VII

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Scarlett on

Grande idiota

Grande idiota de olhos azuis gelo, cabelos brilhantes e maxilar definido. Aqueles cabelos cortados rebeldes e a barba mal aparada davam uma visão perigosa de seu rosto. Muito perigosa

Já fazia uma hora desde que caminhávamos pela aquela floresta densa e interminável em pleno silêncio.

Ele não ousara dizer uma palavra e eu tinha vontade de estrangulá-lo. Me subestimar era burrice, mas ele que arque com as consequências de sua imbecilidade depois

Eu sabia. Eu sabia que minha loba era pequena

E só eu sei o que tive que fazer para chegar onde cheguei. Para assumir meu lugar como líder de uma rebelião que eu sequer havia começado, para proteger um povo que um dia chamei de família

Eu nasci no Sul e meu coração pertencia a ele, independente de quanto tempo fiquei fora ou de quando me isolei do mundo com a morte de meus pais

Eu sofri e o fiz sozinha. Mas todos os dias eu tinha que provar minha força, tinha que provar quem eu era. Tinha que ser criativa sobre como derrotar homens e lobos com o dobro de meu tamanho

E eu descobri

E eu derrotei

Um por um eles caíram aos meus pés conforme minha vontade, e depois que tive o vislumbre do que eu poderia ser, nunca mais parei de treinar

E se um cara que eu sequer conheço fosse me subestimar, o problema era, literalmente, todo dele. Não ouviria conselhos de um homem que passou anos em uma cela de maneira submissa

Mas, subitamente, sinto uma mão em meu cotovelo me impedindo de caminhar. Olho para trás notando o homem com as sobrancelhas erguidas e um sorriso de convencimento no rosto.

Só quando ele encara o enorme buraco em que eu estava prestes a cair que recuo da beirada, bufando.

Ele tinha me salvado. De novo.

Eu odeio isso

Tinha vontade de me jogar no buraco propositalmente e dizer: "era meu plano desde o início cair aqui, então você não me ajudou em nada". E eu juro que o faria se não tivesse tão desesperada para me localizar e definir um caminho certeiro até minha alcateia.

Me agacho no chão analisando a profundidade e percebendo que era uma armadilha não só para animais, mas para pessoas distraídas

Pessoas como eu

As folhas secas não já cobriam a armadilha mais, revelando que alguém mexera na mesma há pouco tempo

Encaro algumas pegadas do lado direito e analiso as marcas no fundo do buraco

-Estamos à Noroeste da Alcateia Central-constato me levantando e vejo que o olhar convencido dele de quem "acabou de salvar minha vida" agora era substituído por um surpreso

-Tem certeza?

-Armadilhas assim são colocadas por povos que caçam sem muito esforço-constato- e as pegadas indicam que as pessoas estão a Leste daqui. Quando cacei também notei o grupo de cervos, eles vem para cá nessa época do ano pelo estado das plantações dessa região

Eu conhecia bem as regiões porque precisava saber quais alcateias possuíam rebeldes e pessoas dispostas a lutar contra o supremo. Eu viaja à noite por terras como essas e se conseguia me localizar com apenas a luz da lua, eu definitivamente conseguia me localizar agora.

Cristopher já voltara com aquela inexpressividade maldita como se eu não tivesse sido a salvadora que fui ao nos colocarmos na região certa

-Vamos para o Sul-diz caminhando na direção do ponto cardeal

-Vamos? -indago- eu não faço ideia de quem você é, não vou deixar um estranho entrar em meu território

Agora ele parecia surpreso e me encarava de baixo a cima

-Não parece a mulher que me deitou no colo há algumas horas-joga na minha cara e eu sinto as bochechas vermelhas de raiva enquanto caminhava em passos duros até ele

-Olha aqui seu imbecil-começo apontando o indicador em sua cara e ele não recua nem um passo- você derrubou os três homens que tentaram me capturar, abriu 18 portas de aço e derrubou 18 soldados naquela prisão. Você, sozinho, lutou contra um exercício e voltou para floresta. Salvou a merda da minha vida mesmo eu não tendo pedido por isso. Eu não sou ingrata, mas não sou estupida! Uma coisa é me ajudar naquela cela, quando você poderia vir a precisar de mim para algo e a outra é aqui fora, onde eu não conheço suas habilidades. Pode ter sido tudo por interesse, pode ter sido porque você é um homem puro, bondoso e um grande cavalheiro, mas eu não vou pagar para ver

E mais uma vez ele me encarava. Olhos analíticos, irritantemente pacientes como se me torturassem aos poucos com aquela expressão de quem sabia de tudo

Ah, eu o odiava por isso. Pela Lua, eu queria matá-lo

-Eu vou para o Sul-pontua com uma calma assustadora- se eu não for bem-vindo, vá em frente e me prenda. Seu povo não é fraco Scarlett, eles saberão se defender de uma possível ameaça. Com ou sem você

E sem esperar por qualquer reação minha, ele apenas caminha. Ombros largos, costas musculosas e uma tranquilidade irritante

Cadê o homem assustado de poucas palavras?

A plantinha saiu do vaso e resolveu virar gente? Que merda está acontecendo?

Conseguia ver o lugar em que seus cabelos foram cortados de modo que agora alguns fios se rebelassem e fossem mais curtos que os outros

Mas isso era o que menos me incomodava. O andar do homem quase não deixava pegadas no chão. Ele não fazia nem um ruído ao caminhar e sua postura... pela Lua, parecia que ele era a pessoa mais importante do mundo com aquele andar confiante

Se ele andasse atrás de mim, muito dificilmente teria sua presença notada e isso me assustava mais do que gostava de admitir

Ele parecia treinado para matar ou fazer o que bem entendesse e isso me irritava. Pessoas que tendem a conseguir o que querem, não são só poderosas, como absurdamente convencidas.

Não sei se posso confiar nele, sendo meu companheiro ou não

Sigo caminhando notando que ele havia escolhido a melhor rota para nosso destino e acabo me impressionado por como ele não parecia alheio àquela terra ou à floresta. Ele parecia parte dela na verdade

Mas enquanto caminhava, tudo que conseguia pensar era no Sul. Quando voltei para eles há 5 anos, poucos se lembravam de mim e eu não me importei. Mais uma vez precisei provar meu valor. Entretanto, depois que dei minha vida por eles, sendo capturada pelo supremo e deixando-os a salvo... depois disso, eu ganhei a confiança de cada um deles

Não só do Sul, mas de todos que se opunham ao supremo

Dois anos presa. Dois anos

Marcas que nunca seriam apagadas da minha alma, da minha pele

Cicatrizes profundas demais para serem comentadas, mas elas já faziam parte de mim. E quando eu retornei para casa, mesmo depois de dois anos, fui recebida como nunca ninguém fora

Eles me saudaram, cuidaram de mim e ninguém ousou desobedecer minhas ordens

Então, há mais de uma semana, um deles me dedurou, um rato imundo que me condenou aos terrores da prisão do supremo. Mas acontece que por algum motivo, meu companheiro estava lá e ele havia me ajudado a sair

E agora eu estava livre e não sabia exatamente o que fazer com isso

A loba da revolução Onde histórias criam vida. Descubra agora