Prólogo

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Tamlin mentiu. Uma e outra vez. Mentiu a Feyre quando ela o questionou e mentiu a si mesmo durante todos os séculos seguintes ao massacre. Era odioso o prazer que teve em ver aqueles dois pares de asas expostos como troféus e mais odioso ainda necessitar do lembrete do que essa atitude custou a sua família. Tamlin quis queimar as asas várias vezes, mas foram ainda mais as vezes em que as quis guardar como prova do monstro que habitava em si. O monstro que decidiu que para ter Feyre de volta, tudo era possível. Deu as suas irmãs ao rei Hybern mas isto não o saciou. O Rei queria destruir Rhysand. E Tamlin, no fundo, ambicionava o mesmo. Destruir quem contribuiu para o massacre dos seus irmãos e mãe. Quem lhe tirou Feyre. Quem criou o monstro dentro de si. Quando Hybern lhe pediu as asas de Katherine ele não questionou. A irmã seria a arma mais letal contra Rhysand e as irmãs de Feyre seriam um teste. Não só para as rainhas humanas, mas para testar a capacidade do caldeirão de trazer Katherine de volta.

Quando Tamlin voltou à Corte Primaveril não quis saber o sucesso de Hybern. Tamlin tinha Feyre e não queria nem uma percentagem por mais pequena de informação sobre a Corte Noturna e a sua herdeira.


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Quando a guerra terminou e o Rei estava morto, Tamlin vagueava pelos montes de corpos revestidos em sangue e empilhados em diversos montes pelos acampamentos de guerreiros. Ele duvidava que montes tão grandes de guerreiros mortos de todas as cortes fosse considerado uma vitória para alguém. Ele não conseguia parar de ver a imagem repetidas vezes: Feyre desesperada a segurar a cabeça de Rhysand. Feyre que o tinha traído. Enganado. Que não o amava e que, provavelmente, nunca o amou. Como podia ele ter-se considerado digno dela? Mas ele a amava. Demasiado. Amava-a a ponto de a ajudar a ficar com ele independentemente do que isso significaria para o futuro da própria Corte. Feyre tinha virado toda a sua Corte contra ele, mostrado a todos o monstro que habitava nele e todos tinham partido. Até Lucien – o seu melhor e único amigo - tinha encontrado a felicidade na Corte Noturna.

O acampamento do exército de Hybern era o pior. Tendas em chamas, o cheiro a sangue espalhado por todos os cantos; as mortes eram mais violentas: membros separados dos corpos, cabeças espetadas por todos os lados e montes, dezenas de montes de corpos. O exército tinha sido massacrado mesmo no fim da declarada vitória que resultou da morte do Rei.

Entrou numa das maiores tendas brancas que estava manchada de cinza e sangue por fora com rasgos de garras de todos os tipos. Tamlin entrou e viu-a.

Katherine estava deitada a sangrar por um corte profundo na perna esquerda que a impedia de se meter em pé. Ofegante de olhos fechados com uma túnica violeta que representava a cor dos seus olhos. Ele suprimiu o monstro dentro de si que lhe sussurrava uma e outra vez em como seria prazeroso matar a irmã daquele que lhe tinha tirado tudo, que tinha feito da única pessoa que Tamlin havia amado, sua parceira. Mas Rhysand nem sabia que a sua irmã estava viva e matá-la seria apenas tornar-se no que evitava assumir que era: uma besta.

Ele virou as costas. Não a matou, mas tão pouco a ajudou. Deixou-a à sorte. Uma morte lenta e dolorosa ou uma segunda oportunidade para alguém, provavelmente alguém digno, a salvasse.

Afastou-se e quando já estava suficientemente convicto do que estava a fazer, olhou para trás por cima do ombro, Katherine tinha os olhos fixos nele com um sorriso suave no rosto como se tivesse visto a guerra que ele travava consigo mesmo. Como se fosse Rhysand a troçar dele. A raiva inundou-o e a vingança sussurrava-lhe ao ouvido uma centena de ideias diferentes. Ele tinha a irmã de Rhysand. A sua melhor amiga. A sua igual.

Ele virou-se ficando de frente para ela e o sorriso afroxou.

Tamlin cerrou os olhos como se pudesse parar o tempo e decidir quem queria ser. Uma voz rouca e quase um sussurro puxou-o do limbo que a sua mente se encontrava.

- Mata-me, Tamlin.

Ele abriu os olhos enquanto Katherine tomava mais um suspiro expondo a dificuldade que era, para ela, falar.

- Por favor. – A dor na voz mostrou a profundidade sincera do pedido.

A túnica verde foi arrancada do seu corpo e ele enrolou-a em volta da perna ferida para estancar o sangue da melhor maneira possível. Um nó firme e apertado. Ela tinha morrido uma vez por causa dele, pela sede de sangue do seu pai. Ele não ia deixar a culpa parti-lo uma segunda vez.

Ela tinha perdido os sentidos e os olhos violeta estavam agora longe da sua vista. Ele inspirou e usou a pouca magia que lhe restava para a curar. Os ferimentos eram demasiado profundos e nem ele ou alguém conseguiria curá-la totalmente. O sangue que escorria da perna parou e os arranhões profundos da cara começaram a sarar. Ela continua inconsciente.

Ele salvou-a no fim de condená-la. O que ela faria com a segunda oportunidade, ele não sabia.

Tamlin caminhou para asaída da tenda e, desta vez, não olhou para trás. Ele tinha-a salvo. A besta,hoje, foi a única que perdeu. 

Corte de Poeira e SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora