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Algumas peças ainda não tinham sido capturadas quando minha cabeça começou a doer levemente, talvez porque o Carter fosse um oponente à altura e desse mais trabalho que o normal no xadrez. Ele movia as peças com firmeza, como se cada movimento salvasse um pedaço de tamanho ínfimo do seu passado, mas ainda assim era um pedaço. A impressão que eu tinha nesses últimos anos era a de que constantemente as pessoas buscavam os bons momentos que se passaram e não voltam mais, inclusive eu. Tento lutar contra isso na maior parte do tempo em que não estou trabalhando em algo que envolva a estação espacial, o que me faz ser uma eterna maratonista, correndo incessantemente atrás de cadáveres que são as lembranças que guardo com cuidado, como peças de cristal frágeis demais dentro de uma existência grosseira e nada lapidada que é tudo isso em que estamos inseridos - uma eterna maratonista, apenas enquanto eu viver e precisar, além disso, conviver com a maldição que é ser um indivíduo portador de uma consciência dentro de um universo que aparentemente vai passar por cima de tudo e todos, independente de qualquer coisa. Talvez o preço de ser consciente seja tentar recuperar à todo custo o que não tem volta.

É quando o Carter move sua rainha numa diagonal completa, cortando o tabuleiro em partes perfeitamentes proporcionais, que me pergunto onde estava (e como), afinal,  o criaram: o conceito de darmos sempre o nosso melhor o tempo todo; Viver ao máximo e aprender ao máximo mesmo que inseridos em situações adversas parecia ser um pensamento extremamente tentador de se refletir sobre, contudo inevitavelmente acabava por induzir as criaturas pensantes à flertar com sua antagonista: a ideia de um final inexorável, destruidor de homens, matéria num geral e galáxias inteiras. Mas, acima de tudo, destruidor de memórias.

- É assim que se perde a guerra contra o tempo, não é?- Falei, quase num sussurro, mas que foi o suficiente para que Carter conseguisse ouvir.   

- Sempre é.- Ele afirmou. Movi meu cavalo de forma a posicioná-lo da melhor maneira possível, sabendo da minha derrota iminente. Eu tinha certeza de que aquela partida durou esse tempo todo porque Carter me permitiu, pois, se realmente quisesse, teria me destruído nos primeiros cinco movimentos. Ou talvez menos que isso.

- The world was on fire and no one could save me but you...- Comecei cantando, esperando Carter me acompanhar. Ele apenas olhou de relance e voltou os olhos pro tabuleiro.- It's strange what desire will make foolish people do...- Continuei.

Ele resmungou.

- I never dreamed that I'd meet somebody like you.- Ele completou.- Vamos continuar a partida?

- Agora que você continuou a música? Nem pensar.- Falei.- And I never dreamed that I'd lose somebody like you...

Cantamos em uníssono.

- No, I don't wanna fall in love. No, I...don't wanna fall in love...

- With you.- Cantarolei.

- With you.- Carter completou.

- O final da musica é a parte mais empolgante.- Afirmou.

- Como é o final da musica?

Ele derrubou meu rei no tabuleiro usando o indicador, o jogo tinha acabado, sem nenhuma saída possível para a minha peça principal.

- "Nobody loves no one".- Ele disse, levantando para voltar ao trabalho com as plantas e me deixando para juntar as peças sozinha.- É uma boa música.- Ele disse, já de costas para mim.

With love, HazelOnde histórias criam vida. Descubra agora