- Lene!
Ah... merda. Era Lily.
Eu estava no nosso apartamento, ainda com a mesma roupa, achando que teria ao menos aquela noite sozinha. Mas eu estava enganada.
- É sério que você foi embora da minha festa por causa do Amos?? O James não achou que teria problema leva-lo.
- Não foi por causa do Amos.
- Foi pelo que então? É bom que você tenha uma excelente razão...
- De onde o James conhece o Sirius?? – Eu interrompi, exasperada.
- Você não vai acreditar!! – Ela se empolgou com a novidade, esquecendo por um momento que tava puta comigo. – Sirius é o melhor amigo do James! Eles tipo cresceram juntos. Entraram juntos na faculdade e tudo. Aí parece que o Sirius largou tudo e foi viajar por alguns anos. Voltou a alguns meses e montou o bar. James ainda não tinha encontrado com ele por causa das viagens de trabalho.
Ótimo.
- O que houve, Lene?
- Sirius é um jogador.
Ela me olhou de testa franzida.
- Ele ficou perguntando de você. Parecia preocupado. Eu achei que você tinha ido embora por causa do Amos, não dele. Ele queria vir aqui ver se você estava bem, mas eu disse que achava melhor eu mesma vir.
Merda.
De repente me senti muito mal pela forma com que falei com Sirius. Sim, eu apenas descontei nele toda a frustração que sentia de ter visto o Amos, enquanto ele estava sendo apenas gentil. Porque aquilo me incomodava tanto?
- Eu não aguento sequer olhar para o Amos. Como ele tem a audácia de ainda querer me levar de volta para aquele relacionamento bosta?
Lily levou um segundo para engolir o choque com o meu pequeno desabafo. Ela tava aguardando por aquele momento desde que terminei com Amos, meses antes. Mas eu evitei. E ela, como boa amiga e terapeuta que era, respeitou o meu tempo. Tinha verdade demais ali que eu ainda não queria enxergar.
- E é por isso que te irritou tanto ver o Amos?
- Não. Porque a culpa não é do Amos! – Não percebi que minha voz tinha se elevado. – Amos nunca me pediu pra ficar naquele relacionamento bosta! Amos nunca me pediu pra mudar! Eu mesma fiz isso comigo.
Lily suspirou. Eu senti o cuidado dela com as palavras. Tudo que ela queria era que eu continuasse me abrindo.
- Lene, um relacionamento envolve duas pessoas. E o Amos é muito bom de lábia. Os dois tem responsabilidade no lugar que o relacionamento chegou.
Eu levantei do sofá e caminhei sem rumo pela sala. Parecia que algo tinha se aberto dentro de mim.
- Como eu levei tanto tempo pra me dar conta que eu merecia mais? Como eu não vi que eu tava me deixando pelo caminho pra continuar ali?
- Porque é difícil pra você dar as costas pra um afeto, Lene. Qualquer que seja. Pra quem não teve muito afeto ao longo da vida, qualquer pouco que recebe é muito.
Sim. Minha família ganhava facilmente o prêmio de menos afetiva do planeta. Nosso contato físico se resumia a abraços em datas comemorativas e olhe lá. Lily era minha única amiga que sabia disso, e sabia o quanto isso me afetava.
- Mas – Lily continuou, e minha atenção se voltou para ela. – Acho que você não precisa mais ter medo de se envolver com alguém, Lene. Eu duvido muito que você vá se perder de novo.
Os olhos de Lily brilhavam tanto quando me encararam, como se ela visse coisas que nem eu mesma enxergava. Me sentei ao seu lado.
- Como você pode ter tanta certeza? No final do relacionamento eu sequer me reconhecia, e eu nem sei como eu deixei isso acontecer.
- Você estava procurando um relacionamento, e não procurando ser feliz. Nós sabemos que você estava sendo pressionada para isso, Lene.
Ela tinha aquele olhar de quem ia decifrar a minha alma e falar as verdades que eu precisava ouvir. Eu percebi que ela estava esperando muito tempo pra me falar aquilo tudo.
