Capítulo 17

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Os sacerdotes superiores acreditavam veementemente em manifestações divinas, empolgaram-se quando Nadi contou sobre a língua estranha da garota, mas queriam ver com seus próprios olhos se ela segurava ou não o sol. Ordenaram que a moça a tratasse bem, com regalias e respeito.

Quando Nadi retornou ao lado de fora, Judy continuava sentada, aguardando Ava e a comida. A sacerdotisa recomeçou suas reverências à garota, que pôs-se de pé, balançando suas mãos de forma negativa.

— Grandiosa e honrada mensageira dos santíssimos deuses, venero profundamente vossa imensa glória e sabedoria. Eu e meus companheiros deste humilde templo de adoração, acreditamos em sua superioridade e solicitamos que utilize seus poderes em uma rápida e necessária demonstração, para que assim possamos honrá-la adequadamente.

Um sorriso torto foi a única coisa que Judy ofereceu, compreendia que as palavras de Nadi eram doces e bondosas, graças aos seus gestos amáveis e acolhedores. Enquanto a realidade cultural da França demonizava seu celular, o povo egípcio adorava-o. Cansada de meter-se em confusões, a menina tentou se afastar de Nadi, não desejava participar de outro evento histórico grandioso, e muito menos apegar-se a uma pessoa do passado que certamente iria deixar.

Nadi procurava com os olhos por Ava, a garota dos cabelos de céu, imaginando que ela já havia transcendido aos palácios maravilhosos de Rá. Identificando o atordoamento de sua adoradora, Judy tentou correr para a região das barracas comerciantes. A gata, e já sabemos que esse pequeno animal adorável é um tanto quanto trapaceiro e misterioso, seguiu-a de perto. Os instintos felinos são mil vezes mais aguçados que o dos humanos. Não é à toa que, no século XXI, eles ainda seriam meio que adorados por algumas pessoas. Certos historiadores concordam que Hitler — a pior pessoa do mundo — morria de medo de gatos.

Ao ver sua mensageira divina ganhar distância, ainda mais na companhia da traidora Akibet, Nadi jogou-se ao chão implorando sua presença. Quem por ali passava, só conseguia rir ou estranhar a situação. Uma sacerdotisa, relativamente nova no ramo e não tão respeitada, jogada aos pés de uma criança piolhenta.

— Por favor, um pouco de graça, um pouco de atenção! — Além da adoração, existia no coração de Nadi uma pontada de vergonha. Caso não provasse que suas afirmações eram verdadeiras, perderia prestígio ante seus superiores. — Um pouco de atenção para tão pobre e humilde mortal!

— Desculpa. Não sou daqui, venho de longe. — Mostrou o celular a ela, numa tentativa de que entendesse que a luz forte não surgia espontaneamente entre seus dedos. — É uma máquina.

Tal qual a pintura de Michelangelo: "A criação de Adão", em que a criatura estende o dedo para tocar o do criador, Judy estendeu seu celular para Nadi, que tocou-o com a ponta do indicador. A tela se acendeu ao contato da pele, exibindo, já sob o modo de economia de bateria, o familiar papel de parede de anime. A extraordinária cena durou alguns milésimos, pois a sacerdotisa repuxou a mão para longe, caindo sentada e contendo um grito de medo e admiração.

— Pelos Deuses! — Nadi observou seu dedo com temor, como se ele fosse transformar-se numa nuvem de pó.

— Desculpa, tá? Sei que não entende...

Os braços de Nadi se enrolaram ao redor do corpo da garota, erguendo-a do chão. Um misto de pena e desespero a tomou. Nadi a carrega para longe, para sua casa. Em sua mente, a menina não era uma deusa; não tinha uma cabeça de animal. Tratava-se de uma mensageira ou escolhida entre os humanos, necessitava de cuidados: vestes brancas e decentes, joias, corte de cabelo. Piolhos eram famosos e assustadores, não gostaria de ver a pequena devorada por eles. Para que fosse devidamente reconhecida e adorada, Judy ganharia uma completa transformação. Alguns chutes e empurrões permitiram sua fuga, Nadi segurou a saia e correu atrás dela, tentando explicar que solicitava a honra de levá-la até sua casa, para assim oferecer um banquete em seu nome.

Judy Através do Tempo | CompletoOnde histórias criam vida. Descubra agora