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Carter tinha terminado de tomar seu café há alguns minutos quando meu corpo começou a tremer de leve. Era quase imperceptível, mas levando em consideração o fato de que eu estava imóvel numa provável e estranha crise existencial, não pude deixar de perceber as vibrações, por mais suaves que fossem.

- Quando foi a última vez que vocês deram uma olhada nos reguladores de temperatura? - perguntei a Carter, desviando o olhar distraído das minhas próprias mãos.- Espero que vocês não tenham vacilado com isso.

- Ah, então. Acho que semana passada? - falou ele, despreocupado.- Por quê?

- Semana passada? - senti minha voz se alterar um pouco.- Pelo amor de Deus, Carter.- Consegui detectar uma pontada de preocupação na expressão dele. Tomei impulso empurrando a parede que usava como apoio há alguns segundos. - Qualquer erro aqui é fatal. Não estamos mais na Terra, se é que vocês não perceberam ainda.

Continuei flutuando, apesar de não saber muito bem se posso chamar isso de "flutuar". Quando percebia que estava indo rápido demais, me apoiava em alguma coisa. E quando digo alguma coisa geralmente são estruturas cinzentas ou brancas de metal frio totalmente sem graça no interior do ônibus espacial, porque no final das contas nada ali foi feito pra agradar a arquiteta perfeccionista e chata dentro de mim. Bastava aquela coisa não matar a gente sem ar.

Ou congelados, né Carter?

Fui até os reguladores de temperatura, me apoiando na caixa prateada que guardava os componentes. Existiam 4 interruptores, e com a combinação certa o ambiente poderia ficar mais ameno. Alguma coisa estava estranha dentro da caixa, mas eu não sabia dizer exatamente o quê. Movi o primeiro interruptor sem dificuldade alguma, e o mesmo processo se repetiu com outros dois. Quando tentei mover o quarto, ele emperrou na metade do caminho. Movi a alavanca à posição inicial, e puxei pra baixo outra vez. Ela emperrou novamente.

- Hazel, tá tudo bem aí? - Ethan gritou.

- Nada que eu não possa resolver. - Respondi de volta.

Fui atrás de uma caixa de ferramentas, em outro compartimento. À essa altura a tripulação já tinha se separado depois da refeição, e todos voltaram às suas respectivas funções. Abri os anexos rapidamente porque o frio me incomodava e eu queria fazer qualquer outra coisa que não fosse consertar um regulador de temperatura, até que vi uma caixa com tamanho razoável e uma faixa preta atravessando a linha média de sua estrutura. Segurei-a, fechei a portinhola do anexo em que ela se encontrava e peguei impulso na parede, sem olhar pra frente. Esbarrei com a Elizabeth, por descuido meu e dela (usava um tablet no momento em que trombamos).

- Porra, Lizzie.- quase soltei a caixa no impacto e recuei um pouco.- Desculpa, eu tô com muita pressa, preciso ir.

- Precisa de uma mão? - Lizzie olhava pra caixa de ferramentas. Ela começou a prender o cabelo preto num rabo de cavalo.- Talvez eu possa ajudar.

- É, eu vou precisar mesmo de uma mãozinha.- Falei enquanto passava pela porta e ia em direção à caixa prateada do regulador, com Lizzie vindo logo atrás de mim.

Quando nos aproximamos dos reguladores, deixei a caixa com Lizzie enquanto eu manuseava as ferramentas e analisava melhor o problema. Peguei uma lente e olhei o interior da fenda, pra descobrir o que fazia a alavanca emperrar e impedia que a temperatura no interior do ônibus espacial pudesse ser alterada.

- Lizzie, me passa a lanterna.- estendi a mão para o lado, na direção dela.

- A pequena mesmo? - ela arqueou uma das sobrancelhas e começou a remexer a caixa.

- Sim, não acho que vou precisar da maior agora. - Falei. - Dependendo do problema, vou usar depois.

Voltei a me concentrar no interior da fenda, dessa vez usando a lanterna para me auxiliar. Percebi um brilho metálico lá no fundo, como se fosse um cilindro. Abaixei a alavanca enquanto apontava a lanterna para o cilindro, e percebi que a alavanca emperrava exatamente onde ele estava. Procurei por algo na caixa de ferramentas que me ajudasse à segurar a peça e removê-la de lá, e achei algo parecido com uma pinça comprida, perfeita para entrar na fenda e segurar o cilindro. Após remover a peça metálica, puxei a alavanca até o final, sem nenhum problema.

- É, ao que parece você salvou o dia, Hazel.- afirmou Lizzie, com uma pontada de animação na voz. Suas bochechas quase pareceram corar ao dizer isso e eu sorri de volta, enquanto sentia a temperatura começar a se estabilizar. Fechei a tampa do regulador.

Coloquei a lanterna e a pinça de volta na caixa de ferramentas e Lizzie levou de volta ao compartimento. Passei por pelo menos mais dois compartimentos, mas sem entrar em nenhum deles. As peças dentro desse lugar não ficam soltas de forma que entrem em qualquer lugar aleatório, muito menos numa fenda que fica num interior de uma caixa que tem a portinhola fechada o tempo todo. Não, tudo aqui é organizado demais. Até pra fazer cocô você segue protocolos, literalmente jogar merda no espaço por sucção. Quando finalmente cheguei na entrada do meu inferno particular, passei meu cartão de acesso no leitor no canto direito da porta, e ela emitiu um bipe agudo. Entrei sem hesitar, e ela se fechou atrás de mim.

Comecei a sentir uma ânsia de vômito, minha intuição me cutucando com um "Ei, Hazel. Tem alguma coisa muito errada aqui!". Ignorei a voz irritante e tentei voltar aos meus cálculos. Não foquei nem por cinco minutos, voltando à lembrar do regulador. Não, aquilo não pode ter sido proposital. Ninguém seria capaz de colocar a vida da tripulação em risco, nem minimamente. Balancei a cabeça, como se isso fosse espantar os pensamentos intrusivos, e tentei voltar a atenção ao trabalho de uma vez por todas.

With love, HazelOnde histórias criam vida. Descubra agora