༄
— Eu vou matá-lo com minhas próprias mãos, Melo. Eu juro que-
Melo a segurou. Eda estava observando pelo vidro de sua vitrine aquele ser arrogante e impertinente rondando sua loja. Ela disse que ele não poderia colocar os pés lá até a decisão, mas aparentemente isso não o abalou, visto que resolveu dar as caras em sua vizinhança por pura birra. Ele não estava exatamente na frente de sua loja, nem vigiando ela. Na verdade ele estava com um outro homem, que aparentava ter sua idade e intimidade suficiente com o ser desagradável, e ambos estavam analizando os terrenos vizinhos enquanto o homem desconhecido anotava algo em uma planilha. Eda odiava ter resquícios de egocentrismo em seu ser, mas era difícil acreditar que essa visita ao quarteirão UM DIA DEPOIS do fiasco da audiência fosse meramente coincidência ou algo planejado. Não, não foi. Ela mal conhecia o cara mas o conhecia o suficiente para saber que ele seria cretino á esse ponto. Ele saberia que ela não mandava na rua e não poderia expulsá-lo da vizinhança, portanto resolveu vir com um pretexto de começar seus trabalhos apenas para irritá-la. Melo a chama de volta pra Terra e Eda percebe que havia um cliente na loja. Com relutância, ela sai da vitrine e recolhe toda sua ira e curiosidade para ser a profissional de sempre.— Claro que não é de propósito, Engin. Allah Allah – O agudo na voz de Serkan entregava tudo o que Engin queria saber. Ele era um péssimo mentiroso.
— Abi, você não tem jeito...
— Tá, Engin. Você vai ou não?
— Vou, me espera aí que eu fico livre em alguns minutos.
Engin rola os olhos e sai da sala de seu parceiro. Serkan veio com essa ideia de que, apesar do processo de adquirição do terreno daquela mulher irritável, eles precisam imediatamente agilizar outras partes do projeto com os outros terrenos já em sua posse e, por isso, queria ir observar o local. Serkan se convenceu de que não tinha nada a ver com o fato de que tinha odiado a audaciosa mulher dizer que ele não pisaria mais em sua loja até a decisão, era apenas ele indo fazer o seu trabalho. Não estava ligando para aquela mulher petulante e nem sua loja. Logo ele conseguiria o terreno e tudo isso ficaria para trás. Por enquanto, infelizmente o que ele podia fazer era trabalhar com o que já tinha já que o juíz resolveu não ser favorável á sua excelente argumentação sobre o porquê ele teria que possuir essas terras o mais breve possível e como havia maneiras legais para tal.
— Vamos – Engin apareceu no vão da porta alguns minutos depois e Serkan alcançou suas chaves e óculos de sol antes de seguir o amigo para fora da empresa.Já passava das 3 da tarde e Serkan ainda estava por aí na vizinhança, não que Eda estivesse observando. O toque do telefone da floricultura ecoa no espaço e ela logo atende para anotar a encomenda. Assim que desliga, Eda liga para Fifi avisando do trabalho, mas sua amiga teve um imprevisto e não poderá fazer a entrega.
— Melooooo – Eda grita para sua amiga, que se encontra na varanda de trás da loja.
— Efendim, Dada? – sua cabeça aparece no vão da porta de correr de vidro e ela percebe uma Eda afobada saindo de seu balcão e quase derrubando um vaso de enfeite no caminho.
Eda corre até a copa, onde tem um pequeno armário com enfeites e papéis de arranjo extras, pega um pouco deles e volta para o balcão.
— Melo, terei que sair pra entregar esse buquê e Fifi teve imprevisto. Pode ficar na loja pra mim?
— Claro, pode deixar! Vai ser moleza, relaxa. Eu sempre vejo você trabalhando aqui.
— Só cuida da loja mesmo, caso chegue algum cliente que queira um arranjo feito á mão avise para voltar depois – Eda diz enquanto enrola algumas flores em um papel marrom.
