Catarina - Part. 1

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Por mais extenso que seja o atalho, eu acabo chegando minutos mais cedo que ela, uma sorte por dirigir de carro. Entro dentro da igreja, encontrando Padre Paulo em frente a grande cruz de Cristo. Ele parece estar rezando em joelhos, totalmente distraído em suas preces, sem notar nada ao seu redor. Algo nele está diferente, percebo a tremedeira anormal de suas mãos e o modo de como reza, soa como medo.

— Padre Paulo?

No momento em que dou minha presença, o homem paralisa-se. Suas mãos ficam paradas e o mesmo está sem palavras. A sua quietude incomum, o faz parecer uma estátua. Ao tentar chama-lo novamente, ele levanta, porém permanecendo de costas.

— O senhor está bem? Algum problema?

Ele resiste imóvel por alguns segundos, depois disso, vira-se lentamente para mim. Em seus olhos, vejo lágrimas, numa mistura de medo e dor, como se o próprio diabo estivesse em sua frente. Por mais que Paulo forçasse uma expressão, é vidente seu pavor. Ele continua a fitar-me, não sei dizer se sua face revela a raiva ou decepção, talvez Catarina tivesse chegado mais cedo?

Eu não quero fazer isso, mas não vejo outra alternativa: ponho minha mão lentamente sobre meu bolso de trás, onde uma pequena faca está escondida. Ele aparenta saber minha intenção e antes de eu puder tomar alguma atitude, ele coloca sua mão a minha frente, alertando para eu parar.

Mesmo com a lamentação consumindo-o, o Padre tenta ser acalmar, o que eu não esperava. Brevemente, ele abaixa sua mão, e eu deixo faca de volta no bolso. Estou curioso para ouvi-lo.

— Não precisa fazer nada. Eu não o impedirei, por mais que eu suplique por isso.

Permaneço calado, não tem palavras para descrever o quão confuso é esse momento. Eu apenas encaro-o, perdido em minha mente.

— Se veio aqui para me matar, saiba que eu não cooperei com essa blasfêmia! Você mataria alguém que sempre tentou te ajudar, Johann?

— Eu não ligo para o que aquela desgraçada te contou, saiba que o verdadeiro diabo aqui é ela! — Digo, com tom de raiva e o medo de ser pego.

— Ela não me contou nada, eu descobri! — Ele volta a ficar de costas para mim, encarando a cruz. — Eu nunca imaginei que eles fossem capazes disso. Me recordo de deles ainda mais novos, brincando pelo parque... — Sua voz começa a diminuir, como se estivesse a cair em prantos. — Eu nunca imaginei que eles fariam algo assim.

O Padre dá um leve choro, pondo toda mentira vivida em lágrimas. Esse homem destruiu-se por dentro e não há mais nada naquele olhar de bondade, só resta a dor.

— Mas se veio aqui, não foi por mim. Ela vira aqui também? — Pergunta ele, acalmando-se.

— Sim, ela vem. — Respondo friamente, mas com um pouco de pena.

Ele suspira brevemente.

— Então faça o que tiver que fazer, não poderei pará-lo e muito menos ajuda-lo. Porém, faça fora deste lugar sagrado! Ele não merece ser corrompido com sangue e dor.

— Mas... Você não irá me entregar?

Padre Paulo vira-se lentamente. Desta vez, ele demostra mais calma.

— Como te disse, não irei pará-lo. Você que faça suas escolhas e lide com as consequências de seus atos. Eu poderia entrega-lo sim, mas conheço seus motivos e apesar de eu não concordar com retribuição, deixarei que siga seu caminho.

Ele junta suas mãos e anda em direção ao confessionário. Antes dele entrar, eu pergunto-o:

— Como você sabia que era eu esse tempo todo?

Ainda de costas, ele diz:

— Você queria que o Adolpho mostra-se para família dele o que Thales e o amigos fizeram com você e seu parceiro...

Rola uma pausa, e eu começo a lagrimejar.

— Havia umas janelas pelo lugar onde você o encontrou. Eu estava escrevendo algumas cartas para meus parentes, até que eu percebi você chegando e conversando com o garoto. Não pude entender porque estava distante, mas reparei naquele pendrive que você entregou. Quando Adolpho estava indo procurar Thales, bem eu... — Ele suspira, depois retorna. — Pedi que ele me desse o pendrive e falasse que perdeu ele para sua família, dizendo que alguém o devolveria depois...

— Você está com ele? — Pergunto, ainda com a esperança de recuperar o que pedi.

— Não... Naquele mesmo dia, após ver o vídeo, eu o guardei numa gaveta, mas quando voltei para pega-lo, ele havia sumido. Nada mais pode fazer, talvez alguém o pegou e se livrou dele, esqueça isso.

— Então será assim que vou acabar? Sem nenhuma prova da minha inocência? — Digo, decepcionado e triste.

— Você não é inocente, Johann. Você e seu namorado sofreram, mas suas ações são de sua responsabilidade. — Eu juro que tentei mudar você, desde do nosso primeiro encontro, e após descobrir sobre sua tragédia, tentei de todas as formas te ajudar, eu poderia ter mandado aquele pendrive para a polícia, mas sentia que não mudaria em nada, você já fez o que fez e não adiantou nada!

O silêncio retorna e ele volta a andar para o confessionário. Antes de entrar, o Padre dá sua última palavra:

— Lembre-se: quando você decide enfrentar o diabo, estará se tornando um.

Após isso, ele entra. Fico sozinho com algumas lágrimas que saem de meus olhos. Resta um tempo até recuperar-me e seguir em frente. Ao terminar, começo a olhar entre o espaço da porta da igreja, para ver se Catarina já havia chegado no lugar. Não há nenhum sinal dela, o que ainda me dá tempo. Saio da igreja e corro rapidamente para um lugar no mato, onde está deixado uma lembrança escondida.

Depois de alguns minutos, eu vejo-a em sua bicicleta, ela aparenta estar ansiosa e começa a andar rapidamente até a catedral. Porém, algo a fez diminuir seus passos, está estampado em sua frente e quanto mais perto ela fica, mais próximo do passado ela volta.

Quando está próxima o suficiente da porta, ela lembra. É aquele galho, com manchas de sangue e terra. Ela tira a lembrança da porta, olha enfurecida e joga-o para o lado, mas no momento que sua mão toca na maçaneta, eu agarro-a pelos cabelos e puxo fortemente sua cabeça para trás, enquanto abafo os gritos de sua boca com a minha mão.

— Que bom revê-la, anjo caído...

Empurro sua cabeça com força na porta de madeira grossa da catedral, deixando-a inconsciente. Seu corpo cai no chão, seu cabelo bagunçado cobre a face, que mostra o sono.

E mesmo depois da morte que virá para ambos. Eles sempre estarão juntos.

Para sempre, serão irmãos.

Vingança Honrosa | Em Revisão |Onde histórias criam vida. Descubra agora