Capítulo 9

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Atravessámos até à nossa casa em Illyria. Rhys ficou a tratar de uns papéis enquanto eu me dirigia para o campo de treino sozinha. Caminhei por estas ruas milhões de vezes mas esta parece a primeira. Não sou a mesma rapariga que caminhou anteriormente de braço dado com a mãe. Agora estou sozinha, a tentar chegar a algo mais do que solidão.

Illyria sempre me atraiu pela simplicidade na sua beleza e embora tenha sido um povo problemático em tempos, o meu irmão tinha-me dito que as coisas se tinham composto para melhor, sobretudo com a abolição do corte das asas e com as raparigas que agora podem treinar. Antes de chegar ao campo de treinos, vi várias crianças a brincar com uma bola feita de trapos contra os pés umas das outras enquanto usavam as asas para se defenderem umas das outras, era adorável, mas perigoso. Deixavam as asas arrastar no chão e algumas tinham pedras minúsculas presas nelas. Uma das crianças, um menino com pouco mais de um metro atirou a bola em direção aos outros fazendo uma menina um pouco mais pequena que ele cambalear até um monte de lenha recentemente cortada, caiu e ao cair espetou várias farpas na asa direita. Ela uivava de dor e corri na direção dela para a ajudar.

- Foi sem querer, não queria magoar-te Sya – Dizia a criança que lhe acertou com a bola enquanto a levantava.

A asa não estava com péssimo aspeto, mas o susto causou mais pânico à situação.

- Anda, senta-te aqui. – Sentei-me em cima de uns troncos de lenha rachada e puxei-a para o meu colo. - Chamaste-a Sya, não é? – Ela assentiu enquanto eu lhe limpava as lágrimas que lhe escorriam pelo rosto. Com a minha mão livre comecei a sacudir a poeria que ela tinha nas asas.

As outras crianças observavam com preocupação e os mais velhos com desconfiança por não me conhecerem. Sorri para todos.

- Está tudo bem. – Disse eu para todos em geral. – Agora vai doer um bocadinho, mas nada que uma menina guerreira não aguente, certo? – Ela apenas voltou a acenar com a cabeça enquanto eu tirava as farpas uma a uma e as lágrimas escorriam pela sua cara. Sacudi a sua asa para retirar o resto da poeira e um alívio atingiu o seu olhar.

Sya levantou-se do meu colo para me observar melhor ainda com os olhos inchados de chorar e perguntou com um tom de curiosidade:

- Quem é a senhora?

- Sou a Katherine mas podes-me chamar Kate. – Esforcei o meu melhor sorriso.

- Kate, é curandeira?

Uma gargalhada atravessou-me. – Não querida, mas quando era pequenina, brincava com o meu irmão e os amigos mais velhos e caía, caí imenso e às vezes deixava as asas cheias de farpas como as tuas estavam, outras vezes ficavam presas em ramos de árvores, acumulavam poeira que quando voava me cegava os olhos e por aí vai... O truque é fazeres assim. – Levantei-me e mostrei-lhe o tamanho certo para elevar as asas. – Vês, se as deixares sempre assim não ficam presas em lado nenhum e quando tiveres a cair podes usá-las para te equilibrares mais facilmente. – Exemplifiquei.

Sya olhava para mim enquanto imitava o posicionamento das asas e mudava conforme as minhas indicações. Uma a uma, as crianças começaram a aproximar-se para experimentarem as dicas que eu lhes dizia.

- Os adultos usam as asas como escudo às vezes – Uma criança mais velha disse.

- Sim vocês também podem usar, se as unirem neste ângulo. – Mostrei as minhas asas a fecharem-se ao meu redor. – Se as unirem com demasiada força e as juntarem uma por cima da outra irá dificultar-vos o movimento quando as voltarem a abrir e podem vergar a ponta das duas asas, o ideal é as asas tocarem-se mas não se cruzarem.

Corte de Poeira e SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora