capitulo 6

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Matheus

  Acordei com a diarista me chamando, o som da voz dela ecoando pelos corredores da casa como uma onda irritante. Mal me lembrava do garoto que eu trouxe e larguei no meu quarto na noite passada, mas, sinceramente, quem se importa? Levantei, troquei de roupa sem pensar muito. Tomar banho? Para quê? Não estava fedendo, e, no fim das contas, pouco me importava o que os outros pensassem.

  Desci as escadas, meus pés batendo no chão como se quisessem desafiar o silêncio. A cozinha estava cheia de uma luz insípida, e lá estava Luísa, minha madrasta, sempre tentando parecer simpática. Ela tinha essa coisa de “ser legal”, mas, no fundo, eu sabia que era apenas uma fachada. Pelo menos, às vezes, me ajudava a escapar de um sermão do velho. Entrei na cozinha, e então, como num teatro mal encenado, a cena se desenrolou diante de mim.

  Lá estava ele. O garoto. Congelado, como se tivesse visto um fantasma. Eu sabia exatamente quem ele era, o moleque que eu vivia zoando.

  — Matheus, esse é o Thiago, seu primo. Thiago, esse é o Matheus — a voz do meu pai, Gabriel, cortou o silêncio com uma solenidade que só servia para aumentar o absurdo da situação.

  — O QUÊ?! — explodimos em uníssono, a surpresa estampada em nossas caras.

  A vida tinha essa maneira irônica e repugnante de cuspir na minha cara. O moleque que meus amigos sempre esculacha, era meu primo? Era algum tipo de piada de mau gosto? Só podia ser.

  — Não, isso não pode ser verdade! — gritei, sem me importar com quem estivesse ouvindo. — Tinha que ser logo... um viadinho?!

  A raiva se enroscava na minha garganta, e cada palavra saía como um veneno. O barulho da mão do meu pai batendo com força na mesa foi o único som que conseguiu calar o meu ódio por um segundo.

  — CHEGA, MATHEUS! — meu pai berrou, sua voz carregada de uma autoridade que ele raramente usava comigo. — Respeite seu primo! Você mal o conhece e já o julga assim? Onde está a educação que eu te dei?

  Olhei para Thiago, o garoto frágil e ridículo que chorava silenciosamente. Lágrimas deslizavam pelo rosto dele, enquanto Luísa, sempre a figura materna falsa, tentava consolar ele. Ele parecia tão patético, tão fraco... e isso só me irritava mais.

  Sem uma palavra, saí pisando duro. Meu corpo fervia de raiva, de frustração. Entrei no carro, minha Porsche, e acelerei como se pudesse escapar da humilhação que sentia, deixando apenas o som dos pneus cantando na estrada.

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Pietro

  Cheguei em casa e vi a cena patética de sempre: Matheus saindo furioso, acelerando como um moleque mimado que não sabe lidar com a vida. Rolei os olhos. Não era novidade. Entrei em casa, sentindo o peso no ar, algo denso e estranho.

  O som abafado de um choro vinha da cozinha. Ao chegar, me deparei com um garoto sentado, soluçando como se o mundo tivesse acabado. Meu pai e Luísa estavam lá, tentando... sei lá, consertar o garoto quebrado com palavras vazias.

  — O que aconteceu? E quem é esse garoto? — perguntei, sem realmente me importar, mas querendo entender o drama da vez.

  Meu pai se virou para mim, seu olhar sério, quase sombrio.

  — Pietro, esse é o Thiago... seu primo — ele disse, como se essa frase tivesse o peso de uma revelação bíblica. — Contei ao Matheus, e, bem... ele não aceitou muito bem.

  Fiquei sem reação por um momento, tentando processar o que aquilo significava. Um primo? Nunca tive primo. Mas antes que eu pudesse me sentir animado, veio o soco na cara.

  — Olha, Pietro, tem uma coisa que você precisa saber — meu pai começou, me puxando para um canto. — Thiago... ele já passou por muita coisa. Ele perdeu os pais, sofreu abusos de todas as formas que você pode imaginar. Ele precisa de respeito. Ah, e... ele é gay.

  A informação me atingiu como um soco no estômago. Eu olhei para o garoto frágil na cozinha. Como alguém tão insignificante podia ter carregado tanto sofrimento? Me senti mal por ele, mas, ao mesmo tempo, a situação toda era uma merda completa.

  Voltei para a cozinha, tentando não transparecer a confusão interna. Sorri de leve para o garoto, e, hesitante, ele retribuiu, embora ainda estivesse encolhido.

  — Eu sou o Pietro, prazer — disse, tentando soar mais caloroso do que realmente me sentia.

  — Thiago... — a voz dele saiu baixa, quase um sussurro, e por um momento, ele parecia tão perdido quanto uma criança.

  Ele era frágil. Ridiculamente frágil. Não sabia o que fazer com ele. De alguma forma, sentia pena, mas não sabia se isso era suficiente para fazer diferença.

  — Vem, vamos para o meu quarto — falei, como se isso fosse resolver alguma coisa. — Você vai dormir lá hoje.

  Ele só assentiu, calado, me seguindo como se não tivesse escolha. Peguei uma camisa e um short qualquer para ele, mas, claro, ele recusou com aquela humildade irritante.

  — Não precisa... eu fico com essa roupa mesmo — disse ele, quase suplicando para não incomodar.

  — Vai tomar um banho — insisti. — Eu cuido disso.

  Ele entrou no banheiro, e eu me sentei na cama, sentindo o peso da situação. Quando ele voltou, a camisa parecia um vestido nele, um pedaço de tecido que o fazia parecer ainda mais vulnerável. Levei suas roupas para lavar e voltei para a sala. Ele estava ali, tentando se enturmar com meu pai e Luísa, mas o desconforto era visível.

  Peguei uns cobertores, tentando transformar aquela sala fria em algo minimamente acolhedor, mas no fundo, sabia que aquilo não mudava nada. Nos acomodamos no sofá, e o filme rodava na TV, enquanto o silêncio pesado pairava entre nós.

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Thiago

  Estávamos na sala, mas eu não conseguia me concentrar em nada. O som do filme era apenas um ruído distante. Meu corpo estava cansado, minha mente ainda mais. Me encolhi ao lado do meu tio Gabriel, buscando um conforto que eu sabia que nunca encontraria de verdade. Quando ele passou o braço ao meu redor, foi como se uma pequena parte de mim relaxasse, mas logo o peso do cansaço me venceu. Me entreguei ao sono, ainda sentindo a escuridão ao meu redor.

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Gabriel

  Era tarde. A sala estava mergulhada em uma penumbra, o som do filme se misturava ao silêncio. Olhei para o lado e vi Thiago, sua cabeça caindo para frente, adormecido, frágil como sempre. Com cuidado, levantei-me, tentando não o retirar de seu sono.

  — Vou colocar Thiago para dormir no quarto de hóspedes — murmurei, sem realmente esperar resposta.

  Levei o garoto no colo, sua leveza me lembra o quanto ele já havia suportado, o quanto ele parecia sempre à beira de desmoronar. Coloquei-o na cama, ajustei as cobertas com cuidado e, antes de sair, me inclinei e depositei um beijo em sua testa.

  — Nunca vou te abandonar — sussurrei, uma promessa que não sabia se conseguiria manter, mas que precisava ser dita.

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⏰ Última atualização: Oct 15 ⏰

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Até que a magia se acabe (Romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora