Por mais extenso que seja o atalho, eu acabo chegando minutos mais cedo que ela, uma sorte por dirigir de carro. Entro dentro da igreja, encontrando Padre Paulo em frente a grande cruz de Cristo. Ele parece estar rezando em joelhos, totalmente distraído em suas preces, sem notar nada ao seu redor. Algo nele está diferente, percebo a tremedeira anormal de suas mãos e o modo de como reza, soa como medo.
— Padre Paulo?
No momento em que dou minha presença, o homem paralisa-se. Suas mãos ficam paradas e o mesmo está sem palavras. A sua quietude incomum, o faz parecer uma estátua. Ao tentar chama-lo novamente, ele levanta, porém permanecendo de costas.
— O senhor está bem? Algum problema?
Ele resiste imóvel por alguns segundos, depois disso, vira-se lentamente para mim. Em seus olhos, vejo lágrimas, numa mistura de medo e dor, como se o próprio diabo estivesse em sua frente. Por mais que Paulo forçasse uma expressão, é vidente seu pavor. Ele continua a fitar-me, não sei dizer se sua face revela a raiva ou decepção, talvez Catarina tivesse chegado mais cedo?
Eu não quero fazer isso, mas não vejo outra alternativa: ponho minha mão lentamente sobre meu bolso de trás, onde uma pequena faca está escondida. Ele aparenta saber minha intenção e antes de eu puder tomar alguma atitude, ele coloca sua mão a minha frente, alertando para eu parar.
Mesmo com a lamentação consumindo-o, o Padre tenta ser acalmar, o que eu não esperava. Brevemente, ele abaixa sua mão, e eu deixo faca de volta no bolso. Estou curioso para ouvi-lo.
— Não precisa fazer nada. Eu não o impedirei, por mais que eu suplique por isso.
Permaneço calado, não tem palavras para descrever o quão confuso é esse momento. Eu apenas encaro-o, perdido em minha mente.
— Se veio aqui para me matar, saiba que eu não cooperei com essa blasfêmia! Você mataria alguém que sempre tentou te ajudar, Johann?
— Eu não ligo para o que aquela desgraçada te contou, saiba que o verdadeiro diabo aqui é ela! — Digo, com tom de raiva e o medo de ser pego.
— Ela não me contou nada, eu descobri! — Ele volta a ficar de costas para mim, encarando a cruz. — Eu nunca imaginei que eles fossem capazes disso. Me recordo de deles ainda mais novos, brincando pelo parque... — Sua voz começa a diminuir, como se estivesse a cair em prantos. — Eu nunca imaginei que eles fariam algo assim.
O Padre dá um leve choro, pondo toda mentira vivida em lágrimas. Esse homem destruiu-se por dentro e não há mais nada naquele olhar de bondade, só resta a dor.
— Mas se veio aqui, não foi por mim. Ela vira aqui também? — Pergunta ele, acalmando-se.
— Sim, ela vem. — Respondo friamente, mas com um pouco de pena.
Ele suspira brevemente.
— Então faça o que tiver que fazer, não poderei pará-lo e muito menos ajuda-lo. Porém, faça fora deste lugar sagrado! Ele não merece ser corrompido com sangue e dor.
— Mas... Você não irá me entregar?
Padre Paulo vira-se lentamente. Desta vez, ele demostra mais calma.
— Como te disse, não irei pará-lo. Você que faça suas escolhas e lide com as consequências de seus atos. Eu poderia entrega-lo sim, mas conheço seus motivos e apesar de eu não concordar com retribuição, deixarei que siga seu caminho.
Ele junta suas mãos e anda em direção ao confessionário. Antes dele entrar, eu pergunto-o:
— Como você sabia que era eu esse tempo todo?
Ainda de costas, ele diz:
— Você queria que o Adolpho mostra-se para família dele o que Thales e o amigos fizeram com você e seu parceiro...
Rola uma pausa, e eu começo a lagrimejar.
— Havia umas janelas pelo lugar onde você o encontrou. Eu estava escrevendo algumas cartas para meus parentes, até que eu percebi você chegando e conversando com o garoto. Não pude entender porque estava distante, mas reparei naquele pendrive que você entregou. Quando Adolpho estava indo procurar Thales, bem eu... — Ele suspira, depois retorna. — Pedi que ele me desse o pendrive e falasse que perdeu ele para sua família, dizendo que alguém o devolveria depois...
— Você está com ele? — Pergunto, ainda com a esperança de recuperar o que pedi.
— Não... Naquele mesmo dia, após ver o vídeo, eu o guardei numa gaveta, mas quando voltei para pega-lo, ele havia sumido. Nada mais pode fazer, talvez alguém o pegou e se livrou dele, esqueça isso.
— Então será assim que vou acabar? Sem nenhuma prova da minha inocência? — Digo, decepcionado e triste.
— Você não é inocente, Johann. Você e seu namorado sofreram, mas suas ações são de sua responsabilidade. — Eu juro que tentei mudar você, desde do nosso primeiro encontro, e após descobrir sobre sua tragédia, tentei de todas as formas te ajudar, eu poderia ter mandado aquele pendrive para a polícia, mas sentia que não mudaria em nada, você já fez o que fez e não adiantou nada!
O silêncio retorna e ele volta a andar para o confessionário. Antes de entrar, o Padre dá sua última palavra:
— Lembre-se: quando você decide enfrentar o diabo, estará se tornando um.
Após isso, ele entra. Fico sozinho com algumas lágrimas que saem de meus olhos. Resta um tempo até recuperar-me e seguir em frente. Ao terminar, começo a olhar entre o espaço da porta da igreja, para ver se Catarina já havia chegado no lugar. Não há nenhum sinal dela, o que ainda me dá tempo. Saio da igreja e corro rapidamente para um lugar no mato, onde está deixado uma lembrança escondida.
Depois de alguns minutos, eu vejo-a em sua bicicleta, ela aparenta estar ansiosa e começa a andar rapidamente até a catedral. Porém, algo a fez diminuir seus passos, está estampado em sua frente e quanto mais perto ela fica, mais próximo do passado ela volta.
Quando está próxima o suficiente da porta, ela lembra. É aquele galho, com manchas de sangue e terra. Ela tira a lembrança da porta, olha enfurecida e joga-o para o lado, mas no momento que sua mão toca na maçaneta, eu agarro-a pelos cabelos e puxo fortemente sua cabeça para trás, enquanto abafo os gritos de sua boca com a minha mão.
— Que bom revê-la, anjo caído...
Empurro sua cabeça com força na porta de madeira grossa da catedral, deixando-a inconsciente. Seu corpo cai no chão, seu cabelo bagunçado cobre a face, que mostra o sono.
E mesmo depois da morte que virá para ambos. Eles sempre estarão juntos.
Para sempre, serão irmãos.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Vingança Honrosa | Em Revisão |
Horreur[+18] "Decisões suas, consequências também" Na véspera de aniversário do namorado, Johann Fernandes planejou um final de semana romântico para os dois, num chalé situado em uma cidade pacata. Ao chegar no lugar, eles sofrem humilhações vindas de um...