Melo adorava ver Eda trabalhando com as flores, era como se suas mãos tivessem vida própria, e ela sempre ficava tão leve. As flores para Eda eram terapêuticas, desde cedo aprendeu a conviver, cuidar e apreciá-las e fazia isso com todo o carinho do mundo. Claro que não era o sonho de sua vida ser florista, era mais como um hobby e uma maneira de honrar a memória de seus pais, mas infelizmente as circustância da vida a levaram para esse rumo. Era sua única profissão no momento. Eda havia trancado sua faculdade por não conseguir pagar a mensalidade, ela estava em seu último ano. Poderia estar formada em arquitetura neste momento e trabalhando em alguma empresa grande que lhe rendesse um bom salário, mas não tinha como continuar a faculdade e nem pedir á sua tia, que estava em apuros financeiros, para ajudá-la a pagar. Há uns tempos atrás os negócios decaíram, uma verdadeira crise abateu a floricultura, e se você se perguntava: floriculturas enfrentam crises? Agora sabe, enfrentam. E é uma via sem volta. Quase que as Yildiz tiveram que fechar as portas, mas felizmente Deus e seus pais estavam olhando por elas e elas deram a volta por cima. Houve consequências? Sim, a faculdade da Eda. Mas o sustento dela e de sua tia permaneceram intactos, e ela só soube agradecer. Um dia ela terminaria sua faculdade.
— Wallah, seus arranjos são uma beleza, Dada! Saúde para suas mãos!
— Obrigada, Melo. São mesmo, né? – ela olha com orgulho pro arranjo em suas mãos e sorri. Ela poderia fazer isso o dia inteiro. Logo ela se torna a mover, pegando a chave de sua caminhonete vermelha e se dirigindo á porta.
— Qualquer coisa liga pra minha tia, tamam?
Melo apenas assente e Eda sai, indo em direção ao seu carro. Não viu mais Serkan desde a ligação da encomenda, e nem estava interessada. Tomara que tenha ido embora de vez. Ao sentar em seu carro, decide afastar todos os pensamentos relacionados áquele homem para não estragar seu humor.Serkan havia terminado sua penúltima inspeção, contente com os resultados. A maioria dos imóveis já haviam sido desocupados, significando que ele poderia começar a segunda parte do processo que era a demolição. Faltava apenas um imóvel, que era o que se localizava ao lado da loja de flores. O imóvel divide uma parede com o terreno tão almejado por Serkan, portanto mesmo se estivesse vazio ele não poderia ser demolido por enquanto. Ao chegar perto, seu pescoço involuntariamente se esticou para olhar dentro da pequena loja rosa, procurando a silhueta de uma pessoa que ele não queria admitir que estava procurando. Ela não estava. Pelo menos, não na parte da frente. Apenas aquela moça adorável que gentilmente o pediu para "dar uma volta no parque" se encontrava na frente do estabelecimento. Ele percebe que ela o vê e acena, sorrindo. Ele sorri de volta e acena, achando estranho a gentileza da moça sendo amiga de quem é. Pensava que a dona da língua afiada tinha feito a cabeça de todos da vizinhança contra ele. Logo ele entra no último local pronto para inspeção e se distrai com os afazeres.
Eda estava estacionando seu carro quando, infelizmente, seu olhar cruzou com o de Serkan Bolat. Merda, esse desgramado ainda estava por aqui. Ela não estava com nenhuma vontade de ter que dirigir uma palavra sequer á ele, muito menos vê-lo em seu campo de visão. Com um suspiro derrotado, ela retira a chave do contato e abre a porta para sair de seu carro no exato momento que Serkan está saindo do estabelecimento ao lado de sua loja. Eda planejou passar despercebida e como um furacão pra dentro, sem dar chance de trocar palavras ou olhares com o ser desagradável á poucos metros de distância. Mas não tem como se fazer passar despercebida querendo entrar em sua loja como um furacão.
— Fugindo de mim, senhorita Eda?
— Em seus sonhos, Serkan bey – responde com um sorriso forçado enquanto tira uma mecha de seu rosto.
Por um momento, Serkan se distrai com o singelo movimento, e o sol da tarde batendo em seu perfil o deixa sem palavras.
— Eeer.. – ele gagueja e limpa a garganta, tentando se lembrar do que ia dizer em seguida.
Eda apenas o olha com uma cara de interrogação, esperando que ele diga o que quer que iria dizer para ela se ver livre de sua presença logo. Quando se lembrou o que iria falar, Serkan é interrompido por uma Melo desesperada.
— Dada! Dada! – a moça corre pra fora da loja correndo e gritando.
— Calma Melo, o que foi? – Eda a segura pelos braços e a pede pra respirar.
— Ayfer abla... ela... tá no hospital, Dada!
O coração de Eda parece ter congelado em seu peito. Sua tia estava no hospital? O quê?
— O que disse, Melo? Como assim? O que aconteceu? Melo, onde ela tá? Melo-
Ela sente uma onda de pânico se instalar em seu interior, e o medo invadir todos os seus pensamentos. Ela não poderia pensar no pior, mas de alguma forma era só nisso que sua mente estava. Não aguentaria perder sua tia, ela era sua única família restante. Melo entrega á Eda o papel com a localização e diz que não sabe detalhes pois ligaram da recepção do hospital assim que ela chegou de ambulância. Só o mero pensamento de sua tia ter precisado chamar a ambulância (ou alguém chamar pra ela) a fez gelar e correr para seu carro. Serkan, que até agora estava apenas como expectador da cena, alcança Eda e a oferece carona.
— Vamos, eu te levo Eda!
— Não preciso da sua carona, Serkan bey. Tenho meu carro, não vê? – ela fala embolada enquanto se distrai á procura da chave do seu carro, que havia jogado dentro da bolsa há alguns instantes.
— Eda, você não está em condições de dirigir!
— É verdade, Dada...
Melo estava parada perto de Serkan, e dizia que ela precisava se acalmar e que se sua tia não estivesse bem eles teriam falado mais no telefonema. Mas Eda estava afobada e presa em seu próprio mundo, ignorando as duas pessoas á sua frente e entrando em seu carro para ir até o hospital.
— Melo, cuide da loja por favor! Chame Fifi também!
Ela grita enquanto fecha a porta do carro e os dois a observam tentar dar partida na velha caminhonete vermelha.
— Não, por favor Xaveco, agora não! – ela reclamava com o próprio carro.
Seu carro era velho mas sempre a ajudava quando precisava, apesar dos problemas com a bateria. Eda não podia acreditar que ele ia dar pane justo agora, no momento do desespero.
— Vamos, por favor pegue! Por favor! – ela implorava, quase chorando.
Depois de 4 tentativas frustradas, ela soca o volante do carro e apoia sua testa nele. Ela só percebe que Melo e Serkan continuam ali quando escuta uma batida no vidro da sua porta e vê Serkan gesticulando para que ela abra a porta.
— O que foi?
— Venha, Eda – e antes que ela pudesse protestar, ele a puxa pra fora de sua caminhonete e a leva até uma BMW preta.
Ele abre a porta para que ela entre e logo depois dá a volta até seu assento, acenando de longe para a adorável Melo. Assim que colocam os cintos, ele arranca em direção ao hospital em que a tia de Eda se encontra.
— Não vai me perguntar onde é?
— Melo me disse.
E durante o resto do caminho, enquanto Eda silenciosamente faz seu exercício de respiração em uma tentativa de se acalmar, ambos permanecem em completo silêncio.
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Flowers on the Floor
FanfictionEda Yildiz é a destemida dona de uma aconchegante loja de flores em uma quarteirão popular de Istambul. Serkan Bolat é um renomado arquiteto ambicioso que está pra fechar um dos maiores projetos sua carreira. Tudo o que lhe falta é um pequeno terren...