Ruggero
Florença
PassadoGosto do silêncio da madrugada. Na verdade, de silêncios de
uma maneira geral.
Nesse instante em que o mundo todo dorme, eu não preciso
fingir sentimentos.
Enquanto empurro a portinhola de madeira pesada, lascada
pelo tempo, tento me lembrar quando foi a última vez em que estive
aqui, mas não consigo.
Uma sensação boa para caralho se espalha pelo meu peito
ao saber que mesmo depois de tantos anos, Mattia continua
deixando a porta do porão destrancada, como se ainda esperasse
que eu fosse aparecer a qualquer momento.
Eu fazia muito isso quando era adolescente.
O porão da casa dele é praticamente uma suíte de um hotel
cinco estrelas, mas ainda assim, nem eu mesmo consigo entender
porque, depois de adulto, não vou para qualquer outro lugar.
Há muitos anos já não sou aquele garoto perdido que
precisava se esconder da merda que era sua realidade, sou um
homem feito, um empresário sem ter alguém para dar satisfação.
Tento entrar fazendo o menor barulho possível porque não
quero acordá-lo, mas acabo esbarrando em um abajur.
Merda. Talvez esteja um pouco mais bêbado do que eu
pensava.
Eu me dispo, ficando só de cueca. Nem cheguei a acender a
luz, mas mesmo assim, por ser uma noite enluarada, um clarão
vindo da pequena janela perto da entrada externa, permite que eu
consiga ver o contorno dos móveis e objetos.
Fecho os olhos, tentando dormir. Foi por isso que bebi, em
primeiro lugar: para esquecer esse dia fodido.
Desde a adolescência não tomo mais tanto álcool como fiz
hoje, mas essa noite eu precisava do alívio da inconsciência.
Esquecer que meu sobrinho Nicolo
, o menino que poderia ter sido
meu filho se as coisas fossem diferentes, está morto.
Não sei quanto tempo se passa desde que cheguei, até que
ouço o barulho da porta interna, que vai dar na cozinha de Mattia, se
abrindo.
Primeiro acho que é um sonho, depois, que é meu velho
amigo, que entendeu que tinha de volta seu antigo hóspede.
Entretanto, levo poucos segundos para perceber que as passadas
são suaves demais para pertencerem a um homem.
— Quem é? — pergunto como se fosse o dono do lugar e
não um intruso que invadiu uma mansão centenária.
— Sou eu, karol , Ruggero. — Ouço a voz doce da neta
de Mattia como resposta.
Mesmo em meu estado semi-embriagado, sei que deveria
mandá-la embora. Estou quase nu e karol é só uma menina de
dezenove anos incompletos. Antes que eu possa tomar qualquer
atitude, ela para ao meu lado do sofá.
Nos encaramos em silêncio.
Percebo que está me olhando mais pela posição de sua
cabeça, já que na penumbra eu não consigo identificar seus olhos,
embora conheça a cor deles muito bem: são verdes claros, límpidos,
inocentes.
— O que está fazendo aqui, karol ?
— Vim ver se está tudo bem com você.
— E como sabia que era eu?
— Vovô me disse no outro dia que fazia muito isso quando
era adolescente. Quando ouvi o barulho… bem, devido ao que
aconteceu hoje, achei que podia ser você.
— Vá embora. Não preciso de companhia. Além disso, não
deve ficar sozinha com um homem quase seminu no meio da
madrugada.
— Não sou mais criança e também não sinto medo de você.
Ela não se mexe e ainda que eu saiba que é errado, meus
olhos passeiam pelo corpo coberto por uma pequena camisola
branca, muito colada. Não há nada de sexy na roupa, até onde
posso notar. Ao contrário, é muito casta, mas nela fica sensual,
grudando-se às curvas que até hoje nunca havia me permitido
pensar a respeito.
Sou um cafajeste no que diz respeito às mulheres, mas
jamais me aproximo daquelas que têm qualquer ligação com a
minha família. E de todas com as quais eu poderia cometer esse
erro, karol é território completamente proibido.
— Não vou te deixar aqui. Seu dia foi horrível. Não quero que
fique sozinho hoje, Ruggero.
— Não sabe o que está dizendo ou mesmo tem ideia do que
eu preciso — falo, pronto para expulsá-la do porão.
Sua determinação em me fazer companhia, aliada ao tom
ligeiramente rouco da voz e o corpo sexy, estão me deixando com
tesão.
Em um dia bom, eu não sou homem para me envolver com
uma garota como karol , mas hoje, com meus sentimentos
voláteis, com a dor dentro do meu peito que parece me rasgar como
uma lâmina afiada, eu sou a pior pessoa para se ter por perto.
— Não me mande embora — diz e se senta na beira do sofá.
A pele de seu joelho, quente como brasa, encosta nas
minhas costelas e meu corpo reage.
Culpo o álcool por confundir meu cérebro e transformá-la da
garotinha que vi crescer em uma deusa sedutora.
— Vá dormir, karol . O que quer que esteja passando pela
sua cabeça, vai se sentir mal para caralho quando acordar amanhã.
Não sou o tipo de homem o qual você deva se manter perto.
— Não tem nada passando pela minha cabeça a não ser lhe
dar meu apoio, Ruggero. Deixe-me ficar.
Não sou tolo. Sei o que ela está me oferecendo. O que não
tenho certeza, é se ela sabe o quanto é perigoso para seu coração
inexperiente, se envolver com um homem como eu.
Claro que eu já percebera a garota me olhando nas vezes em
que nos encontramos em visitas que fiz a seu avô, mas creditei
aquilo a uma paixonite de uma adolescente tentando descobrir o
próprio poder de sedução. O problema é que nada em karol
atualmente a faz parecer uma menina. Ela é toda mulher. Uma
delícia.
Não costumo negar prazeres a mim mesmo, principalmente
os sexuais, mas nesse instante há uma guerra fodida em meu
interior.
Por tudo que sei dela, é pura, sem qualquer vivência, já que
Mattia a tem sob rédea curta.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Segunda Chance
FanfictionUma garota com um passado corrosivos. Um ex-galinha com cicatrizes externas e internas. Um amor que pode salvar ambos... ou destrui-los de vez.