10 de junho de 2018, lago Odyssey, 3 horas após a primeira viagem.
Antigamente, quando Judy ainda não estava atrasada em relação aos seus colegas e passava de ano às custas dos amigos e subornando outras crianças com balas Fini, o lago Odyssey era um agradável espaço de entretenimento, onde as famílias montavam piqueniques, estendendo toalhas quadriculadas no chão, fingindo que não se odiavam e contando fofocas sobre os parentes que ousaram faltar a tão sincera confraternização. Também era um espaço onde se podia passar uma tarde com bons livros, fazer baderna com caixinhas de som, brigar, namorar, assinar acordos hipotecários. Nesse tempo, os patos viviam por lá, batendo suas patinhas alegremente por baixo da água cristalina, emplumadas aves fofas, para quem velhinhos jogavam lascas de pão.
Em 2018, o lago Odyssey não tinha mais patos. Morreram. O século XXI era uma época um tanto quanto sombria e difícil. Os velhinhos jogaram mais pão do que eles suportaram comer, porque sentiam-se sozinhos e precisavam sair. A toalha quadriculada, a casca da melancia, a cesta de frutas que cedeu ao peso no meio do caminho, a caixa de música quebrada e os deveres negligenciados de Judy Henderson afundaram e afundaram até que a poluição levasse todos os patinhos embora.
De todas as histórias que o lago presenciou, desde os anos de ouro até a degradação total de seu espaço, nada tão grandioso como uma viagem no tempo havia acontecido ali.
Isso não é importante, o pobre lago não tem culpa. Lagos não são seres conscientes ou mágicos, achamos, e se ele fosse, não teria enviado Judy aos confins da pré-história só por uma ou duas folhas de papel almaço que se diluíram na água. Mas, por algum motivo, foi lá que ela desapareceu e reapareceu, três horas depois, aproximadamente às 00:30 da noite.
Semiconsciente, Judy passava por segundos de atordoamento e tontura antes de surtar. Ela abriu os olhos devagar, e a primeira coisa que viu foram os grandes olhos verdes e curiosos de Akibet, que por acaso havia seguido a menina e sido enquadrada pela câmera, saindo de sua aconchegante e respeitável vida no Egito antigo direto para o século XXI. Para sua sorte, algumas pessoas ainda adoravam gatos nessa época.
— Onde estou? Quando estou? — Com bastante esforço, Judy conseguiu sentar-se. O choque térmico a estremeceu, teria vomitado os próprios órgãos, caso fosse possível. Voltou os olhos para o céu, sentiu falta das estrelas, do braço da Via-Láctea já não visível, culpa da poluição visual. — Bombas, guerra, Alemanha! Bombas! Bombas, por toda a parte...
A buzina de um carro a despertou, o coaxar de um sapo, um miado despreocupado de Akibet. Sem bombas, apenas escuridão e silêncio.
— Será que estou no laguinho? — Suas expectativas confirmaram-se, um sorriso maluco brotou em seu rosto e ela gargalhou até as bochechas doerem.
Chorou, sem acreditar que havia mesmo vivido tudo aquilo, mais parecia uma daquelas séries de humor que seu pai gostava, nas quais crianças desastradas faziam travessuras e aprendiam uma importante lição de moral. Cogitou que fosse um sonho, mas tudo que viveu com Oliver e Ava era tão real e palpável quanto o celular totalmente descarregado em sua mão.
O celular, o maldito e energúmeno celular. Judy ficou de pé imediatamente, jogou-o no chão, fez o impensável, o que nenhuma criança ou adolescente da tal geração Z faria em perfeito estado mental. Pisou nele, pisoteou até a tela se despedaçar, até os pedacinhos do aparelho se espalharem sobre a grama. Pulou em cima, quase reduzindo-o ao pó, gritava de raiva. Era tudo culpa dele.
Quando teve certeza que aquele maldito jamais enviaria ninguém ao passado, recolheu os estilhaços com as mãos, cortando-as com o vidro da tela e pedaços pontudos, despejando tudo no lago, só para ter plena certeza de que ninguém iria varrer para qualquer lugar os fragmentos do objeto amaldiçoado, que apodrecesse para sempre embaixo da água suja. Depois de tudo isso, Judy se ajoelhou, estendendo as mãos feridas à frente do corpo.
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Judy Através do Tempo | Completo
AventuraO que a presença de um smartphone na revolução francesa ou na idade da pedra mudaria no curso da história? Apavorada com a possibilidade de repetir a quinta série pela segunda vez, Judy Henderson deseja profundamente aprender os conteúdos das prova...