos raios do sol.
Ela é linda. Ele pensou, mas logo afastou o pensamento, como se fosse errado.
— Ah, eu descobri porque ela está aqui! Ela e aqueles vários alunos estão no projeto de adaptação à escola, se eles gostarem estudam aqui. — Lucas falou para ninguém em especial, ao ver a pergunta claramente pairando no rosto de Camilly.
— Hoje temos alguma aula juntos? — Jackson perguntou, colocando seu peso sobre o ombro de Jack. Camilly no mesmo segundo respondeu:
— Eu e o Jack — apontou para ele, dando um sorriso escondido ao ver os olhos meia-noite do garçom ficarem brilhantes. Ele tinha os olhos um pouco mais claros que o dela —, aula de biologia... Eloise? — a garota levou um choque contra o corpo de Eloise que deslizava suavemente pelos seus braços. Como se estivesse desmaiando. Jackson deu um passo rápido até as duas e a ajudou a segura-la.
— Eloise? — perguntou, quase gritando. As pupilas de Eloise estavam quase 100% dilatadas e sua pele parda ficou pálida. Seus olhos estavam esbugalhados e não piscavam, até que depois de longos segundos caída entre os braços — pouco musculosos — de Jackson e de Camilly, sussurou:
— Fogo! — assim que conseguiu se levantar, ainda cambaleando.
Todos a olhavam assustados, principalmente Jackson, que segurava seus braços na tentativa de mantê-la em pé.
— O que aconteceu? — Lucas indagou, com as mãos no peito.
Eloise ofegava, inquieta. Procurando alguma palavra que chegasse perto da explicação do que vira. Algo, surreal. Macabro. Mas por fim, conseguiu dizer, sussurrando, o mais baixo possível:
— Eu vi... Flashs. Algo do passado misturado com algo do futuro. — sua respiração oscilava e sua testa brilhava.
— Que tipo de imagem você viu? — Jack perguntou, com o sangue de suas veias congelados.
Será que o que ela vira, é o mesmo que eu vejo? Perguntou ele a si mesmo.
— Eu vi fogo, e... memórias dentro desse fogo. O passado, algo que eu não vi mas, senti. Um vazio, completo e incompleto. E fogo... — seus olhos lacrimejavam, relembrando aqueles segundo que pareceram uma eternidade. — Tinha também, uma pessoa. E...uma sala. A sala de... a sala de química! — finalizou deixando escapar uma lágrima solitária.

Jack estava imóvel, seu corpo estremeceu, e uma lembrança, que sempre aparece em seus aniversários, veio a sua mente: Um buraco. Cheio e vazio. Enorme e pequeno. Passado e presente.
Porque uma lembrança já esquecida, mas que nunca desapareceu, voltou a tona? Porque um passado que nunca existiu faz perguntas de um futuro incompleto?
— Jack! — Camilly sacudiu seu braço direito, o que fez seu eu sair de dentro da própria mente.
— O sinal já tocou! Assim que acabar a aula vamos para o laboratório, sala de química. — Cami falava enquanto os outros já seguiam para suas salas. Jack assentiu, mas ainda com um pensamento: Por quê?
  Ao chegarem na sala, sentaram em suas respectivas carteiras. Lado a lado. Camilly o olhou desconfiada a aula inteira, mas contava os minutos para que a aula acabasse. Até que sua ansiedade foi interrompida por Jack, que depois de 45 minutos encarando o caderno, perguntou para a professora:
— É possível ter uma lembrança de algo que nunca aconteceu? — sua voz ecoou pelo lugar, todos o encararam, e a professora franziu a testa. Camilly por outro lado, associou aquela pergunta a tantas outras que fizera pra si mesmo quando Eloise disse o que viu.
— Bom, Jack. É possível que seu cérebro associe, por exemplo, um sonho a uma realidade inexistente. Da mesma maneira que é possível que você tenha imaginado tanto alguma ideia que ela pode aparentar ser real, mas na verdade é somente fruto da sua imaginação. — os olhos semicerrados da professora ficaram indecifráveis.
Camilly quase não respirava tentando juntar quaisquer que fossem as pistas e teorias possíveis para entender o ocorrido mais cedo.
— Mas e se tiver certeza de que aconteceu? — novamente, sua voz era grave. Um canto de um pássaro em meio a uma tempestade. Camilly pensou sobre.
— Não é possível ter certeza de uma coisa incerta. — A professora, que devia ter seus 35 anos, mostrava sua impaciência com os questionamentos.
— Mas eu tenho. — sussurrou ele, com as sobrancelhas erguidas, para que ninguém o ouvisse. Mas Camilly o ouviu, perfeitamente.
Por que ele fez aquelas perguntas? Por que usou o "eu"? Será que, ele... Por que ele não contou?
O sinal gritou. Fim de aula. Todos os alunos saiam apressados. Mas os dois ficaram imóveis nos seus lugares. Ela o encarava, abrindo e fechando a boca, e ele encarava o lápis desapontado sobre a mesa, com uma feição indecifrável, talvez, pensativa.
Quando sobrou somente eles na sala, ela conseguiu perguntar:
— Porque fez essas perguntas?
Ele finalmente olhou em seus olhos, um castanho quase claro, mas que era escuro. E é assim que as coisas funcionam. Elas aparentam ser o que não são. E na maioria das vezes, somos tolos o suficiente e caímos nessa miragem. Ele pensou.
— Só queria entender se o que a Eloise viu fazia sentido... — suas palavras eram ralas. Mentirosas.
— Então porque usou "eu"? Do que você tem certeza? — Camilly falava baixinho, com paciência em esperar uma resposta. Uma faísca de magia fervilhou no seu interior.
Ele continuou fixando seu olhar no dela, profundamente. E era possível notar, quase imperceptível, a pupila de ambos dilatar.
— Não podemos perder tempo! O Jackson, Eloise e o Lucas já devem estar nos esperando. — o garçom recuou do alcance de Cami, saindo rapidamente da sala. Ela o seguiu, ainda intrigada.

Os Cinco Sobrenaturais (Reescrita)Onde histórias criam vida. Descubra agora