Capítulo 02

446 95 368
                                    

Judy errou todas as perguntas do quiz, não acertou nem mesmo qual era a capital da França. Estudou tanto, se esforçou ao máximo e obteve um resultado infeliz. Era de desanimar qualquer um.

As luzes da cozinha apagaram-se, e ela soube que os pais já iam dormir, esperou mais uns minutinhos para chorar livremente, sem medo de ser encontrada. Ler era seu ponto fraco, se existisse uma forma dela aprender aqueles conteúdos horríveis sem ler todas as páginas daquele livro didático chato e desinteressante, aproveitaria os dias de estudo melhor.

Fechou todas as abas do navegador e entrou no facebook, poderia procurar, mais tarde, algum vídeo divertido de curiosidades que ensinasse um pouco sobre o assunto, mas por hora apenas queria descansar a mente do fracasso. Uma péssima ideia, pois encontrou uma série de fotos do seu amigo, Mark, divertindo-se com outras crianças na piscina, com boias em formato de rosquinha e suco de laranja.

Talvez, em outra realidade, uma em que não era tão inútil, estivesse brincando com ele, e seus pais não a odiassem tanto. Era tudo culpa do livro de história.

A coragem para pedir socorro aos pais era nula, Mark não a responderia. A única pessoa no mundo todo que sobrou e talvez a ajudasse a se salvar do internato era seu irmão, Joseph, então ela procurou a chave da porta da casa, escondida dentro da gaveta do armário, e saiu, no meio da noite e sem os pais saberem.

As ruas ainda encontravam-se movimentadas naquele horário, carros passavam velozes, a maioria de famílias partindo para aproveitar as férias no interior ou outra cidade. Qualquer destino seria melhor que ficar ali, presa com os livros. Judy andou rapidamente em direção a casa do irmão, queria acabar logo com a situação chata. A cada casa por qual passava, sentia um aperto no coração, por vê-la trancada, vazia. O mundo foi embora, seguiu em frente e ela ficou; tudo por uma única disciplina!

Relembrou o que andou fazendo no último ano. As aulas de história eram na segunda, e todos sabem que segunda é o pior dia da semana. Só queria que o horário letivo encerrasse para ir jogar video-game. Apesar de ser a mais velha da sala naquele ano, por conta da reprovação, os meninos não foram cruéis ou malvados com ela, na verdade se deram muito bem. Judy sabia tudo sobre os filmes e séries da moda, além de dar dicas de como passar das fases difíceis dos jogos. Ela sentava no fundo da sala para conversar com eles, e tentava, minimamente, prestar atenção no que a professora dizia.

Olhou para o céu, imaginando quantas outras crianças estavam na mesma situação que ela, pois não era possível que fosse a única menina do mundo que ficou de recuperação.

A casa do irmão localizava-se perto da sua, lá ele morava com a esposa. Não era a maior, mas a que tinha o jardim frontal mais belo da rua. As cercas vivas davam a volta na residência amarela, a frente era decorada com um caminho de pedras que levava ao parquinho, uma fonte de mármore para os pássaros e vários bancos espalhados. Judy acomodou-se em um deles e retirou o celular do bolso, enviando uma mensagem para Joseph.

Estou aqui fora, preciso falar com você.

Joseph não visualizou, e Judy sentiu-se tapada por pensar que logo ele a ajudaria. Enviou, então, uma mensagem para sua esposa.

Boa noite, você pode dizer ao meu irmão que estou aqui fora esperando ele? Precisamos conversar.

Não demorou muito para Joseph sair, vestia pijamas, visivelmente cansado pelo plantão exaustivo no hospital. Sua esposa insistiu, demonstrando preocupação com Judy, e ele foi obrigado a deixar as pantufas e almofadas de lado para atendê-la. Nunca tiveram uma relação próxima, quando Judy nasceu ele já era adolescente, e morou por pouquíssimos anos na mesma casa que ela. Para ele, Judy foi apenas uma criança intrometida, que apareceu na família bem na época em que precisava do dinheiro dos pais para pagar a faculdade.

Para Judy, Joseph era um estranho que aparecia na páscoa e no natal, com quem a mãe costumava compará-la.

Como adulto, porém, em posição de prestígio e sabedoria, ele sentou-se ao lado da irmã, fingindo aflição. De todas as pessoas do mundo Joseph seria a última para quem Judy pediria socorro em uma situação de vida ou morte, por exemplo. Mas, no final das contas, os pais o ouviriam se ele falasse em seu favor.

