7. Segredos

828 88 121
                                    

Sentada na mureta, às margens do Rio Tibre, em Roma, Bianca tinha a companhia da sacola de livros, enquanto brincava com uma pedrinha na mão e olhava fixamente o branco das luzes dos postes refletirem na água escurecida pela noite. O contraste da luz no que deveria ser treva a fazia refletir o quanto aquilo metaforicamente se parecia com ela. Aquela anja havia se tornado a sua luz, o seu verdadeiro equilíbrio.

Atirou a pequena pedra na água, mirando em um dos reflexos, que apenas tremulou, mas voltou a se formar segundos depois. Um sorriso nasceu no canto dos lábios da demônia ao pensar nos acontecimentos daquela tarde em Buenos Aires.

Perdeu a atenção no rio quando aquela voz suave, que representava o seu novo som favorito, surgiu por trás.

– Então, quer dizer que isso é a melhor coisa que os humanos comem? Parece tão estranho tantas coisas cobertas por... queijo?

O sorriso de Bianca cresceu ao se virar, dando as costas ao rio para agora ver Rafaella analisar intrigada as duas fatias de pizza na mão. Era deslumbrante observá-la conhecer cada detalhe do mundo fora das regras do Céu.

– Bem anjinha... – o sorriso agora havia tomado sua famigerada forma maliciosa. – Não é exatamente isso a melhor coisa que eles comem... mas, no conceito que você tá pensando, é sim.

– Qual o outro conceito? – A anja perguntou inocente enquanto entregava uma das fatias para a demônia e mordia o seu primeiro pedaço de pizza.

A resposta de Bianca foi olhá-la de lado e manter a malícia nos lábios. Depois, propositalmente, desviar o assunto.

– Então, os humanos estabelecem umas regras meio idiotas tipo comer o salgado antes do doce. Mas, de qualquer forma, essa é a menor das que estamos quebrando hoje, certo?

A anja estava muito mais concentrada em entender os sabores daquele novo alimento, por isso, ao invés de responder o que a demônia tinha dito, fez suas avaliações:

– É gostoso, mas... acho que gosto mais do sorvete e, principalmente, daquela maçã caramelizada de Vegas.

– É claro, minha anjinha – a demônia passou a ponta da língua no canto dos lábios de Rafaella para limpar o pouco de molho de tomate que havia ali. Depois não se afastou para dizer: – Doce como você é, só poderia preferir esses – roubou dois selinhos antes de dar um passo para trás, ainda segurando a mão dela. – Mas tem razão, as pizzas italianas só são famosas, mas não tão boas quanto as do Brasil.

– Então, por que estamos aqui?

– Bom, eu passei pela cidade esta semana para um trabalho e descobri um lugar que considerei um tanto... interessante. Pensei que, se vamos passar a noite na Terra, deveríamos ter um lugar só nosso. Acho que você vai gostar – Rafaella concordou com a cabeça, tendo a certeza de que iria a qualquer lugar com Bianca. – Segura o colar.

– Bi, espera – a anja pediu antes que a demônia pudesse fazer qualquer movimento. – É muito longe daqui? É que a lua é tão linda e... do céu não dá pra ver direito. Eu queria caminhar pra observar um pouco mais.

Novamente Bianca perdeu as estruturas perante a simplicidade daquele pedido. Mas não mais se surpreendia, sabia que nenhum anjo poderia ser tão puro de coração como o seu. Correu o polegar pelo rosto de Rafaella, afastando uma mecha de cabelo e trazendo-a mais para perto para uma sequência de beijos rápidos, antes da resposta:

– Nós podemos fazer como você quiser, minha anjinha. Como eu disse, comigo todas as suas escolhas são suas.

***

Os vinte minutos de caminhada sob os últimos momentos da luz da lua em Roma resultaram em uma estrada que terminava de repente. Rafaella não entendia qual o destino que Bianca queria levá-las, mas confiava nela o suficiente para apenas apreciar a noite e caminhar com a demônia de mãos dadas, se sentindo livre como nunca.

Não Se Perca No Céu Onde histórias criam vida. Descubra agora