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Quando estava quase chegando em casa, meu celular começou a vibrar no meu bolso. 

Era o Igor. 

-Alô? -Fiquei meio sem entender porque ele me ligou e não mandou mensagem, só então lembrei que não olhei meu celular hoje e, talvez, ele tenha tentado contato assim.

-Oi, Rafa! -Ele falou descontraído. -Estou ligando para saber de você. Será que podemos nos encontrar? Sei lá, tomar um sorvete. 

-Não precisa fazer isso, Igor. Pode falar para a Luna que eu estou bem. 

-Luna? Quem foi que falou em Luna? -Ele fez uma pausa dramática. -Rafaela, eu posso ter te conhecido por causa dela, mas hoje em dia sou seu amigo e me preocupo com você. Óbvio que ela quer noticias suas, mas eu liguei e te chamei para sair porque eu quero saber de você. 

Sorri.

-Na praça perto da escola. -Falei animada.

-Já chego. 

Guardei o telefone de volta no bolso e dei meia volta, indo para a praça. Fiquei feliz com o que o Igor disse. Eu e ele não conversávamos muito sobre sentimentos ou coisas profundas, mas tinha uma enorme consideração por ele. Seria legal ter alguém para conversar. 

Cheguei na praça antes dele e fiquei o esperando em um banquinho, olhando as crianças brincar. 

-Olá! -Ele sentou ao meu lado e eu o cumprimentei. -Desculpa a demora, mas minha mãe me obrigou a dobrar vários lençóis com elástico. -Arregalei os olhos.

-Mentira que você sabe dobrar aquela obra demoníaca! -Ele riu do jeito que falei.

-Nem é tão difícil assim.

-É mais fácil fazer uma torre de cartas do que dobrar aquilo. 

-Tudo bem, é um dom. -Ele riu aceitando. -Como você está? E o Isaac? -Demorei a responder, pensando em que resposta daria: mentira, a verdade curta ou a verdade longa. -Eu estou aqui se quiser desabafar. 

Sorri. 

-Eu estou me sentindo estranha, muito estranha. Eu estou feliz que ele não seja filho dos meus pais e que vai ter chance de ter uma família de verdade, mas, ao mesmo tempo, saber que eu nunca mais vou dormir todos os dias na mesma casa que ele é devastador. Eu vou sentir falta de morar com ele e de acompanhar de perto o seu crescimento.

-E tem chance da mãe do Gael estar errada? 

-O médico está fazendo de tudo para reduzir a pena dele, então não acho que daria uma lista falsa ou inventaria tudo aquilo... Mas, obviamente que sempre tem a chance de não ser verdade. Mas, sinceramente, espero que seja verdade, ele vai ser muito mais feliz tendo uma mãe que o ama. 

-O bom é que o Gael e a mãe dele cairam na real da merda que fizeram com você, né? -Assenti. -Eles não vão tentar te afastar do moleque, tenho certeza disso.

-Eu sei... Eles nem seriam doidos de fazer isso, o Isaac é incapaz de gostar de alguém que não gosta de mim. -Falei rindo e o Igor riu também. 

-Você criou ele bem. -Sorri orgulhosa. -Sabe... O Isaac não sendo filho dos seus pais será que... Será que você também não foi roubada? 

-O Isaac pensou a mesma coisa. Por mais que eu tenha vontade de tirar essa história a limpo, eu acho que depois disso tudo que aconteceu os meus pais não vão mais voltar para o Brasil e eu preciso economizar dinheiro se não quiser trabalhar até o fim do ano para poder focar no vestibular. Não posso gastar dinheiro com um advogado para descobrir isso e não posso correr risco de descobrirem que eu, com 17 anos, estou morando sozinha. 

-Eu até te chamaria para ir morar lá em casa, mas meio que a mãe da Luna... -Ele ficou sem jeito. -Ela falou de você para a minha e ela não está muito de bom humor esses dias.

Ri sem humor.

-Eu não esperava tanto ódio assim da Paula. Eu sabia que se descobrisse a verdade, ela não iria me querer perto da Luna, mas não sabia que ela ia fazer da filha uma prisioneira. Como a Luna está lidando com isso?

-A Luna está muito decepcionada com a mãe... Mas não vim aqui te dar mais preocupações... Então vamos voltar a você... Eu pago.

-O que? -Olhei para ele. 

-Eu pago o advogado para você descobrir se foi roubada. Eu tenho um dinheiro guardado que não tem um destino e seria uma bom poder usá-lo. 

Fiquei admirada com a atitude do Igor, realmente não esperava algo tão bondoso e carinhoso da parte dele. 

-Obrigada, mas eu não posso aceitar. 

-Vou ficar chateado se não aceitar. -Ele me olhou sério. 

-Tem certeza? -Ele concordou. -Tudo bem, então! 

De repente mil ideias e mil coisas diferentes começaram a passar pela minha cabeça. E se eu realmente tiver sido roubada e tiver pais incríveis que acham que eu morri no parto? Será que eles me dariam amor depois de tantos anos? Será que eles me aceitariam como filha? Será que me acolheriam? Mas e se eu for realmente filha dos merdas dos meus pais? Ou se meu pais de verdade não me quiserem? Por que eu não consigo ver as coisas só pelo lado positivo?

Por que eu nunca consigo ser otimista?


Tudo pode mudarOnde histórias criam vida. Descubra agora