CAPÍTULO TRÊS

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ATENÇÃO: este capítulo possui menções a morte (de animais, principalmente), abuso psicológico e mutilação, caso tenha sensibilidade com tais assuntos, não é recomendável a leitura.

pesadelos particulares

Antes de Azriel ter idade o suficiente para compreender o mundo; quando sequer havia experimentado a sensação de liberdade, elas sempre estiveram lá, como companheiras nas noites tempestuosas e dias solitários.

Aqueles sussurros incompreensíveis não o incomodavam, mesmo quando acreditava piamente que tais vozes cantarolando fossem somente alucinações, a linguagem única e soprada das sombras o acalentava, seus murmúrios constantes não o assustavam, afeiçoou-se ao poder que emanavam. No entanto, naquele momento, sentiu-se sozinho, abandonado por aquelas que o confortavam.

A escuridão não lhe pertencia mais, pelo contrário, elas recusavam-se a responder seus chamados desesperados. Diante dos clamores aterrorizados de Azriel, como uma reconstituição perfeita, a imensidão do nada que o cercava moldou-se até formar a jaula que protagoniza seus piores pesadelos, mudando para assemelhar-se ao quarto onde passou sua infância.

Apesar dos séculos que Azriel viveu tentando ignorar as lembranças, não poderia negar a familiaridade, como o colchão mofado próximo à minúscula janela com grades que ele não alcançava sem o auxílio de um apoio, pela qual a luminosidade do sol e lua adentravam o lugar, iluminando parcialmente o ambiente.

Em meio ao silêncio, o barulho dos passos que vinham do corredor ecoaram por todo o pequeno cômodo, acompanhados pelos risos e as vozes murmuradas de seus irmãos.

Azriel paralisou. Não conseguia recordar do momento que entraram no quarto improvisado, somente pressionou as asas amarradas brutalmente por tiras grossas e ásperas de um couro envelhecido contra a parede úmida, rezando para qualquer deus ou ser que o escutasse, implorando à escuridão para afogá-lo no vazio onde pudesse fugir do destino que o aguardava.

Ninguém iria salvá-lo, ele sabia.

Lágrimas marcavam suas bochechas sem controlá-las, nem sequer pode reagir antes de ser totalmente imobilizado por mãos fortes. Mesmo tentando lutar, se desvencilhar dos irmãos foi inútil, logo conseguiram novamente subjugá-lo como vítima de suas brincadeiras cruéis.

A dor chegaria, ele sabia, e quando finalmente a experimentou, ele soube que não aguentaria.

Azriel engasgou com a própria saliva, sentindo o ar desaparecer dos pulmões, enquanto vivenciava a sensação da pele de suas mãos derretendo, pelo menos até seus berros desesperados tornarem-se silenciosos diante de tamanho sofrimento.

Seus irmãos fugiram como os covardes que sempre foram ao perceberem a aproximação dos soldados que patrulhavam a fortaleza, largando-o como um brinquedo que descartaram por não ser mais tão divertido.

Assim como deveria sempre ter sido, suas sombras novamente o acolheram, transformando o pesadelo em um amontoado de escuridão, nem percebeu que já não estava mais sonhando.

O mestre-espião da Corte Noturna sentia-se novamente como uma criança, um pequeno illyriano privado de qualquer liberdade; alguém que não conseguia lidar com os próprios traumas. De nada seu título era útil encolhido sobre a cama amarrotada, cercado por suas amigas que lhe protegiam de si mesmo.

Eu sou livre. Ninguém pode me machucar. Eu sou livre. Ninguém pode me machucar. Eu sou livre. Ninguém pode me machucar. Eu sou livre...

"Isso é viver?" pensou Azriel, sentindo o oxigênio voltar a preencher seus pulmões e os tremores se apaziguando. "Existir com receio de viver e dormir com medo de sonhar?"

TALKING TO THE MOON || lurielOnde histórias criam vida. Descubra agora