- Você percebe que quando você está no seu modo off você consegue ir embora de qualquer situação que não esteja a sua altura? Que no seu modo off você sabe exatamente quem você é e não se diminui em nenhum momento?
- Qual o seu ponto?
- Essa é quem você é, Lene! Eu sei que sempre peguei no seu pé com seu modo on e off. Mas é porque eu queria que você percebesse como parece encarnar duas personalidades distintas. A que você acha que sua família e a sociedade aprovam. Que deve ser certinha, leal e compromissada. E a outra. Que é quem você é. Você é espontânea, divertida, imprevisível, confiante e independente. Mas alguém te ensinou que ser assim não é atrativo para permanecer num relacionamento.
- Mas quando eu estou assim a última coisa que quero é me relacionar.
- Porque você percebe o quanto é suficiente e não precisa mendigar afeto de ninguém. Mas isso não te torna alguém incapaz de se relacionar, Lene. É só o seu medo de perder isso tudo de novo que faz você pensar isso.
- Mas o problema continua! Porque eu me esqueci de tudo isso pra ficar num relacionamento meia boca?
Lily se aproximou de mim e segurou minha mão entre as suas.
- Lene, seu pai morreu logo antes de você conhecer o Amos. – Ela falou com toda a doçura que conseguiu reunir.
Um bolo se formou na minha garganta. Eu não conseguia falar do meu pai desde que ele havia morrido. Vendo que eu não me esquivei do assunto ela continuou.
- Seu pai era sua fonte de segurança e estabilidade. Algo que sua família sempre valorizou. E quando ele se foi você quis suprir aquela falta com um relacionamento estável. Porque foi assim que você foi ensinada que poderia experimentar segurança e estabilidade. Mesmo que isso nunca tenha feito sentido real pra você, Lene. Você apenas tentou fazer o que te disseram ser o certo. Ninguém na sua família, ou mesmo na sociedade, é acostumado a ver uma mulher independente que não pensa em se casar.
O bolo na minha garganta diminuía aos poucos. Só então percebi que eu estava chorando.
- E como eu deixo de ser assim? – Falei, num fio de voz. – Como eu deixo de ter medo de ser quem eu sou?
Lily sorriu.
- Você já deixou, boba. – E enxugou carinhosamente a lágrima que caía. - Você não era assim, você estava assim. Agora você sabe o porquê e pode apenas seguir em frente. Você é incrível e o mundo sobrevive a isso. Quando você acreditar nisso, só vão chegar até você pessoas que saibam apreciar isso também. Babacas como o Amos não terão a menor chance.
Eu senti as palavras dela me preenchendo. Encontrando cada espaço vazio e corroído e substituindo por uma brisa quente e aconchegante. Minha cabeça ainda fervilhava com tudo. Eu ainda não sabia se aquilo tudo era verdade, mas sentia como se um peso fantasma tivesse sumido dos meus ombros, do meu peito. E isso era suficiente por agora.
- Eu achei que o paciente devia chegar nas próprias conclusões sozinho, terapeuta.
- Eu acho que você não é muito inteligente pra isso.
Eu joguei uma almofada na direção dela, mas sorria.
- Você não é minha paciente, Lene, você é minha melhor amiga. – Ela devolveu o sorriso.
- Você provavelmente está certa, mas só metade disso tudo fez sentido pra mim agora.
- Vai fazer sentido quando tiver que fazer.
E o espaço que ficou no meu peito quando o peso sumiu foi substituído por outra coisa. Urgência.
Lily voltou a me observar em silêncio. Quando encontrei o olhar dela ela assentiu com a cabeça. Me encorajando. Como se respondesse uma pergunta que eu sequer tinha feito.
Então peguei minha impulsividade pela mão e voltei para o bar.
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On e Off
FanficMarlene McKinnon é uma mulher linda, forte e inteligente. Mas às vezes parece se esquecer disso. Ela acha que tem tudo sobre controle até conhecer Sirius Black, um barman que é muito mais do que parece. Blackinnon, Universo Alternativo. Enjoy! Discl...