3.3 Eco

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            - Arg!

            É, você sabe o quanto as coisas estão indo bem quando você começa seu dia já gritando.

            E em frente de uma criança de dois anos e meio, para melhorar.

            - Noite difícil, moleque? — Papá perguntou, interessado, enquanto Priscila tratava de distrair Murilo para que ele não desse atenção à minha energia intempestiva.

            - É essa garota de novo, claro. As coisas que ela faz não fazem o menor sentido e eu estou ficando bem farto de tentar entendê-la.

            - O que aconteceu dessa vez?

            - Depois de atrapalhar tudo que eu tinha planejado, ela me fez um discurso inflamado sobre ser um absurdo eu não querer comer suas amiguinhas, e fechou com a chave de ouro: Levou zero clientes para o seu quarto de rainha.

            - O quê? A Lola não trabalhou? — Priscila entrou na conversa, subitamente alarmada, e eu acho que não entendi. — O que você fez?

            - Como assim o que eu fiz? Ela não trabalhou porque não quis. — ela negou freneticamente com a cabeça, os olhos arregalados me impressionando.

            - Matteo... A vida da Lola é isso aqui. Ela não escolhe deixar de trabalhar nem aos domingos. — frazi a testa, sem entender.

            - Mas a gente nem abre de domingo.

            - Exatamente! — ele arregalou ainda mais os olhos pra mim, tentando me convencer do quanto aquilo era preocupante.

            - Ela gosta tanto assim da coisa? — perguntei, descrente. Não era possível que alguém preferisse ter um boi bufando em cima de si do que passar um dia tranquilo vendo séries.

            Se bem que... Eu mesmo odiava a tranquilidade de um dia de séries. Ok, foi um exemplo ruim.

            - Não tem nada a ver com gosto. — a mulher falou, enquanto segurava com cuidado a mamadeira de Murilo para esfriar um pouco.

            - Amor... — Papá disse em tom de aviso, e mais uma vez eu notei que tinha mais sobre aquela garota do que estavam me dizendo.

            - Que seja, a culpa não foi minha. — intervi em meu favor.

            Saí da sala para esperar as meninas no salão, já que passaríamos um feedback rápido do novo modelo para aplicar melhorias e conversaríamos também sobre as novas taxas dos quartos e as categorias de preços que elas passariam a aplicar.

            Mas o tom de voz machucado de Lola depois da nossa discussão não me deixava a mente. Será que eu era mesmo o responsável por ela ter ficado uma noite de molho?

            E até que ponto eu conseguia aceitar que aquilo era uma coisa ruim?

            Eu gostaria muito de dizer que as palavras de Lola não tinham ficado na minha cabeça. Gostaria de dizer que só estava puto por ela ser tão impossível. Mas, na verdade... Na verdade eu estava bem pensativo.

            Eu sabia muito bem porque não queria me aproximar daquelas mulheres. O porquê de teimar não conhecê-las a fundo e de não querer dormir com nenhuma. Eram dois fatores muito simples que qualquer um que me conhecesse minimamente bem saberia:

1) Eu estava farto de qualquer tipo de relacionamento. A mulher com quem eu pretendia construir uma vida me deixou sem qualquer sinal de que o faria, e eu descobri que é muito mais fácil a vida quando a gente não tem um coração quebrado. Quando seu peito não dói de saudades e sua cabeça não clama por injustiça, e quando você não sente vontade de se humilhar só para voltar no tempo e consertar as coisas. Então, é, me processa se eu não quero dar a chance de mais ninguém fazer parte do meu círculo afetivo. Ainda mais um bando de prostitutas! Uma profissão que lida com algo tão íntimo como se fosse banal não pode ser exercida por pessoas emocionalmente estáveis. Eu só não queria surpresas, não queria ninguém se aconchegando no meu coração, e depois me decepcionando ou partindo sem mais nem menos. E eu nem estou falando de relações amorosas: Amizades me assustavam em igual nível.

2) Não adiantou minha ex gritar na minha cara e nunca adiantaria: Eu não sabia fazer sexo casual. Não era bom em compartilhar níveis absurdos de conexão e intimidade com alguém com quem não tivesse conexão e intimidade. Não sabia transar, foder, comer. Eu fazia amor. E isso pode parecer ridículo, risível, não importa: Fazia parte de quem eu era. Sexo era algo grande pra mim, uma evolução natural de um relacionamento tenro, algo que envolvia entrega e compromisso, e não meramente uma necessidade fisiológica. Já tinha ouvido muito de amigos e conhecidos que era até mesmo uma questão de saúde transar com alguma frequência, e o famoso dizer de que homens não sabem se segurar, que homens traem por sexo, que homens não impedem a ereção por nada. Bem, eu devia ter nascido com o gênero errado, porque eu não me via como essa besta irracional que retratavam. Sim, era ótimo sentir prazer, mas melhor ainda era ter um contexto, momento e lugar para aquilo.

E isso fazia, sim, eu julgar quem usava sexo de arma e ferramenta de trabalho. Porque eu logo concluía que eram pessoas muito diferentes de mim, e, em certo ponto, muito superficiais em matéria de emoção. Eu não tinha nojo como Lola disse, só não tinha interesse algum em ir pra cama com uma delas.

Mas apesar de eu entender tudo aquilo que pautava quem eu era, ela tinha um ponto. Afastar as meninas por medo de me envolver não ia me levar a lugar nenhum ali dentro. Não ia garantir bons resultados para o Rendevouz, não ia me trazer nenhuma satisfação excepcional, e eu ainda corria o risco de machucá-las como pareceu ser o caso de Lola (embora eu achasse aquilo um exagero notável).

E se fosse pra ser sincero, eu sabia que o único jeito de conseguir deixar de lado minha essência romântica era mergulhando em trabalho, do jeitinho que eu conseguia fazer na Bolsa. Me dedicar a um propósito era o modo que eu tinha encontrado de ignorar meus sentimentos à flor da pele demais.

Por falta de um objetivo melhor, eu precisaria focar em salvar o Rendevouz. E para isso ser possível, a equipe precisava confiar em mim, e não distribuir olhadas tortas pelos motivos que Lola listou.

Quis trocar de pele com Murilo um segundo para que pudesse fazer birra como uma criança pequena e dizer "não quero, me deixa". Mas eu era adulto e aquelas pessoas dependiam da minha competência para continuar tendo onde trabalhar.

Decidi ir por partes. Tentaria dar uma chance a elas, de conhecê-las, conversar um pouco. Não ia me arrancar pedaço, e trocar palavras e intimidades com algumas delas era infinitamente mais fácil que precisar testar seus serviços. Pra mim, pelo menos.

[Degustação] BordelOnde histórias criam vida. Descubra agora