— Existe uma possibilidade de que eu seja reprovada de novo, e o papai quer me mandar para um internato. Estou tentando estudar, mas você sabe como sou burra! Você precisa falar com eles, por favor!

Joseph sentiu uma imensa onda de raiva invadi-lo. Primeiro, a pirralha atrapalhava seu merecido descanso, e ainda vinha com a notícia de que preocupou os pais mais uma vez. Lembrava claramente de como a mãe chorou no ano anterior, quando ela foi reprovada pela primeira vez. Aquilo certamente não era um erro ou um descuido, era uma escolha de Judy. Imaginou a irmã jogada na cama com o controle do videogame na mão, um dia antes das provas, totalmente indiferente.

— Você devia ter vergonha!

— Mas...

— Nossos pais estão certos, eles precisavam ter te enviado pra um internato há muito tempo, desde que repetiu o ano pela primeira vez! Se eu fosse você eu pediria perdão, e correria para estudar até o dia amanhecer. No lugar disso, veio à minha casa no meio da noite! A mãe sabe que está aqui?

Judy já esperava uma reação negativa. Abaixou a cabeça. Ele estava certo.

— Eu não sei o que aconteceu, você precisa fazer eles abandonarem essa ideia do internato! Por favor!

— Judy, você está mais preocupada com o cenário de repetir a 5° série de novo ou com o internato? Se o pai falasse que "tudo bem você tentar de novo", desistiria de estudar e ficaria numa boa, não é mesmo?

Parando para pensar, ela realmente não se preocupou em nenhum momento com repetir de ano, ver os mesmos assuntos e encarar os olhares feios da professora. Passar na escola não era tudo na vida, afinal. Somente não queria ser enviada para a outra instituição de ensino.

— Quando você tiver idade de entrar na faculdade e não conseguir, vai entender como desperdiçou seu tempo e a importância de estudar! — Decidido a encerrar a conversa, Joseph levantou-se. Ligaria para os pais e contaria sobre a fuga de Judy e sua inconsequência. — Vá para casa agora mesmo!

— O mundo acaba se eu não entrar na faculdade!?

— Vá para casa, agora!

Judy correu jardim afora, os passos ecoando pela rua cuja a iluminação eram os postes e os faróis dos veículos Falar com Joseph piorou tudo, agora sentia-se mais culpada. Não adiantava, inconscientemente, lamentar ou justificar suas escolhas ruins. Entrar na faculdade poderia não ser tudo, e o sistema educacional poderia, sim, ser falho e atrasado, mas isso não era desculpa para que deixasse a educação em último lugar na sua lista de prioridades.

Ela não foi para casa, mesmo sabendo que os pais receberam a ligação de Joseph. Não queria outro sermão e ameaças, mas também não merecia compaixão. No final da sua rua existia uma pequena praça, com banquinhos de madeira e um lago de patos, sem patos. Ela fez um trabalho com sua colega de classe sobre a poluição que os matou, e até reclamaram sobre a prefeitura não repor os patos, era divertido jogar lascas de pão para eles. Foi um trabalho legal, as duas tiraram nota máxima. O que a fez se empenhar, foi somente o fato de que quando menor amava os patos, e sentiu-se realmente parte daquilo. Uma participante da história do lago. Judy escolheu aquele lugar para ficar sozinha, principalmente porque era pertinho de casa, e mesmo fugindo, o que mais queria era ser encontrada.

Estava escuro, e ela ligou a câmera frontal do celular com flash. Enviaria uma foto para Bonnie, a amiga com quem fez o trabalho. Tomou cuidado para o lago ao fundo sair.

Bom, participar da história do lago para se interessar em falar sobre ele, foi muito útil para Judy conquistar nota máxima nas disciplinas de geografia e cidadania, mas ela realmente não queria viver um dia na idade da pedra somente para passar em história, se alguém perguntar este absurdo, certamente iria preferir o internato.

Não sabemos se foi magia, provavelmente sim. De qualquer forma, nenhum cientista acreditaria nela para investigar. O flash do celular, bastante forte, desnorteou Judy por alguns segundos e ela quase o largou, caindo sentada e com uma sensação terrível, de alguém puxando seus pés para baixo.

Judy Através do Tempo | CompletoOnde histórias criam vida. Descubra agora