1. O Dia Que Eu Vi Um Demônio

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Observando de fora o grande Palácio de seu pai biológico, Shinosuke engoliu o choro, deu um suspiro, e virou-se para as ruas da cidade. Sem um rumo, ele vagava à procura de um lugar pra ficar e descansar depois do último trauma. Estava com uma veste simples de corpo inteiro bem desbotada e suja, com seus cabelos cacheados, volumosos, caindo ao rosto. Descalço e com fome, foi em uma loja próxima, pechinchar algo para comer.

- Boa noite...
Barulho do sino da porta tocando, indicando a entrada de um cliente.

- Olá criança, quer o quê aqui?
Uma voz idosa e perversa respondeu o Shinosuke.

- Não tenho o que comer, também não tenho dinheiro, mas faço qualquer coisa se me der um prato de comida e algo para beber...
Shinosuke tosse.

Uma criança que oferece qualquer serviço em troca de comida e bebida para sua sobrevivência, é uma criança que já perdera a infância cedo demais, seja por intermédio da tecnologia, ou de traumas psicológicos. A voz de Shinosuke era fraca e falha, indicando sua sede e fraqueza por conta da fome. O atendente, um idoso que aparentemente é o dono da loja, olhou-o com olhos arregalados, e foi acudir o garoto.

- Garoto... onde estão seus pais?

Perguntou olhando fixamente para os olhos tristes e sujos de Shinosuke. Ele se locomovia por uma cadeira de rodas elétrica.

- Mortos.

Foi tudo o que Shinosuke respondeu. Um silêncio pairou a loja por um momento e os carros, pessoas, máquinas e tudo o que compunha os ruídos cotidianos da metrópole foi dissipado pela resposta do garoto.
O senhor se viu pasmo, diante daqueles olhos adultos em uma criança, ao responder seriamente sem pestanejar, que seus pais haviam morrido.

- Sente-se no fardo de refrigerantes, irei fechar a loja por hoje.
E foi-se o velho, murmurando o quão devagar era a tal cadeira qual se locomovia.
Após fechar sua loja, o idoso voltou de encontro com Shinosuke, retornando a prosa.

- Meu nome é Ajin Takashi. Gostaria de te ajudar, minha criança, da forma que precisa.
O senhor, apesar de parecer severo não pôde aguentar o sorriso forçado da criança em agradecimento pela ajuda oferecida. Aquilo foi de partir o coração, uma criança com 7 anos de idade tendo que forçar um sorriso, lutando contra seus verdadeiros sentimentos.

- Me acompanhe, mas antes me diga, qual o seu nome?

Já não havia terminado a pergunta e o senhor Ajin foi surpreendido com uma expressão séria e cheia de ódio vinda do garoto. Aquela expressão não mentia, nem forçava alguma emoção, mas sim proporcionava um medo feroz em quem testemunhasse.

- Meu nome é Shinosuke, Shinosuke Ao.

Ajin não encarou por muito tempo aquela expressão do garoto, e virou-se para a parte de trás da loja, onde ficava a casa do senhor.

- Entre, irei pegar um copo de água e algo para sanar sua fome.

Shinosuke ficou parado na porta observando a rústica sala de Ajin. Uma poltrona velha cor vinho num canto, madeiras estalando com o movimentar da cadeira elétrica, dois copos sujos em cima de uma mesinha baixa, e uma TV noutro canto. Era tudo muito velho e lembrava uma cabana abandonada de filmes de terror. Mas ele entrou, e ficou parado na sala esperando o retorno do senhor Ajin.
Se deu conta da demora quando não escutava mais o estalar das madeiras do chão referente ao movimento do senhor Ajin, e então foi verificar se estava tudo bem. Havia um corredor com apenas uma porta ao meio, uma janela na outra parede, e uma outra porta, meio-aberta no fundo, deixando escapar feixes de luz divididos pelos pedaços de madeira velha da mesma. Shinosuke foi pelos cantos onde fazia menos barulho no chão, e ao se aproximar da porta, percebeu que o senhor Ajin conversava com alguém, no telefone talvez?
Shinosuke olhou pela abertura da porta e arregalou seus olhos enquanto cerrava seus dentes em espanto. Havia algo que ele não havia aprendido enquanto viveu no Palácio, e isso era a mais importante coisa no mundo. Shinosuke Ao, o pequeno, não conhecia o mundo demoníaco e sua interação perversa e bondosa com o mundo humano. Viu um ser curvado por ser alto demais, com as costas de encontro ao teto, com uma máscara de carneiro de cor avermelhada, longos braços negros com unhas enormes acinzentadas, olhos fundos negros como um poço, e pernas levemente dobradas, negras como todo o corpo. Ao conversar com o senhor Ajin, podia-se ver seus dentes pontudos, e sua voz parecia ecoar na cabeça de quem ouvisse. Devagar, Shinosuke tentou se afastar e manter a calma, mas o maldito chão fez um barulho dos mais altos. Ele então se desesperou e correu.
Sua fuga durou até o final do corredor, onde na porta da sala o senhor Ajin aguardava.

- O que houve, garoto? Não vai comer?

A expressão do velho parecia como quem não sabia de nada, nada ocorreu, e ele não desconfiava de nada.

- O que era... como, como chegou aqui se estava la? E... suas pernas, você consegue andar! EU NÃO SEI O QUE ESTA HAVENDO, MAS POR FAVOR ME DEIXE SAIR!

Ajin mostrou ser, na verdade, um idoso com boa estrutura física, vestindo um belo blazer verniz com uma flor no bolso, uma calça social verniz, um sapato bem engraxado, cabelo calvo escondido por uma cartola, um monóculo pendurado em uma mão, e uma bengala elegante com um símbolo Delta entalhado bem chamativo. O estranho ser que Shinosuke vira apareceu em frente ao corredor atrás do garoto.

- Ajin... eu ainda estou com fome.

Nessa hora, Shinosuke lembra ter visto uma grande panela, suficiente para caber nela, onde provavelmente seria cozinhado.

- Vocês iam me matar? O QUE É ESSE MONSTRO?!

Shinosuke estava assustado e gritando muito. Ajin, com um movimento rápido segurou o garoto por trás e colocou sua mão na boca do mesmo, apertando tanto que quebrou vários dentes da frente, fazendo com que o sangue escorresse pela queixo e por cima do mindinho de Ajin, se misturando com as lágrimas dos olhos arregalados e assustados de Shinosuke que escorria pela mão de Ajin. Ali Shinosuke não tinha esperança. Ali Shinosuke iria morrer.

- Não chame a atenção de vizinhos, garoto maldito. Quando percebi que seu jeito combinava com o tipo de alimento do Zuuka, logo me interessei por você. Pense bem, sua vida não vale nada. É totalmente desprezível, filho de Abimaru Shika HAHAHAHAHA!

Zuuka era o demônio de Ajin, pecador poderoso do canibalismo. Zuuka faz com que Ajin conheça a vida de qualquer pessoa, para escolher a melhor refeição.
Shinosuke ficou inconsciente, e adormeceu na presença dos dois demônios.

Kodokuna Tsumi - Pecado SolitárioOnde histórias criam vida. Descubra agora