Karol

— Você não está prestando atenção ao que eu disse, Karol  — meu namorado reclama

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— Você não está prestando atenção ao que eu disse,
Karol  — meu namorado reclama.
E você não está prestando atenção em mim, como sempre,
então de onde eu vejo, há um empate aqui.
Olho para o lado, pela primeira vez desde que desci,
encarando o homem que, assim como eu, ostenta um sobrenome
digno da realeza — ainda melhor do que o meu, na verdade, porque
no currículo de Emílio Osório Marcos não há uma mancha na
reputação. Seus pais são a imagem da família perfeita.
Estremeço quando uma fisgada atinge minha têmpora direita.
A dor de cabeça, que antes de eu descer a escadaria da
mansão do meu avô era só uma ameaça, agora faz meu cérebro
latejar, como se uma banda de rock alternativo estivesse dentro
dela.
— Eu ouvi sim, só não tenho qualquer comentário para fazer
a respeito.
— Como não? Tem que estar inteirada desses assuntos para
quando, no futuro, dermos festas em nossa casa, saber o que
conversar com os convidados. Encare isso como uma espécie de
treino.
Acredite, eu tenho treino suficiente no plantão do hospital a
cada setenta e duas horas quando tento, junto à minha equipe,
evitar que alguém morra.
Entretanto, sei que não adiantaria falar. Emílio só ouve o que
quer.
Observo com atenção o homem que há meses tem aparecido
comigo nas revistas de celebridades.
Emílio é, como ele mesmo faz questão de me lembrar,
cobiçado por todas as solteiras da alta sociedade italiana.
Moreno , porte atlético, primeiro aluno de uma prestigiada
faculdade de Administração nos Estados Unidos, onde ainda
estuda. Meu namorado é a perfeição encarnada. Então por que eu
não consigo me sentir feliz ao lado dele? Ao contrário, quanto mais
tempo passa, mais eu me sinto sufocar.
Por dentro, estou suspirando, irritada. Por fora, sou a imagem
da passividade que tanto agrada ao único homem da minha vida.
Assim, ao invés de virar as costas e deixá-lo falando sozinho,
mantenho o rosto neutro ao responder.
— Sempre estive presente ao lado do meu avô nas
recepções que ele oferece. Mattia nunca fez qualquer reclamação
quanto ao meu comportamento.
Eu deveria parar por aqui. Deixar o assunto morrer porque já
aprendi que Emílio não fala para o expectador ao lado, mas para si
mesmo. Pura retórica, como se amasse o som da própria voz.
Entretanto, hoje, o gênio ruim que mantenho guardado a sete-
chaves, teima em emergir, então decido completar:
— Mas só para esclarecer, não há porquê você se preocupar
com a inadequação do meu comportamento. Somos apenas
namorados. Não sabemos nada um do outro para já planejarmos o
futuro.
Ele me olha chocado, como se eu tivesse xingado sua mãe
na frente da festa inteira.

— Não precisamos nos conhecer tão bem assim. Meus pais
namoraram apenas dois meses antes de serem abençoados pelo
padre e mais de mil e quinhentos convidados em seu casamento.
Temos o principal.
— Amor? — falo, sem conseguir resistir em provocá-lo
porque mesmo o mais desatento dos observadores saberia que
nossa relação não chega nem a uma milha de interesse romântico.
O pai dele e meu avô são sócios e amigos de longa data.
Enquanto eu crescia, sempre nos encontrávamos, mas não havia
qualquer interesse da minha parte. Eu o achava pedante demais e o
que no meu avô pode ser charmoso ocasionalmente, nele parecia
somente chato.
Poucos anos mais velho do que eu em meus quase vinte e
um, ele foi estudar nos Estados Unidos. Na primeira reunião que
nós dois participamos, em uma de suas voltas para casa, ele
parecia diferente. Menos formal e até mesmo me fez rir.
Com a minha obsessão em relação a Ruggero, achei bem
saudável tentar investir em alguém, mesmo que a última coisa que
passe pela minha cabeça seja casamento. Eu não pretendo cair
nessa armadilha tão cedo, se é que cairei algum dia.

Enfim, na época em que ele me convidou para sair e na
mesma noite, me pediu em namoro, pareceu certo direcionar meu
interesse para alguém real ao invés de uma fantasia que nunca se
concretizaria, então aceitei.
Nas primeiras semanas, por estarmos ambos de férias, foi
incrível. Emílio é meu primeiro namorado, então sair sozinha com
um rapaz, jantar, receber flores, ir a festas juntos, tudo isso, pareceu
quase um conto de fadas.
O problema é que nosso relacionamento não evoluiu depois
daquela primeira semana.
Fora as lembranças constantes sobre o meu comportamento
que o fazem parecer mais um pai do que um cara com quem eu
deveria estar aproveitando a vida, não fomos além de beijos castos
e passeios de mãos dadas — e assim mesmo essas ocasiões são
bem raras, já que ele não gosta de demonstrações públicas de
afeto.
Tudo bem, eu entendo que ele me respeite.
Acho que em função do meu avô ser quem é e também pelo
fato de que eu tenho quase certeza de que há um “virgem” escrito
na minha testa, Emílio nunca tentou nada nem perto de fazer sexo
comigo. Mas eu acho bem esquisito que depois de meses não tenha
tentado nada.
Quero dizer, não sou exatamente apaixonada por ele ou
mesmo me sinto loucamente atraída, mas isso não significa que
quando nos beijamos por mais tempo meu corpo não desperte. No
entanto, cada vez que isso acontece, ele parece pressentir e me
afasta.
— Amor é um sentimento supervalorizado — ele finalmente
responde. — Viemos de uma boa linhagem e nos damos bem. Não
é algo fácil de se obter hoje em dia.
— Eu me dou bem com um monte de gente do meu curso e
nem por isso penso em casar com qualquer uma daquelas pessoas.
Acho que você está assumindo demais sobre nós dois.
Geralmente não o enfrento assim, não porque o tema, mas
por pura preguiça.
— Você entendeu perfeitamente o que eu quis dizer, karol .
Cada vez mais eu percebo que estou cometendo um erro
levando esse relacionamento adiante.
Eu tinha toda intenção de pôr um fim em nossa curta história
esse mês, inclusive, mas fui aceita para fazer um estágio em Nova
Iorque, no hospital que pertence à família do renomado
neurocirurgião Athanasios Pappakouris
, então vou nos dar mais
uma chance.
Como Emílio estuda em Boston, relativamente perto de Nova
Iorque, quem sabe longe da opressão da alta sociedade italiana não
consigamos descobrir mais coisas em comum?
— Na verdade, não entendi não, mas será que isso tem
alguma importância?
Ele toma um pouco de distância e me olha de cima a baixo.
— O que deu em você hoje? Primeiro, aparece vestida assim
— diz, e eu não me surpreendo, já que tanto ele quanto vovô
franziram a testa ao verem meu vestido — Agora, vem com ironias.
Estou desconhecendo a menina doce que eu pedi em namoro.
Precisa controlar seu temperamento.
Conto até dez mentalmente, pensando que meu avô não
merece um escândalo em sua festa e como sempre acontece,
sufoco o que sinto vontade de dizer.
— Para não lhe causar aborrecimentos, talvez seja bom que
eu vá dar uma volta, Emílio. Quem sabe assim eu consigo pensar
com clareza e controlar meu temperamento?

Sem esperar resposta ou olhar para trás, saio do salão
principal em direção ao jardim.

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