Capítulo VIII - De Volta a vila

41 13 108
                                    

A fantasia a cada passo que dou parece estar mais próxima da minha realidade.

Estar nesse lugar me traz a sensação de estar acompanhada pela minha mãe, acompanhada pela sua maternidade protetora.

Quando pequena ela sempre me dizia frases motivadoras para que eu me mantivesse feliz com a vida que levava. Mas ela mesma sabia que tudo que passávamos não era normal e não deveria ser tratado como. Ainda assim ela sempre me disse para não me preocupar, que seus espíritos de luz e seus anjos me zelariam, e fariam da minha vida uma versão melhor que a dela um dia pode ser.

Uma das frases que minha mãe dizia era "Nós não fomos os primeiros a pisar na Terra, mas fomos os primeiros a declarar ela nossa". E isso se aplicava a quase tudo que via, mas depois de seu acidente de carro, sua visão sobre o mundo mudou, e passou a ser mais esperançosa, ainda que ela já transborda-se de otimismo.
Em sua sepultura sua última frase dita no seu leito de morte foi "Não olhe as nuvens com seus olhos, pois a visão que terá não irá no além de sua mente". Me lembro dela dizer isso e logo após uma lágrima solitária descer em seu rosto, lembro-me dela segurando minha mão pedindo desculpas e se despedindo de mim pois ela sabia o que me aguardava sem sua presença na minha vida.

E agora veja onde estou, em um lugar que tem lendas de assombração, lendas que não possuem humanidade, lendas que vem tornado o que tinha dentro de mim mais intenso.

A vila se manteve a mesma desde que saí, como se nada do que houvesse ocorrido tivesse sido percebido por eles, aqueles com quem já havia conversado foram os únicos que notaram minha presença e vieram me confortar.

- O que houve com você?, E por que acompanha um coelho ao seu lado?- diz a mãe do garoto que me colocou na floresta.

- Não sei dizer ao certo se o que passei foi real ou foi parte das minhas alucinações. Mas o coelho está comigo, ele me seguiu até aqui- digo de cabeça baixa abraçando meu próprio corpo.

- Venha, fará muito frio hoje e pelas nuvens irá chover- diz a senhora compreendendo meu desânimo e não perguntando mais nada.

- Não precisa, ainda tenho o carro para dormir- digo lembrando do ocorrido com meu irmão.

- Bem, sendo assim, prepararei uma refeição para você. Tem que se alimentar antes de voltar a trabalhar- diz ela e assinto.

A sigo caminho à sua casa, tudo aqui só me traz mais lembranças da minha família.

Chego na casa e entro, um forte cheiro de sopa entra nas minhas narinas e faz meu corpo se aquecer. Amo sopa sempre me acalma.

Caminho até sua cozinha com seu consentimento, me sento à mesa e espero com que o restante se sua refeição seja feita.

O cheiro do solo úmido pela chuva que acabara de começar, junto ao misturar de aromas da cozinha são maravilhosos. Faz-me pensar em outras coisas que não tenham relação com o que vi ou vivi.

A mulher na cozinha se aproxima e me entrega uma tigela com sua sopa que levava alguns legumes, carne cozida e metade de um ovo.

- Parece estar delicioso- digo a agradecendo logo em seguida com a cabeça.

- Se precisar de qualquer outra coisa é só me dizer- diz ela se afastando após essa frase.

Queria poder comer sozinha, para conseguir pensar mais no que farei a partir de agora. Estar rodada de olhares curiosos é algo que não desejo nesse momento.

- Acho que irei comer no carro- digo em tom calmo mesmo não estando.

- Tem certeza, essa chuva tende a aumentar.

- Então acho melhor ir enquanto ela ainda está fraca- falo em súplica mental para que ela não diga mais nada para que eu fique.

- Já que quer ir não vejo problema, apenas me deixe cobrir sua sopa para ela não acabar mais molhada ainda- diz ela indo à um armário.

