Entre Mundos

Capítulo 1

Ben caminhava atrás de seus irmãos de coração enquanto se dirigiam para dentro da casa na montanha abandonada, montanha da antiga Prisão, estava pensativo e se sentindo mais culpado agora do que nunca.

Ele passa as duas mãos pelos cabelos escuros, refletindo sobre o porquê de não ter contado à sua família quando aconteceu, e por que nem mesmo Kyla tinha visto em suas visões malucas.

Tinha feito daquilo um segredo, e nunca guardava segredos de sua família.

-Pensando na bruxa? - A voz de Orion atrai sua atenção.

Na verdade ele só tinha ganhado sua atenção por se referir a princesa bruxa que morava literalmente em outro mundo.

-Pensando na princesa? - Devolve abrindo um sorriso irônico.

Estavam parados agora, Kyla e Anthony já dentro na casa, Orion encostado no batente da porta. O garoto de olhos azuis sorri maliciosamente.

-Sempre. - Confessa antes de franzir o cenho. - Você parece distante. O que houve?

Ele o conhecia. Eles o conheciam. Tinham sido criados juntos, treinavam juntos, aprontavam juntos, os quatro sempre estavam por perto. Mesmo que as vezes fossem só três, já que Kyla costumava passar bastante tempo com Aegir e Keelie, eram um quarteto.

Benjamin desejou revelar seu segredo, mas tudo o que conseguiu foi alargar o sorriso.

-Asterin. - Diz.

O que não era mentira, já que a bruxa passava boa parte do tempo em sua mente, em seus sonhos e fantasias mais obscenas. Ela realmente mexia com sua cabeça, e ele a odiava por isso. Talvez odiar fosse uma palavra muito forte.

-Brigaram de novo? - O mais velho pergunta.

-E alguma vez conseguimos ficar sem brigar?

Outra verdade. Desde pequenos, Ben e Asterin se odiavam, não conseguiam ficar um minuto sequer sem provocações ou indiretas.

Mas um dia, quatro anos atrás, quando ambos ainda tinham quinze anos, eles passaram do limite. Todos os amigos tinham se reunido para nadar em um dos lagos de Terrasen, mas apenas ele ficara até escurecer, observando as estrelas. A bruxa tinha se aproveitado de sua distração e simplesmente desapareceu com suas roupas. Ele ficara possesso, não era a primeira vez que ela fazia algo do tipo, saira da água apenas de cueca, sem se importar com o frio que arrepiava todos os pelos de seu corpo, marchou na direção dela bufando de ódio, estava prestes a começar a gritar obscenidades quando notou o rubor nas bochechas pálidas dela e viu a oportunidade perfeita de retrucar. Um sorriso irônico surgiu em seus lábios.

-O que foi, Asterin? - Ela nada respondeu, ele se aproximou. - O morcego mordeu sua língua?

A garota inclinou a cabeça, os cabelos negros caíram por seu ombro, os olhos dourados brilharam em desafio, a luz da lua deixava sua pele ainda mais clara.

-Você bem que gostaria. - Sua voz tinha aquele tom de ironia que sempre tinha quando falava com ele. - Mas só nos seus sonhos.

-Eu disse o morcego, - O sorriso de Ben ficou ainda maior. - e você o associou a mim.

Mais uma vez as bochechas da bruxa ficaram ruborizadas, o garoto agiu por impulso, traçou a vermelhidão com as costas dos dedos. Eles nunca chegaram a se tocar antes disso, a não ser para provocar um ao outro. Ele esperava que ela fosse se afastar ou afastá-lo, se não pelo toque dele então pelo frio, mas Asterin se aproximou e ele desceu a mão para sua nuca, posicionando a palma ali.

-Você não é um morcego, - Ela disse, e sua voz saiu rouca. - é só um mestiço valg.

Ben posicionou sua outra mão, observando atentamente o modo como sua respiração estava desregulada e como sua boca se movia. Era sempre tão tentador quando ela falava? Ele aproximou seu rosto do dela, encontrando seu olhar.

-E você uma mestiça bruxa. - Sussurrou.

Os lábios dos dois se tocaram lentamente, os braços da garota envolveram a cintura dele e o puxaram para mais perto. A partir daquele momento, as provocações se tornaram diferentes.

-Realmente. - Orion ri. - Me pergunto quando vocês vão se acertar.

-O dia que ela deixar de ser tão estúpida e arrogante.

-E por acaso você é diferente? - Ergue uma sobrancelha.

-Você é o meu melhor amigo ou o dela? - O de olhos verdes cruza os braços.

-Não venha com ciúmes agora, querido. - O garoto de olhos azuis pisca um olho. - Sabe que só tenho olhos para você.

-E eu para vocês dois, agora venham já aqui!

Ambos riem ao escutar a voz grave de Anthony sair de dentro da casa, seguida de uma risadinha de Kyla.

-Ele é tão ciumento. - Orion revira os olhos.

-Dezenove anos e ainda não aprendeu a dividir. - Ben bufa, fingindo se sentir ofendido.

Os dois machos adentram a casa. Eles ainda não haviam encontrado um nome para o lugar, mas por enquanto o chamavam de refúgio, já que fugiam para lá desde pequenos para evitarem castigos.

O refúgio era uma confortável casinha de campo construída por Rhys, Cassian e Azriel no intuito de ter o mesmo propósito do chalé na neve. Porém, o Grão-Senhor havia cedido quando levou Orion e Kyla para visitar e viu o quanto as crianças gostaram, decidiu então que aquele lugar poderia ser útil para eles um dia. E era.

Como o chalé na neve, a casa de campo era de madeira rústica, pequena por fora, mas bastante espaçosa por dentro. Suas paredes eram decoradas com pinturas, mas diferente do chalé, essas eram pinturas de Orion e Kyla. Do lado de fora, espalhadas pela grama, diversos tipos e cores de flores.

A garota já tinha trocado seu vestido por uma blusa e uma calça quando eles entraram, estava sentada de frente para um dos poucos espaços vazios na parede, latas de tinta e pincéis espalhados ao seu redor.

-Não espera mais por mim? - Orion questiona, colocando a mão sobre o coração. - Traidora!

-Você demora demais. - Ela revira os olhos.

Os olhos de constelações do garoto brilharam ao encontrar um espaço vago ao seu lado, ele levantou a mão direita e suas roupas foram trocadas por um uniforme de pintura, sentando-se logo depois para começar.

Ben se joga no sofá ao lado de Anthony, que tinha um livro nas mãos.

-O que vai pintar hoje, Kyla? - Pergunta.

-Um rio.

Seu corpo quase desmorona de alívio, fazia muito tempo que Kyla não pintava coisas ruins, o que era muito bom, considerando que a última coisa ruim que havia pintado tinha deixado sequelas em seus pais que ele não sabia se um dia seriam curadas.

-Mas... - A garota continua, atraindo a atenção dos três para si. - Acho que também vou pintar um relógio.

Benjamin engole em seco.