Capítulo 1

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NEGAÇÃO

Desviando de carrinhos de comida, pessoas alienadas em seus telefones, turistas tirando fotos até do chão da estação de metrô e pessoas cansadas, a azarada Cassie Jones corria para chegar à faculdade dos sonhos da grande Nova York com o intuito de sair ilesa de toda a confusão ali presente, o que foi impossível. Além de acordar atrasada naquela manhã, corria desesperadamente e no caminho acabou tropeçando em pequenos tambores de um músico local da estação, derrubou seu único bolinho do café da manhã e seu único fone de ouvido resolveu parar de funcionar em um dos lados, dando a horrível impressão de que estava com um grande pedaço de algodão no ouvido esquerdo.

Finalmente Cassie chegou até as grandes portas da faculdade desejada e ao se deparar com o local, uma grande e dolorida memória veio à sua mente, o momento em que Katherine, sua mãe, lhe mostrou a fabulosa “caixa de memórias” e aos 12 anos a garotinha olhava fascinada as fotografias de sua adolescência, os cartões românticos, conchas de praia, chaveiros e outros objetos aleatórios, mas o que mais a chamou atenção foram os folhetos, o boné com o símbolo da universidade e a grande foto de bata e chapéu em frente ao mesmo portão em que Cassie estava, ali ela à viu, com um grande cabelo loiro, os olhos quase fechados pelo sorriso, e o diploma em sua mão, fazendo o sonho da pequena garota de se tornar tão incrível como a mãe surgir, porém, no ano em que a filha da linda formanda completou 16 anos a caixa de memórias foi aberta pela última vez, um lírio-do-vale foi colocado ali dentro para representar a última lembrança de Katherine, e infelizmente também seu último suspiro.

Andando apressadamente pelos enormes corredores da universidade e tentando prender seu cabelo loiro desgovernado, a garota azarada torcia para não ter esquecido nenhum documento e para que sua entrevistadora estivesse de bom humor, ela precisava dar uma boa impressão na última e mais importante etapa, estava determinada a fazer de tudo para conseguir, porém, o último fio de sorte que a garota tinha se esgotou por completo quando ao virar dois corredores, caiu em contato com o enorme chão frio e sentiu seu pé ligeiramente molhado.

- Mas que por.... – disse a menina ao olhar para trás e se deparar com seu pé dentro de um balde caído com água.

- A senhora deveria ter cuidado com o que fala em voz alta, a classe alta daqui não gosta desse linguajar não, sabe – disse uma voz masculina interrompendo o xingamento prestes a sair.

Ao voltar o olhar para sua frente, Cassie viu um senhor careca e baixinho, aparentava ter 70 anos ou mais, ele usava uma blusa cinza claro e uma calça desbotada preta, seu rosto tinha rugas e suas grossas sobrancelhas o deixavam com um ar mais velho e sério, ele se apoiava em um esfregão e cutucava o dente com um palito que provavelmente estava mastigando.

- E então, a moça vai levantar logo daí ou eu vou ter que limpar o chão com você me atrapalhando?

- Foi mal, eu não vi o senhor por aqui – Disse a loira levantando-se e pegando sua pasta que acabou indo longe dela.

- Tudo bem senhora, metade dos jovenzinhos que vieram aqui hoje passaram alguma vergonha, a sua foi a pior de todas, mas acho que a senhora Wilson não vai notar muito seu pé molhado se você entrar descalço.

Era o que estava faltando no dia de Cassie, um pé ensopado minutos antes da entrevista e um velho tirando sarro de sua cara, ela com certeza não sabia o que tinha feito para merecer esse azar que recebia em dias importantes.

- O senhor pode me dizer onde fica a sala dessa tal senhora Wilson, acho que é ela que vai fazer a minha entrevista e eu estou um pouco atrasada.

- No final do corredor à direita você vai encontrar uma moça com um vestido azul, ela vai te dizer o que você precisa, e aproveita para dizer que eu achei aquele vestido azul muito sexy – o senhor disse mandando uma piscadinha com um sorriso.

- Obrigada senhor – virando as costas a garota saiu para o fim do corredor com o pé molhado e gritou para o senhor – Eu não vou entrar descalça se quiser saber, e ainda por cima vou me sair melhor do que os outros “jovenzinhos” que você viu aqui hoje.

Quando chegou ao final do corredor, viu uma senhora de cabelos bem brancos, óculos de grau redondo e uma aparência gentil, ela aparentava ser um pouco mais nova que o senhor piadista do esfregão e vestia um lindo vestido azul escuro, ela parecia familiar, mas a garota não sabia o porquê. No momento em que deu um passo para se aproximar, Cassie ouviu seu tênis fazendo um barulho estranho por conta da água e viu a senhora levantar o olhar.

- Você deve ser a senhorita Jones, eu sou a senhora Franklin, mas pode me chamar de Mary apenas, a senhora Wilson está te aguardando aqui nessa sala – disse a moça com uma gentil voz apontando para a porta marrom a direita.

- Obrigada senhora Franklin, errr...me desculpe por molhar o chão, eu acabei tropeçando em um balde no último corredor.

- Sem problemas – Mary disse rindo - Arnold sempre deixa os produtos jogados pelo corredor, fique tranquila que a senhora Wilson vai entender.

Com um último suspiro, Cassie se afastou e foi em direção à porta marrom, antes de bater para entrar, a garota relembrou todas as coisas que aconteceram nos últimos anos, agora com 18 anos, ela iria entrar na universidade, fazer um estágio, realizar seus sonhos, aproveitar ao máximo e não iria se preocupar com bobagens como relacionamentos, ela já teve experiências demais que provaram que o amor era perda de tempo. Seu futuro estava em suas mãos e ela iria batalhar para deixar sua mãe orgulhosa, a menina respirou fundo e bateu na porta e, lá de dentro, escutou sua oportunidade.

- Entre...

Talvez uma História de AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora