003 - Primeiro dia Part. II

63 9 1
                                    

Não existe tortura pior do que as duas horas seguintes. Em apenas duas aulas pude concluir que a srta. Adelaide nasceu para ser qualquer coisa, menos  professora de matemática.

Quando o sinal finalmente toca, Fercho está num sono tão profundo que dá um pulo da cadeira no susto. Ucker levanta a cabeça de supetão, e usa as costas da mão para limpar um pouquinho da baba que escorria pelo seu queixo; de tão branco, a testa ficou avermelhada por estar muito tempo pressionada contra seu antebraço.

— Até amanhã, meninos.

A professora guarda seus pertences numa maleta cor de rosa e parte, levando-a bem rente ao seu corpo, como se estivesse com medo de que alguém a furtasse.

Imediatamente todos os alunos se dispersam em grupinhos e um burburinho se instala no ambiente, antes calmo e silencioso, excerto pela voz grave da srta. Adelaide.

Ucker coloca uma cadeira ao lado de onde o tal Herrera está sentado e indica para que eu me sente. Ele se acomoda na mesinha deste e Fercho se mantém de pé, com as mãos apoiadas no encosto da cadeira que Ucker reservou para mim.

Me junto a eles, que começam a conversar sobre o time de futebol americano. Pelo o que eu entendi, Herrera, ou melhor, Alfonso é quarterback do time e também o capitão, tendo Ucker como seu vice; os dois estão preocupados com o recrutamento de hoje, pois Derrick, um dos melhores do time na opinião dos meninos, foi afastado da equipe pelo treinador por causa do seu baixo desempenho em química, então a única esperança que eles têm em ganhar a temporada é que algum novato tenha pelo menos um terço do talento de Derrick.

Fico tão entretida vendo eles falarem que nem me dou conta quando duas meninas aparecem e se juntam ao nosso grupo, uma de cabelo preto meio azulado e outra de cabelo num tom de vermelho.

— Oi, irmãozinho... — a morena se aproxima de Alfonso com uma expressão marota.

— Meu mel! — dispara Fercho. — Já disse o quanto está bonita hoje, Tita?

— Iiih, o que você quer, Fercho? — indaga a ruiva, em tom de brincadeira, fazendo a outra rir. Fercho dá de ombros, rindo também.

— E quem é você? — Pergunta a tal Tita, olhando diretamente para mim.

— Também estou curioso quanto a isso... — revela Alfonso, arqueando a sobrancelha ao falar, de modo que o deixa com um ar um pouco mais casual.

— Anahí, prazer.

Ela me olha dos pés a cabeça e me analisa por alguns segundos antes de vir me abraçar como se fôssemos velhas amigas.

— A Anahí do Ucker? — ela olha de mim para o amigo, que agora parece procurar algum lugar para se esconder, depois volta a falar. — Poxa, Anny... posso te chamar de Anny, né? Enfim, o Ucker te chama assim e ele não fala de outra coisa há dias, pelo menos comigo.

— Qual é, Maite! — Ucker a fita de cara feia mas ela parece não se importar, muito pelo contrário.

May me empurra para mais junto de Alfonso e senta ao meu lado. Não sei o que pensar a respeito do que ela disse, mas também não me dá muito tempo e logo volta a falar.

— Já ouvi tanto sobre você que me sinto sua amiga. E aí, o que está achando do Elite?

— Por enquanto, um tédio.

— Fica pior.

A garota ruiva faz um barulho semelhante a um grunhido, chamando a atenção de Maite para si.

— May, eu acho que já está na hora de irmos. É aula do professor Ricardo e você sabe o quanto ele é rigoroso com esse lance de horários.

— Calma, Dulce, vamos em um minuto. Não seja mal educada, você nem falou com a Anny.

Ela me olha meio de lado e acena com a cabeça, retribuo o gesto e ela simplesmente age com indiferença.

— May, não quero levar uma advertência.

— Desde quando você liga para isso, Dulcita? — Questiona Fercho.

— Não enche, Christian.

Derrotada, May levanta, da um beijinho no rosto de cada um dos meninos e se retira com Dulce, que nem sequer se despede.

— Eu disse que essa história de ficar com amigas não vai para frente. — Alfonso diz para Fercho quando as meninas saem da sala, claramente alfinetando Ucker, que fez de tudo para não encarar Dulce por mais de três segundos enquanto a mesma estava aqui.

— Nem vem com isso, Poncho. — Ucker revira os olhos, entediado. — Dulce sempre fez questão de exibir para todos o quanto ela era desapegada, que não queria nada sério com ninguém e não sei o quê, até então tudo perfeito, mas daí ficamos umas duas ou três vezes e ela já queria desfilar de mãos dadas pelos corredores do colégio.

— E aí para melhorar tudo você resolveu ficar com a Nathalia sem falar com ela antes. — Fercho completa.

— Ele ainda fez pior — Poncho balança a cabeça, divertindo-se. — Fez com a Nathalia o que a Dulce queria que ele fizesse com ela, que era justamente isso, desfilar pela escola como um casal. É cada invenção, viu.

— Espera aí — me dirijo a Ucker, que está calado. — Não me diga que a Nathalia que eles estão se referindo é a mesma Nathalia da praia.

— A própria — confirma Fercho antes que Ucker tenha a chance.

— Agora eu entendi porque ela me odeia.

— A Nathalia odeia qualquer garota que se aproxime do Ucker. Acredita que ela teve a coragem de ir bater boca com a Dulce por causa do meu rei?

— Christopher Uckermann, o arrasador de corações! — brinco e ele me devolve com um peteleco de leve bem na testa.

Sinto o olhar de Alfonso sobre mim nesse momento. É engraçado ele não me deixar um pouco tensa, afinal é um dos caras mais gatos que já vi, contudo, poderia fita-lo de volta o resto do dia inteiro, que não iria me abalar. Acho que finalmente cheguei num nível de autoconfiança que nunca pensei de ter.

Estou prestes a questiona-lo sobre isso, o fato de me olhar como se tentasse desvendar um grande enigma, quando a sala se silencia novamente. Um homem alto de cabelo castanho claro e pele bronzeada adentra a sala de aula vestindo uma calça de alfaiataria e uma blusa social branca, parecida com a dos meninos.

— Bom dia, classe! — deseja o professor, caminhando em direção ao birô. — Quem não é da minha turma por favor se retire. Vim um pouco mais cedo para avisar que hoje vamos ficar aqui pois a minha sala está em reforma.

Alguns alunos retribuem o cumprimento enquanto outros se retiram, ao passo que ele acomoda seus pertences sobre a mesa.

— Espero que tenham tido um bom descanso durante as férias. — Prossegue ele, pegando um piloto do bolso de sua calça. — Ah, para os novatos, me chamo William Levy e sou professor de inglês e literatura.

***

Depois do almoço tive mais três aulas, duas de biologia e uma de história. Quase perdi a última porque fica num bloco do outro lado da escola, mas no fim deu tudo certo. Fiquei meio deslocada, já que não tive a companhia dos meninos nessas últimas três. Fercho teve aula de geografia e filosofia enquanto Poncho e Ucker foram para o laboratório de química, o que só fez tudo ficar ainda mais tedioso.

Agora, no fim do dia, estou me sentindo um caco. Me direciono até o dormitório feminino pensando em como devem ser as meninas que compartilharão o quarto comigo. Me pego pedindo aos céus que May esteja presente, porque ela foi a única garota que não me olhou com desdém desde que eu cheguei aqui.

Para minha infelicidade não há nenhum vestígio dela quando eu passo pela porta do meu quarto, mas há um rosto conhecido na cama ao lado da estante preenchida de livros.

Nathalia está pintando as unhas dos pés de vermelho e cantando a música mais recente de Lady Gaga quando me vê atravessar o cômodo em direção a cama do meio.

— Anahí? — indaga ela, meio assustada.

Depois do amorOnde histórias criam vida. Descubra agora