1.1 Falido

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O prédio imponente que se erguia no céu claro ficava para trás enquanto eu atravessava a rua. Ia em direção ao meu carro, parado em lugar proibido, meu corpo dormente, sem qualquer conexão com o ambiente externo. Eu observava as poucas nuvens que vinham no horizonte, os fios elétricos dos postes mais a frente e a brisa irônica que acariciava meu rosto.

Uma paisagem tão tranquila... Tão oposta a tudo que eu sentia.

A sensação de dormência ameaçou passar, meus músculos adquirindo um latejar desagradável, a cabeça pesando como se eu estivesse no meio da pior ressaca da minha vida. O estado de choque havia passado.

E, agora, eu estava puto. Acabado. Nervoso, irritado, e, o pior, falido.

Resultado de todo um trabalho de anos, de toda a adrenalina que costumava ser tão compensadora, que agora me esbofeteava na cara e ria da minha confiança.

Falido... Até a palavra doía.

Eu me perguntava quando que eu tinha chegado à conclusão de que era uma pessoa inteligente. Quem tinha sido o gênio do mal a me convencer dessa blasfêmia? Em qual lapso de insensatez eu passei a acreditar nessa mentira?

Fiquei do lado de fora da sede da BOVESPA com os ombros caídos e o olhar nublado. Não, não tinha valido de nada ir até ali. Eu não ia reaver o dinheiro por nenhum milagre divino, nem se o Leonardo DiCaprio resolvesse entrar ao meu lado com toda sua pose de O Lobo de Wall Street e argumentar o meu caso.

Nada poderia interceder em meu favor, o que estava feito não poderia ser desfeito. O homem ainda não aprendeu a voltar no tempo, foi o que me disseram. Eu amaldiçoei toda a raça humana por essa incompetência injustificável.

Quem me conhecia achava que eu sempre tinha gostado de jogar na Bolsa. Que quando me formei em Administração de Empresas com especialização em Finanças, tudo em que eu conseguia pensar era em ganhar algum dinheiro para conseguir comprar ações. Era a história que eu contava e, vendo como eu era viciado e vivia por aquilo, ninguém duvidava que fosse verdade.

Mas nem sempre tinha sido daquela forma. A minha vida nem sempre girou em torno daquele grande jogo de dados.

Eu tinha o sonho de ter uma família. Uma esposa que me amasse e algumas crianças correndo pelo gramado de casa. Minhas pretensões com relação à carreira sempre foram infinitamente mais modestas do que aquele sonho em especial. Mas nem tudo são flores, e a minha namorada de sete anos deu um pé na minha bunda no segundo que teve a chance. Eu já tinha até comprado o anel para pedi-la em casamento, e não entendi absolutamente nada quando ela veio com um discurso frio dizendo que o compromisso tinha ficado sério demais muito rápido, e que ela ainda não estava pronta para sair do ramo do sexo casual.

Mais tarde, descobri que ela me traía desde o colegial com caras diferentes sempre que eu ia estudar ou quando não estava olhando. Dizia que eu era bundão e certinho demais, e que "aquela história de só fazer amor já tinha cansado".

Uma completa e perfeita vadia, para resumir. E eu não era de xingar, mas ela bem que merecia esse adjetivo com todas as forças.

Então, o que tinha acontecido era que eu resolvi entrar em uma área arriscada e me dedicar completamente a ganhar dinheiro, já que a vida pessoal só tinha me trazido dor de cabeça e um coração partido. Isso não demorou a acontecer, quando fui apresentado à Bolsa, eu logo comecei a investir pesado sem medo de ser feliz, apesar dos berros do meu tio de que eu deveria criar uma poupança antes. Ele berrou e berrou, mas eu estava bêbado de adrenalina e não dei a devida atenção.

Passei a ganhar bastante dinheiro muito rápido, tinha um bom faro e acho que, no fim, isso subiu à minha cabeça. Mesmo trabalhando no ramo e tendo bônus agressivos cada vez que desempenhava bem, larguei meu emprego e me dediquei só a admirar aqueles números em constante mudança e a pesquisar novos ramos de investimento. Ali, tudo dependia só de mim, eu podia ser um louco apaixonado que ninguém ia me julgar. Fiz daquela grande aposta a minha vida.

E foi nesse contexto que comprei muitas ações de uma empresa de extração de petróleo desconhecida, apostando que ia triplicar, no mínimo, a minha renda, quando a fonte deles se provou esgotada pouco antes de começar a compensar os gastos.

Agora cá estou eu, sem um tostão no bolso, me sentindo um derrotado de novo, sem coragem de sair pedindo emprego pela cidade novamente. E o pior... Com aquela maldita sensação de que meu tio estava certo.

Recolhi mentalmente o que restava do meu orgulho e entrei no carro. Eu não podia ir para casa, de forma alguma. Ia me entregar a uma depressão sem precedentes e o resultado poderia ser desastroso. Eu podia estar sóbrio, sem uma gota de álcool no corpo, mas ligaria para minha ex-namorada para convencê-la a me ouvir só mais uma vez. E eu já estava farto de oscilar em cima daquele sonho incabível de ter uma família só minha e vez após outra me frustrar na tentativa. Agora que meu escape tinha se provado infeliz também, eu não podia ter nenhuma recaída.

Por isso, por mais que doesse, eu sabia que só tinha uma única pessoa que podia me acolher nesses tempos difíceis. Independente de quantas vezes precisasse escutar o infame "eu te disse", meu tio era a única família que eu tinha, ele ia juntar meus pedaços até que eu parasse com essa putaria e resolvesse ir atrás de resolver minha vida.

E por falar em putaria...

Meu tio era um cara um pouco... Excêntrico. Tinha se casado com uma mulher vinte anos mais nova, exuberante e viajada, não conseguindo manter o perfeito juízo depois disso. Comprou uma boate liberal nos arredores de um bairro agitado, fechou as portas por três meses, e reabriu como um puteiro classe A.

Não, aqui não é Amsterdã. Sim, prostituição é proibido.

Mas ele não ligava. Sua esposa estava se divertindo, ele estava ganhando uma boa grana, e tinha se comprado a família cheia que sempre quis ter.

Suas meninas o tratavam como um pai, chamando-o pelo apelido de Papá – uma junção de seu nome, Paulo di Pasquale, com o sentimento paterno que tinham para com ele. Sua esposa, Priscila, tinha entrado na onda, embora colocasse um bom tanto de sensualidade na fala. Chegou ao ponto de ele me pedir para chamá-lo daquela forma também.

Meu tio era estéril, então ter todas aquelas pessoas tratando-o dessa forma fazia-o sentir um pouco do gosto de ter atingido seu sonho de ser pai. E só por respeito a isso, por entender sua ânsia, eu aceitei incorporar aquele apelido besta aos meus vocativos.

De qualquer forma, por mais escandaloso que fosse para mim ele ser dono de um bordel, ele não corria nenhum risco, tendo alguns amigos na polícia, e aquilo o fazia feliz. Então eu só deixei aquela informação trancada na caixa de "Coisas Com As Quais O Matteo Não Tem Que Lidar" e ponto final.

Mas agora, precisaria visitar seu local de trabalho para vê-lo, sabendo que ele não estaria em casa naquela hora da tarde. O que significava não expressar a desaprovação que eu sentia daquele estabelecimento, o desprezo que nutria por suas meninas e a profissão efêmera e irresponsável a que elas tinham recorrido.

Me chame de preconceituoso, conservador, fresco, o que quiser. Nada justificava para mim aquele estilo de vida e eu não conseguia simplesmente relevar a forma como aquelas garotas vendiam seus corpos ao invés de fazer algo producente com eles, ao invés de se permitir ter relacionamentos de verdade no lugar de clientes, ao invés de colocar suas cabeças para pensar.

Se bem que tinha sido a minha cabeça pensante que me levou àquela desgraça de situação...

Enfim. O bordel Rendevouz não era o meu lugar favorito no mundo.

[Degustação] BordelOnde histórias criam vida. Descubra agora