Fico aguardando e observando algumas crianças que estão brincando na chuva, elas pulam e se sujam da lama criada pelas pequenas poças d'água sobre o chão. Lilith diferente delas, está sob um telhado inclinado de uma das casas antigas que existem por aqui. Ela apenas balança seus pés e observa a chuva cair.

Tenho percebido o quão esperta essa garota é, talvez um dia ela decida ser o que eu fui forçada a me tornar.

Volto meu foco para cozinha, a senhora já havia terminado de tampar a sopa, junto a ela foram adicionadas uma garrafa com água e uma rosa que ela diz ter recebido de alguém que não pode me entregar pessoalmente. Agradeço pela refeição e saio indo em direção ao carro.

Caminho devagar para não derrubar a sopa que aquece minhas mãos em meio a chuva e ventania que me cercam.

Chego ao carro e abro a porta. Ele nunca deixava o carro trancado. Puxo a porta com um pouco de dificuldade e entro.

Coloco a comida sobre o painel, e pego as sujeiras que estão espalhadas no chão e no banco do passageiro, as cato e jogo no pequeno lixo da porta.

Ergo minha cabeça em um movimento rápido ficando um pouco tonta. Olho para o painel onde está a comida e percebo algo que não havia visto, um pingente de estrela, o mesmo que é usado por bruxas. Ele é prata e leve.

Estranho, meu irmão e eu nunca tivemos um pingente igual, como isso veio parar aqui?.

Deixo esses pensamentos de lado e pego a tigela.
Ao pega-la, escondido por debaixo há um bilhete.

Não tenho nenhuma memória recente do nome Sra Carrier, mas seja lá quem for me parece ser a mesma que entregou a rosa para a senhora

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Não tenho nenhuma memória recente do nome Sra Carrier, mas seja lá quem for me parece ser a mesma que entregou a rosa para a senhora.

Sendo assim preciso a encontrar e logo, essa é última informação que irei colher antes de voltar para casa. Já passei tempo o suficiente aqui.

Finalmente posso me manter calma e comer a refeição que tem seu aroma inteiro espalhado no carro.

Como concentrada na carta e nas gotas de chuva que escorrem pelo vidro do carro. A chuva está aumentando a cada minuto.

Termino de comer e deixo a tigela sobre o banco traseiro, ao me virar um homem parado em frente ao carro, olha para mim fixamente, alterando seu olhar entre os meus e o horizonte para onde ele aponta. Volto meu olhar para trás onde uma nuvem densa se propaga e caminha em direção a vila e ao meu carro, ela se intensifica e cobre tudo que existe em seu caminho. Aos poucos, eu sou atingida por suas sombras negras que se apossam de todos meus sentidos.

Não ouço e nem vejo nada que ocorre do lado de fora, apenas um silêncio paira sobre o ambiente vazio e sombrio ao meu redor, mas não dura muito.
Corvos podem ser ouvidos sobrevoando onde estou, granizos caem sobre a lata do carro fazendo algumas de suas partes parecerem que vão partir. A chuva é acompanhada por trovões e fortes luzes de raios que descem dos céus com agressividade. Agora de fato não conseguirei ouvir e nem ver o que vem de fora.

Arrepios cobrem minha espinha me avisando estar sendo observada por alguém. A distância uma silhueta me observava e recua ligeiramente assim que a percebo.

Forço minha mente para saber de quem se trata, mas nenhuma imagem nítida vem em minhas lembranças.

A força exercida sobre mim faz meu corpo relaxar, e cair lentamente sobre o banco. Flashes não muito visíveis surgem, causando-me enjôo e enxaqueca.
Susurros cobrem meus ouvidos e me fazem manejar com os olhos até seu fechamento completo.
Sinto meu corpo formigar e minhas mãos esfriarem, não controlo meus movimentos, em uma sensação de vazio uma paralisia me ataca.

𝗠𝗲𝗶𝗮 𝗡𝗼𝗶𝘁𝗲 - 𝐷𝑜𝑛𝑎 𝑑𝑎 𝐸𝑠𝑐𝑢𝑟𝑖𝑑𝑎̃𝑜Onde histórias criam vida. Descubra agora