Prólogo

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Do alto de um prédio, Rafaella observava o mundo abaixo dela, enquanto suas lágrimas caiam livremente de seus olhos verdes. Ela daria tudo para ser um daqueles seres humanos, sem se importar com o poder que ela teria que abrir mão, sem se importar até mesmo em perder as asas das quais tinha tanto orgulho. Pelo menos ela não viveria em um mundo onde seu amor era proibido. Pelo menos, ela a teria.

A anja tentou evitar que o choro escapasse de seus lábios ao se lembrar da criatura tragicamente bela e sombria que era dona de seus pensamentos e coração. Ela ansiava por beijos apaixonados e em sentir aqueles braços esguios ao seu redor, puxando-a contra um corpo quente e acolhedor, um pouco menor que o seu, mas que se encaixavam perfeitamente.

Ela balançou a cabeça, tentando expulsar esses pensamentos torturantes de sua mente. Não poderia imaginar isso, não agora. Rafaella não queria pensar sobre o que estava prestes a acontecer. Como ela pôde ser tão estúpida? Um erro que iria custar tudo o que era mais importante em sua vida eterna. Tudo o que ela já amou.

Enquanto continuava a olhar para baixo, ela ficou tentada a pular, fingindo que aquilo acabaria com seu sofrimento, mas logo tirou essa ilusão da cabeça. A queda não a mataria, ela não poderia morrer. Talvez essa seria a sua punição, viver a sua imortalidade angustiando por um amor perdido. Morrer um pouco a cada dia, mas jamais podendo se juntar à sua amada.

Envolvendo seus longos dedos ao redor do colar pendurado em seu pescoço, Rafaella sentiu suas asas abraçando o seu corpo e fechou os olhos, imaginando que, em vez de brancas, elas eram negras como a noite, a protegendo como faziam naquelas noites em que ela se encontrava com seu amor em segredo. Eram apenas as duas e nada mais importava quando se deitavam uma ao lado da outra.

Ela ainda conseguia se lembrar da última noite em que estiveram juntas. Ainda podia sentir os toques e beijos. Seu corpo ardia com paixão, suas mãos espalmadas sobre as asas negras, sentindo a textura macia do couro, seu quadril buscando mais contato à medida que era penetrada por dedos finos e experientes, suas costas arqueando enquanto gritava o nome de seu amor. Elas se amaram em desespero, como se fosse a última vez.

Estava tão perdida em suas memórias que não percebeu que tinha companhia, até que sentiu um leve toque no ombro, assustando-a. Rafaella soltou um pequeno grito e se virou, dando de cara com outro anjo, ou melhor, um Querubim.

– Manoela – Rafaella pronunciou o nome da Querubim friamente, mas por dentro a dualidade de seus sentimentos travava uma batalha em si. Ao mesmo tempo que queria se jogar nos braços de sua amiga e chorar, Rafaella não sabia se algum dia conseguiria perdoá-la.

– Rafa... – Manoela sussurrou, sua voz cheia de pesar.

Rafaella fechou os olhos e balançou a cabeça, um pedido silencioso para que sua amiga não falasse mais nada. Do que adiantaria ouvir mais palavras de desculpas? Elas não mudariam o seu destino. E no fundo, sabia que a única culpada disso tudo era ela mesma.

A Querubim, com olhos pesarosos, assentiu e desapareceu. Rafaella sabia que não havia mais como adiar o inevitável. Olhou para o mundo abaixo mais uma vez, invejando as vidas daqueles seres humanos, antes de, em uma fração de segundo, desaparecer do alto do prédio.

Quando abriu novamente os olhos, estava ao lado de Manoela, em frente a uma imensa porta branca. Anjos não precisavam respirar, mas, mesmo assim, inspirou profundamente e, como se aquilo lhe desse um sopro de coragem, abriu a porta e entrou de cabeça erguida.

Caminhou com passos firmes pelo grande salão branco, que parecia não ter fim, sob os olhares curiosos dos outros Anjos e Querubins, até que parou abaixo de três figuras de presença intimidadora sentadas sobre tronos altos e imponentes.

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