Coração de Fogo - Renascença

Cinzas e asas

    De todos os momentos de sua vida curta, Kate jamais sentiu tanto medo.
Ela sentiu uma força maligna se aproximando, mas antes mesmo de poder chegar às portas da estufa, uma mulher bloqueou seu caminho, e depois disso, seu corpo e sua mente se desligaram, mas não antes de ouvir a sua mãe chamando pelo seu nome.
Katerina.
Kate.
Filha.
A voz de Clary ficava cada vez mais baixa e longe, Kate lutou para gritar, para se mexer, para fazer algo, mas nada adiantou.
Estava presa.
Completamente presa.
Ela esperou minutos, talvez horas, até sentir o mínimo possível do seu copo novamente. Primeiro foi o cheiro almiscarado de cinzas e enxofre, depois o vento, forte e violento sobre a sua pele.
Kate até gostava um pouco disso, já que no meio de todo esse medo, era a única coisa que poderia lhe trazer um pouco de calma.
Decidir se abriria ou não os olhos foi uma escolha mais difícil a se tomar, Katerina sabia que estava voando, sentia os braços musculosos de alguém em torno de seu corpo, não sabia para onde ou qual era o motivo de tudo aquilo, então esperou.
Seu coração acelerou diversas vezes e Kate repetiu para si mesma que tudo iria ficar bem.
Esse pensamento demorou menos de dez segundos.
Quando a quem estava sentado decidido mergulhar em direção ao chão.
O que fez Kate gritar.
Muito.
Os braços a apertaram mais forte e ela pode sentir os movimentos de duas asas amortecendo a queda. Mesmo assim um estrondo ruiu quando ambos aterrissaram, e não era preciso ser a pessoa mais inteligente para saber que ninguém humano sobreviveria àquele tipo de queda.

- Pode abrir os olhos agora.

Uma voz masculina.
Os braços se afrouxaram ao redor dela.
Seus pés tocaram o chão.
E seus olhos se abriram.
Alguém muito, muito parecido com sua mãe estava diante dela. Com um par de asas negras ao seu entorno, grandes o bastante para toca-lá também.

- Você é um anjo? - Kate perguntou ainda com os olhos fixos nas penugens.

- Oh, não, querida - o homem deixou um sorriso se formar - sou só Sebastian.

- Tudo bem, Sebastian - Kate olhou ao seu redor. O odor inundando suas narinas, o crepitar do fogo alcançando seus ouvidos, o medo tomando conta de seu coração - e onde estamos? Onde está minha mãe?

Kate notou o brilho nos olhos de Sebastian, o engolir em seco, a aceleração de seu coração. Mas também notou um verdadeiro pesar, um sentimento puro.

Jonathan.

Jonathan.

Jonathan.

- Quem é Jonathan?

Sebastian a penetrou com o olhar, faziam anos que não ouvia esse nome, anos que não sentia algo real e muito mais tempo que seu coração não batia da maneira correta.

- Um homem bom.

- E eu vou conhecê-lo? - Kate o fitou.

Sebastian podia ouvir uma voz em sua cabeça dizendo para parar, para aceitar suas sombras, para voltar para escuridão. Mas o som das batidas de seu coração eram mais altas.

- Talvez. 

Kate sorriu, mas antes mesmo de dizer algo mais, outro estrondo ruiu e uma menina um pouco mais alta que Kate surgiu através dos portões. Ela empunhava uma espada longa e seu corpo era delineado por runas que Kate frequentemente via no instituto.

- Meu senhor... - a menina se ajoelhou ao ficar diante de Sebastian.

- Elara.

Com o seu nome, a menina voltou seu olhar para Sebastian. 

Kate jamais viu nada nem ninguém igual, não eram os cabelos e os olhos tão escuros como a noite, nem a sua pele levemente delimitada por sombras e exaltada pelas roupas de couro, mas sim o jeito como a sua boca formou um sorriso ao direcionar seus olhos a Kate. 

Kate pode sentir sua pele enrubescer e cada veia de seu corpo ser preenchida por uma força elétrica, a qual jamais havia sentido antes. Elara aumentou ainda mais seu sorriso.

- Katerina Fraychild Herondale, é uma honra - disse Elara curvando-se ainda mais.

- Apenas Kate, por favor - Os olhos de Elara a penetraram mais fundo e Kate quase foi ao seu encontro, como se fosse um pedido sussurrado no fundo de sua mente. Ou um desejo.

- Diga-me Elara, que nesse meio tempo Lilith ainda não pôs Edom abaixo. - Sebastian deu de ombros.

- Ainda não, senhor - Elara descansou sua espada na bainha em sua cintura - mas jamais duvide de sua capacidade para tal feito.

- Nunca subestime um demônio - disse Sebastian voltando-se para Kate - muito menos uma mulher.

- De fato - Elara disse. - Mas preciso alertá-lo que ela exige a nossa presença no grande salão imediatamente.

Kate pode ouvir um longo pigarrear de Sebastian, mas ele já estava segurando sua mão e a de Elara antes de qualquer outro gesto.

- Aonde vamos? - Kate ousou perguntar.

- Bem, princesa, você precisa mudar de roupa - Elara susurrou.

- Por quê? - Kate voltou a olhar para Sebastian.

- Porque, primeiro, sangue Morgenstern corre em suas veias... - Sebastian invocou suas asas novamente - segundo, você está indo para uma festa -  Kate sentiu as penas sobre seus ombros e os braços de Sebastian a segurando mais forte - e terceiro, porque você vai precisar enfrentar a mãe de todos os demônios e vence-la.

Kate pode sentir a risada de Elara reverberar por seus ossos antes de ser erguida do chão e desaparecer.