Capítulo V - Rosas e (falta de) coragem.

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"Esse é o melhor chá que eu já tomei na minha vida!" exclamou Elizabeth tomando um gole de sua xícara minúscula e sorrindo para a dupla à sua frente. As três estavam sentadas em volta da mesinha, que ficava perto do canteiro de flores de Fionna.

"Tem certeza? Acho que coloquei açúcar demais" disse Olive encarando a xícara com uma careta. A menininha loira ao seu lado concordou balançando seus cachos, "Na verdade, está com um gosto ainda mais estranho... Um pouco salgado..."

Ao falar isso, começou a analisar o pequeno pote que estava sobre a mesa. Ela arregalou os olhos, se virando para Olive.

"Olive! Você colocou sal no meu chá!" ela disse brava para a outra garotinha, e elas começaram sua terceira discussão naquela manhã.

Elas realmente levam essa brincadeira muito a sério, pensou Elizabeth, voltando a fitar as xícaras que estavam cheias de chá imaginário, sem conseguir segurar sua risada. Após o café da manhã, Elizabeth se juntou à festa de chá das duas, percebendo que na verdade não teria o que fazer até o almoço.

"Elas brigam assim regularmente?" cochichou Elizabeth para o ursinho azul de terno que ocupava a cadeira ao seu lado. O chapéu dele tombou um pouco para o lado, e ela o colocou de volta no lugar com as suas mãos enluvadas. Soltou outra risada, ele parecia um nobre cavalheiro com o seu rosto fofo.

Quando ela voltou a observar as meninas, Claire já havia desistido da discussão e apoiava o queixo em suas mãos entediada.

"À quanto tempo estamos brincando disso?" questionou Olive. Hugh, que estava ajudando Fionna no plantio de algumas ervas, parou perto delas todo sujo de terra, e reclamou:

"Faz duas horas que vocês estão brincando dessa festa de chá! Pelo amor de Deus, vocês fazem isso todo dia! Por que vocês não vêm nos ajudar um pouco?" Colocou as mãos na cintura revoltado, o cansaço nítido em seu rosto.

As duas menininhas explodiram em risadas pela visão do menino sujo. E Elizabeth se levantou animada com a ideia, fazendo uma reverência dramática na direção delas. "Com licença, senhoritas, mas o dever me chama."

"Sim, madame Elizabeth, nós te escusamos desta vez, mas da próxima não poderá escapar" responderam as meninas.

E ela foi para junto de Hugh, que lhe lançou um sorriso tranquilo lhe agradecendo.

"Exatamente no quê eu irei ajudar vocês?" ela perguntou. Hugh a fitou. "Não é nada difícil, é só regar as plantas. O sol do meio-dia é muito forte e está fazendo as plantinhas murcharem."

Elizabeth olhou para onde ele apontava com o dedo indicador e observou com os próprios olhos os efeitos do sol excessivo. Algumas flores estavam tombadas para o lado e a terra da horta completamente seca. Hugh contemplou a visão um pouco triste. "Estamos muito ocupados cuidando das novas ervas que a senhora Peregrine nos pediu, mas se o jardim não for regado agora alguma parte dele pode ser danificada."

Elizabeth assentiu com a cabeça, sorrindo para o menino. 

"Será um prazer ajudar vocês com o jardim!"

Hugh devolveu o sorriso, e logo estavam perto de Fionna. Ela parecia ocupada demais ajudando as mudas mais frágeis se enraizarem no solo para perceber a presença deles. Estava agachada, apoiando-se na terra de olhos fechados, parecendo sussurrar algo. Elizabeth a admirava, entretanto preferiu ficar em silêncio para não desconcentrá-la.

Hugh pegou um grande regador e o entregou para a menina. "Muito obrigada, de novo, Elizabeth."

"Por nada, Hugh."

Ela foi em direção à torneira que ficava perto da entrada da casa, e encheu-o de água. Ela decidiu começar pela horta, fazendo companhia aos dois que estavam trabalhando duro. Quando terminou aquela área foi regar as rosas, sentindo-se satisfeita ao ver que elas pareciam apreciar o gesto. Regou os arbustos, as trepadeiras e todos os tipos de flores que haviam ali.

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Quando terminou, já estava completamente suada e seus sapatos estavam sujos de terra molhada. Ela respirou fundo, tentando recuperar o fôlego. Encontrou Fionna e Hugh, sentados no chão.

Elizabeth se deitou ao lado deles, contemplando o céu. Ele estava aberto, com apenas algumas nuvens que o cortavam tranquilamente. Ela podia ver algumas borboletas passando, o canto de pássaros soava de longe, vindo da floresta que cercava a grande casa. Elizabeth estava tão imersa naquela azul profundo que nem ao menos percebeu quando Hugh e Fionna a imitaram, deitando-se na grama e começaram uma conversa tranquila.

"Elizabeth?" ela ouviu seu nome sendo chamado e levou um susto, virando a cabeça para o lado e vendo Hugh olhando para ela. "Ah me perdoe, não queria te assustar!", exclamou ele, rindo de nervoso.

"Nós estávamos te perguntando qual é a sua peculiaridade, Elizabeth" disse Fionna com um sorriso leve. 

Hugh assentiu, acrescentando "Mas não precisa nos dizer se não se sentir confortável, só estamos curiosos."

Elizabeth desviou o olhar, suas mãos logo se juntando em movimentos nervosos. Ela sabia que não poderia fugir mais desse assunto, mas isso não tornava mais fácil a batalha que ela travava contra o lado irracional da sua própria mente. Elizabeth não era a única ali que havia passado por coisas difíceis, ela ainda se lembrava do que Emma havia dito. Ela continuava a se lembrar da culpa no olhar da garota. Porém, isso não impediu Emma de abrir seu próprio coração, e compartilhar sua história para confortá-la.

Ela estava sendo egoísta, percebeu. Não permitindo que a conhecessem, mas querendo conhecê-los. Não querendo abrir seu coração, mas ansiando que os outros o fizessem. 

Não dava para continuar assim, não mais.

Havia chegado a hora de parar de temer.

Elizabeth reuniu a pouca coragem que tinha, cerrando os punhos em pura determinação. E em um impulso, respondeu, pela primeira vez sem pensar:


"Minha peculiaridade é a cura", soltou, sentindo o peso que estava sobre seus ombros ser lançado fora, à medida em que as palavras deixavam seus lábios.

"Eu uso luvas porque quando eu toco em uma pessoa... A cura começa de dentro para fora. E é como se eu tocasse no ponto mais íntimo de alguém, formando um vínculo entre nós..."

"Eu não entendo muito sobre isso, mas... Minha mãe costumava me dizer que é inquebrável."

Corações Peculiares |  MPHFPCOnde histórias criam vida. Descubra agora