5- Um toque de lembranças do passado.

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As copas das árvores balançavam com o soprar do vento, fazendo caricaturas engraçadas e um tanto assustadoras para quem estava observando de baixo.

O clima de Xia-Wang era totalmente maluco, pela ventania que estalava as brasas da fogueira poderia chover, finalmente cumprindo o clima visto no céu pela manhã.

-Eu não consigo descansar, parece que tem algo que não para de cutucar minhas costelas. 

Teegan estava inquieto, virando de um lado para o outro deitado na esteira de palha ao lado de Cheng-Gong.

Cheng-Gong gostaria de dizer " Que costela" mas estava com preguiça demais até para abrir os olhos. 
Seu corpo velho estava jogado em uma posição desconfortável, sobre a mesma esteira que o outro.

-Sabe quando parece que existe algo no fundo da sua alma  que não lhe deixa em paz, sugando sua mente aos poucos?…

Ainda estava tudo silencioso.

-Mesmo que você não saiba o que seria aquilo, ele está ali para mostrar que existe. 

Além dos ventos, e demais coisas, mais nada era ouvido no ambiente.

-Por que eu sinto que estou falando sozinho?- Depois de esperar por uma resposta que não veio, ele completou- Eu nem faço tanta questão em ser ouvido.

Com a ventania que não apresentava sinais de um possível fim, as brasas pulavam para fora da fogueira como pequenos animais livres, que saltam alegremente, mas infelizmente se apagam assim que tocam o chão, destruindo toda a magia e beleza da cena. 

Nessa tremenda alegria de brasas saltitantes, algumas caíam perto demais da esteira quase queimando o homem que estava deitado de maneira preguiçosa, com um braço atrás da cabeça e o lado direito quase derretendo, enquanto o esquerdo congelava aos poucos. Se ele fosse um pedaço de carne assando, provavelmente já estaria ao ponto de comer.

Havia calculado errado o local da fogueira com as planícies para por a esteira, e após se deitar ele notou que estava quase como um porco amarrado no mormaço do fogo, assando… Era menos terrível do que se imagina, dava para aguentar, e aquele era o local perfeito para o fogo e para dormir, ele tinha a plena certeza de que se acabasse por morrer durante a noite, sem dúvidas não teria sido por causa do frio.

Se mover ia causar mais frio do que o que a natureza já estava a lhe oferecer e também ia arder o local em contato com a quentura.

Com os olhos fechados, ele estava ouvindo tudo o que o outro estava dizendo, mas nenhuma daquelas frases pareciam precisarem serem respondidas, sua boca estava pesada e cansada demais para falar qualquer coisa. Como se aqueles montes de cascas de árvores, flores e frutas que estavam amarrados em uma pequena trouxa de pano tivessem sido todos arrancados com os dentes de Cheng-Gong.

-Cantaria uma canção para que eu me sinta melhor?

Nesse momento o homem abriu os olhos e estava prestes a cantar quando foi barrado.

-Que não seja sobre as mais belas mulheres do norte de Xia-Wang.

-...

-Nem sobre as do sul.

-São as únicas canções que eu sei. Apenas essas duas.

Ele disse as primeiras palavras ditas por si na noite, desde que havia encerrado a busca por suprimentos.

-Não são duas músicas, você sempre cantava no passado, eu as ouvia o suficiente para decorar. A única coisa que muda de uma para outra é  a parte que diz "Essas são as lindas mulheres do sul" ou do norte.
Dizem sempre a mesma coisa, no mesmo tom. " Dedilhando os ossos das curvas de suas costelas são como tocar uma suave pipa*, seus seios fartos que me deixam dormir tranquilamente sobre eles, são como bolinhos gigantes… e muitas outras coisas que não valem a pena dizer… essas são as lindas mulheres do sul"

Still Hurts ( O Quanto As Lembranças Podem Ser Selvagens?)Onde histórias criam vida. Descubra agora