- Meu Deus! -Acordei num susto. Estava ofegante e suando horrores, os membros trêmulos e a cabeça à mil. Olhei rapidamente ao redor, e a julgar pela luz que passava através da janela, era um final de tarde qualquer. Deixei meu corpo cair na cama novamente.- Alguém aí?
Nada. Silêncio absoluto, até que o som parecido com uma colher de metal atingindo o chão entregou o fato de alguém estar ali. Alguém ou um gato, vai saber. Ouvi alguns passos e o som da porta se entreabrindo lentamente, até que a figura dele se materializou na ponta dos pés. Ele fez uma careta de quem acabou de ser pego no flagra. Fofo.
- Eu achei que você tava dormindo. Você tá melhor? -Ele perguntou. Hesitei um pouco, porque não sabia ao certo o que responder. Meu corpo parecia ter sido atropelado por um desfile de caminhões.
- É, eu acho que sim. Na verdade, mais ou menos.- Esfreguei meus olhos por um momento.- Tô na merda, Louis. -Suspirei impaciente, encarando o teto.- Na merda.
Ele deixou a bandeja apoiada no móvel de madeira próximo à cama, enquanto secava as mãos na calça jeans e se sentava por cima dos lençóis. Ele ficava lindo vestido com qualquer camisa vermelha, e os cabelos escuros contrastavam muito com a pele demasiadamente alva. Ele se inclinou um pouco pra alcançar a minha testa, tentando checar minha temperatura e saber se era realmente drama meu.
- Não é drama, olha só.- Ele balançou a cabeça pros lados.
- Bem que eu suspeitei que não era. - Soltei uma risada sem graça. Puxei mais o cobertor pra cima de mim, sentindo muito frio e o corpo cansado.
- Você tá queimando de febre.- Ele me olhou, preocupado. Se afastando um pouco de mim, começou a pegar um prato com alguma coisa que eu não conseguia identificar daquela distância, mas o cheiro era muito, muito bom. Era algo com galinha, com certeza.- Fiz uma sopa de galinha com arroz pra você, já que não tá comendo nada há dias. Você não vai melhorar se não comer comida de verdade, Hazel.
- Eu sei que preciso comer, mas não sinto fome.- Segurei a colher de frente pra minha boca, depois de tê-la mergulhado na sopa.- Mas vou fazer isso por você, ok?
- Ok.- Ele sorriu pra mim e acariciou brevemente meus cabelos.
Ficamos assim por um tempo, eu lutando pra terminar a sopa enquanto ele me supervisionava pra que eu não deixasse nenhum grão de arroz sobrando, o Louis falando coisas aleatórias e eu tentando manter o foco nas coisas confusas que ele dizia. Não eram confusas, vai. Eu só tava queimando de febre há alguns dias, então pouca coisa ainda fazia sentido no final das contas. Entreguei o prato nas mãos dele, vazio, para a alegria do meu enfermeiro pessoal.
- Olha, Louis, me desculpa por te dar tanto trabalho. Eu realmente não queria ficar adoecendo assim, minha saúde é uma merda mesmo.- Falei.
- Não é culpa sua de qualquer forma. E eu não me importo de cuidar do amor da minha vida sempre que posso. Tá tudo bem, Hazel, você não é um fardo de forma alguma.- Ele se deitou ao meu lado, me olhando nos olhos.- Eu amo você, sabia? Amo você, com tudo o que eu tenho.
- Eu também amo você, meu amor. Muito.- Acariciei o rosto dele com a ponta dos meus dedos, lentamente, como uma tentativa de não esquecer suas feições nem tão cedo. Meus olhos se encheram de lágrimas, mas o Louis parecia não entender o significado delas. Caíram pesadamente, rolando pelo meu rosto, e eu passava os pulsos pelas bochechas tentando secá-las.- Vai ficar tudo bem, Louis. Vai dar tudo certo.- Eu falava aquilo mais pra mim que pra qualquer pessoa que estivesse ouvindo. Ele me abraçou com força, e eu não senti mais os minutos se passando.
Acordei pelo menos meia hora depois, com o Louis do meu lado me fazendo perguntas na cama. Ainda estava meio atordoada de sono, quando finalmente consegui entender a primeira frase.
- Hazel, é você que tá fazendo esse som estranho?- ele me perguntou, franzindo o cenho.
- Que som?- Minha voz estava pesada de sono, as palavras saindo puxadas acompanhadas de um bocejo no final da pergunta.- Eu não entendi, eu tô roncando?
- Não, não. É uma respiração...- Ele falou mais baixo.- pesada. Mecânica.
- Não acho que eu...- Fui interrompida por um chiado alto e sofrido vindo do lado de fora do quarto.- Que porra foi essa?
-Sshhhh, Hazel. Silêncio.- Ele colocou o indicador próximo aos lábios, levantou e foi até a porta, encostando sua orelha nela.- Tenta escutar isso outra vez.
Fizemos silêncio no quarto, nós dois. O silêncio durou o que parecia uma eternidade, e só era possível ouvir o som do farfalhar das folhas ao vento vindo da janela. De repente o chiado voltou, e mais alto, no ritmo de uma respiração desesperada, dolorida, quase artificial. O quarto vibrava a cada vez que o ar era inalado e então, exalado outra vez. Comecei a me sentir tonta pelas vibrações, e o Louis começou a se afastar da porta e gritar que precisávamos sair dali à todo custo. Então vozes começaram a ecoar pelo quarto, quando decidimos que deveríamos sair de lá.
"Precisamos injetar a medicação novamente, Alex", uma voz dizia, seguida de outra voz masculina, que julguei ser o Alex. "Não podemos, doutor. A medicação está em falta, o estoque acabou. Uma solicitação tem que ser feita ao estado". "O que faremos então?", o doutor pergunta. "O que fazemos de melhor, doutor. Teremos que improvisar".
Foi quando eu senti meu peito doer intensamente, e Louis me puxou pelo corredor tentando fugir da estrutura frágil que meu quarto se tornou, vibrando a cada respiração do curioso ser humano provavelmente muito maior que eu e o Louis juntos. Corremos até minhas pernas começarem a vacilar, o corredor desaparecendo rapidamente atrás de nós, deixando um vácuo no lugar onde antes as paredes ocupavam espaço. O chão de concreto parecia peças de lego se desencaixando, uma logo após a outra, chegando rapidamente e perigosamente rápido aos nossos pés. A queda infinita seria inevitável.
- Hazel, não para agora, não para agora!- Louis gritou, ofegante. Ele segurou minha mão com mais força enquanto corria, olhando para trás na minha direção.- Mais rápido!
Não consegui gritar de volta, mal tinha fôlego pra me manter de pé. Gritar uma resposta para o Louis seria decretar minha sentença de morte. Entretanto, meus joelhos começaram a ceder com o meu próprio peso, e eu não consegui evitar cair no chão que ainda não tinha desabado junto com o resto da estrutura que tínhamos percorrido.
-Louis, você precisa ir.- Ele hesitou olhando pra mim.- Você precisa ir, agora!
- Eu não posso te deixar assim, Hazel.- Ele olhou para o chão que desabava, se aproximando mais e mais de onde estávamos. Ele me puxou e me carregou nas costas, correndo o máximo que pôde enquanto levava o peso dos nossos corpos ao mesmo tempo, numa corrida contra o vazio e a escuridão total lá embaixo- e consequentemente, contra a morte.
- Você vai ter que me deixar aqui, eu tô falando sério, Louis. Você vai se cansar muito rápido, eu vou acabar levando você pra cova junto comigo.- Me apoiei no chão, olhando pra ele.- Por favor, Louis. Me deixa pra trás. Vai embora, agora!
Ele beijou minha testa e se afastou rapidamente de mim. Fiquei de pé novamente, com dificuldade, e me virei pra olhar o abismo que me esperava, logo abaixo. A voz do Alex voltou, ecoando no ambiente em que eu estava. "Não temos muitas opções, doutor. Precisamos reanimar agora, caso contrário os danos serão permanentes". Então, a outra voz ecoou logo em seguida: "faça o que for preciso, Alex".
O concreto abaixo dos meus pés cedeu completamente, eu caí direto no abismo enquanto meu peito ardia em chamas e o ar parecia se recusar a entrar nos meus pulmões.
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With love, Hazel
Science FictionMe assusta olhar para o vazio lá fora e me identificar com ele. Queria não pensar tanto. Queria deixar tudo pra lá. #5 - nostalgia #6 - nostalgia #7 - nostalgia #18 - sci-fi