Capítulo 4(Retirada dia 08/12)

290 91 18
                                    


Durante o trajeto de quase uma hora e meia, devido ao trânsito, fiquei lembrando sobre a minha história com Leon, meu melhor amigo. Quando meus pais sofreram um acidente fatal de carro, eu estava no primeiro ano de faculdade. Tinha entrado em pedagogia com o pensamento de fazer novo vestibular quando chegasse ao fim daquele ano.

Na época, não tinha conseguido passar na primeira opção escolhida, Administração, e acabei me matriculando na segunda. Ainda nem sabia porque tinha marcado pedagogia como segunda faculdade se nunca tivera muito interesse em ensinar. Provavelmente, seguia o exemplo de mamãe, que era uma excelente professora.

Com o falecimento dos meus genitores e sem parente próximo, aproveitei que era maior de idade e, com a ajuda de vizinhos, entrei com pedido de pensão por morte. Sorte a minha que entrei na faculdade cedo e, por isso, também terminei com pouca idade. Sorte porque a pensão paga pelo INSS se extinguiria no meu aniversário de vinte e um anos, mesmo ano em que me formaria, o que facilitaria a busca por um emprego que pagasse os meus custos.

A partir da extinção da pensão e com a graduação, apliquei meu currículo em todas as escolas que achei pela internet, até ser chamada para uma entrevista em um colégio localizado num bairro mais distante. Quando fui aceita, vendi a maioria das coisas da casa alugada e levei apenas as que tinham um valor emocional pela história delas. Não tinha como gastar tanto com deslocamento ganhando pouco mais do que um salário mínimo.

No bairro novo e bem mais pobre do que o antigo, conheci Leon, também professor da escola. Foi importante aquela amizade masculina enquanto me acostumava com o novo endereço. Morava sozinha antes, mas tinha os vizinhos de uma vida por perto. Ali não teria ninguém, mas algum anjo piedoso colocou Leon no meu caminho difícil. Essa amizade era entesourada no meu coração já há quatro anos.

O que meu amigo ou sua família precisasse, eu estaria ali para eles sem piscar. Perdi as contas de quantas vezes ele me ouviu chorar a morte dos meus pais, infernizar a vida dele falando que o recreio de uma escola era uma visão de filme de terror e proferir palavras duras aos céus quando a saudade dos meus pais batia sem pedir licença.

- Que pior hora para se lembrar disso, dona Juliana!

- Não entendi, senhorita.

Por que eu sempre me colocava em posição de vergonha? Antes de morrer escreveria um testamento pedindo para estudarem meu cérebro ferrado.

- Estava só pensando alto... - E mudando rapidamente de assunto, perguntei: - Está perto?

- Chegaremos em cerca de dez minutos.

E o motorista não estava errado. Mais ou menos no tempo que ele falou chegamos à frente de um portão que parecia a entrada de um condomínio. Porém, só parecia mesmo. Ao passarmos pela vigilância da entrada e percorrermos alguns metros, percebi que não havia casas ao redor.

- Pensei que era um condomínio.

Para minha surpresa, o motorista soltou uma gargalhada. Não achei que tivesse dito nada engraçado. Ele era maluco?

- Posso saber qual a graça?

Ele tentou controlar a risada e falhou miseravelmente. Eu estava me sentindo uma palhaça. Olhava para o senhor sorriso com uma expressão séria até que o carro parou e olhei para o meu lado direito. Que merda fodida! Aquilo sim era uma mansão de respeito.

- Grande, né?

- Demais! - falei sem conseguir desviar os olhos da construção.

- Pois é. Foi por isso que ri quando a senhora falou de condomínio. O falecido senhor João nunca viveria sendo vizinho direto de outras pessoas. Ele gostava de conforto e solidão. O que a senhora imaginou ser um conjunto de casas é apenas o terreno do endereço principal dele.

Quatro herdeiros e a escolhidaOnde histórias criam vida. Descubra agora