4. Tentação

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O carvão deslizava rapidamente e com precisão pelo papel sob o olhar detalhista de Bianca. Sua mão borrada de preto traçava linhas delicadas e as pontas dos dedos esfumavam os contornos, fazendo com que o desenho tomasse vida. Mais um traço aqui, mais uma esfumaçada ali e estava pronto.

Pousou o carvão na mesa, analisou o desenho, balançou a cabeça e amassou o papel, jogando-o no chão para se juntar aos muitos outros que também haviam sido reprovados pelo olhar crítico da demônia.

Pensou novamente nas esmeraldas que dominavam sua mente. Sorriu ao se lembrar do brilho puro em seus olhos ao descobrir o gosto adocicado com a primeira mordida na maçã. Ou como os pontos dourados misturados naquele mar verde se destacavam mais quando olhava curiosa para a máquina de caça-níquel. Ou, até mesmo, o tom verde escuro que tomaram quando ela teimava em esconder o ciúmes que sentia ao ver Bianca rodeada por mulheres. Não, nenhum de seus desenhos fora capaz de fazer jus à pureza e beleza daqueles olhos.

Descansou a cabeça no encosto da velha poltrona de couro, fechando os olhos e jogou seu caderno de desenho sobre a mesinha a sua frente, mas, não medindo a força do movimento e a mira ruim, o caderno acabou por deslizar sobre o chão de madeira até esbarrar em sapatos pretos impecavelmente lustrados.

A figura caminhou pelo quarto, esgueirando-se pela penumbra intocada pela luz das várias velas ali espalhadas. Ele se movia furtiva e silenciosamente, seus olhos, completamente negros, fixos sobre Bianca que permanecia aérea sobre a sua mais nova companhia.

Deu um passo à frente e o sorriso malicioso foi iluminado, mostrando que suas intenções não eram das melhores. Apressou-se, mas mantendo a mesma secretividade de antes e parou em frente à sua "presa". Lambeu os lábios, deixando os olhos percorrerem por todo o corpo de Bianca e levou a mão ao seu rosto alvo, mas antes que os dedos ásperos pudessem tocar a pele macia, teve o pulso envolvido pela mão pequena, mas forte da demônia.

– Se você me tocar, eu quebro o seu braço – ameaçou, surpreendendo a figura em sua emboscada.

Bianca lentamente abriu os olhos, o vermelho brilhava intensa e perigosamente e, ao se encontrar com as íris totalmente negras do homem à sua frente, deixou um ar debochado e irritado escapar de seus lábios.

– Bem que senti um cheiro de enxofre – empurrou a mão que segurava, fazendo a figura quase cambalear para trás. – O que você quer, Guilherme?

– Nossa, Bianca, assim você fere meus sentimentos – ele levou as mãos onde estaria seu coração, se tivesse um, e franziu o rosto em uma falsa expressão de dor.

– O que você quer, Guilherme? – ela repetiu com os olhos fixos no demônio que abandonou a postura sofredora e deixou que um pequeno sorriso cínico tomasse conta de seus lábios.

– Vim edificar a sua vida com fofoca – o sorriso de Guilherme se abriu mais, ainda cínico, mas com ar de debochado.

– Nunca te falaram que é pecado fofocar? – Bianca não estava com paciência para lidar com Guilherme, mas não poderia negar a si mesma que ficou curiosa sobre qual a informação que o demônio tinha.

– Ainda bem que de pecado a gente entende, não é? – ele caminhou lentamente pela sala, fazendo um suspense que para Bianca era apenas cafona, mas ela deixou que o demônio continuasse com seu teatrinho barato. Sem dizer nada, ela apenas observou enquanto passava a mão sobre uma das velas, a chama forte e alaranjada entrelaçando em seus dedos.

Finalmente Guilherme sentou em uma poltrona de frente para Bianca, colocou os pés sobre a mesinha entre eles e com toda a calma do mundo, retirou um maço de cigarro do bolso de sua jaqueta preta. O demônio levou um cigarro à boca e o acendeu, dando uma longa tragada para então expelir demoradamente a fumaça por sua boca. Bianca não resistiu em revirar os olhos para tanta dramaticidade.

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