Augusto chegou à delegacia em Niterói por volta das 20h naquele dia, a pedido do investigador Fábio Vieira. O tom de convocação do policial aparentava urgência e por esse motivo o taxista evitou se atrasar. Uma vez na DP, ele rapidamente foi encaminhado à mesa do investigador, que se encontrava ocupado no telefone naquele momento.
- Isso, estamos progredindo. - dizia o policial ao telefone, manobrando a cadeira giratória observando os limites do fio do aparelho - Estamos dando o nosso melhor e faremos o possível para encontrar sua fi-... Sim, eu entendo... Senho-... Não podemos nos exceder, trabalhamos dentro dos limites da lei. Assim que tivermos novidades sobre o caso a deixaremos a par, está bem? Certo. Tenha uma boa noite, dona Janaina.
Fábio retornou o telefone fixo ao gancho com grosseria. Desocupado da ligação, olhou para o copinho de plástico vazio e suspirou alto.
- Vou buscar um café, seu Augusto. Quer um? - indagou o policial.
- Não, obrigado! Estou bem, estou bem. - respondeu.
- Ótimo. Assim corremos menos risco de vê-lo se exaltando...
Sem entender, Augusto observou Fábio se levantando e desaparecendo ao fundo da delegacia em busca de mais café. Olhando ao seu redor, percebeu o quão fatigados estavam os companheiros de trabalho de seu anfitrião. A busca pela bebida estimulante se fazia necessária. Todos ali pareciam estar em fim de plantão.
- Bem, amigão... - começou Fábio, ao retornar com uma caneca cheia e fumegante - Preciso de uma dessas pra seguir essa noite. Sempre uma merda.
- Eu imagino. - disse Augusto.
- Sei que imagina.
O investigador abriu a gaveta, dela retirou uma imagem impressa e passou para o taxista verificá-la. A qualidade não era das melhores e a imagem estava em preto e branco. Pelos marcadores, tratava-se de uma câmera de vigilância em ambiente com má iluminação. Percebeu os traços da pista, um táxi e dois objetos mais finos em volta dele: duas motos. Com o susto, verificou a data: quatro dias atrás. Era o seu carro. Eram ele e Ricardo.
- Amigo, em 24 horas eles descobriram que esse carro é seu e toda sua ficha, incluindo o incidente. - começou Fábio - Me contataram e perguntaram tudo sobre você. Consegue me explicar o que aconteceu depois disso?
- Como eles podem dizer que é meu carro?! Esse... Esse pode ser qualquer táxi! - disse Augusto, tentando fugir.
- As câmeras que estão posicionadas mais a frente são bem mais melhores. - iniciou Fábio, inclinando-se para frente e baixando sua voz - E os dois corpos que foram deixados naquela pista, com suas motocicletas, foram o suficiente para suspeitarem do taxista de placa J-H-I-2...
- Ok! Tá! Era o meu carro.
Fábio baixou o olhar um instante, tomou a caneca em mãos e bebeu dois bons goles. Se aquele café não lhe queimou a laringe, aparentemente foi pura sorte.
- Senhor Augusto Seixas - retomou o investigador - Não tenho poder pra limpar sua barra se uma merda dessas foi efetuada por você. Podem até alegar que foi estresse pós-traumático, mas nada garante que funcione esse argumento... E o senhor me confessou ter posse de uma arma não registrada, confirma?
- Sim...
- E essa arma fica no seu porta-luvas, certo?
- Certo de novo...
- Você estava sozinho?
Augusto fechou os olhos, juntou as duas mãos e abaixou a cabeça. Já havia se tornado cúmplice de Ricardo, mas não sabia porque estavam atrás dele. Contar do homem que o salvara e o ameaçara em seguida, sem ter toda a trama clara, deixaria o investigador com uma pulga atrás da orelha.
- Sim. - mentiu Augusto.
Após um breve silêncio, atento, Fábio não tomou aquela resposta como totalmente verdadeira.
- Tem certeza que é essa a resposta? - indagou ele.
Munido de uma careta, Augusto estava extremamente confuso. Ricardo não o procurou nos dois dias que se passaram, embora esperasse a ligação para ter novas instruções ou algo do tipo. O silêncio e a imprevisibilidade dele eram as coisas que mais assustavam o taxista. Não havia nem conhecimento a respeito das consequências de uma delação.
- Escuta - começou Fábio - Eu posso te dar um tempo, pouco tempo, para você retornar aqui e dizer se estava sozinho ou não. Dizer se foi coagido ou não...
O taxista viu as opções passando em sua mente como grandes letreiros e de diferentes cores, cada qual em um lado da via imaginária que percorria por entre as luzes da cidade. Encontrou uma saída brusca, já que o investigador considerou o uso de argumentos de cunho psicológico.
- Aqueles dois queriam me assaltar, tá bem?! Eu tava no limite do estresse e fiquei doido, tentei dar cabo deles. - disse Augusto, com desenvoltura teatral.
- É? Foi isso então?! Legitima defesa e um surto assassino? - indagou o policial.
- Tinha que soltar meu estresse de alguma forma. Você me dá o nome do cara matou a minha família e diz que enviarão uma notificação formal de merda...
- Olha o teu tom!
- E o que você vai fazer?!
- Olha, eu... Desgraça! Se eu fosse você, ia pra casa e revisava essa versão dos fatos, tá bem?! Dorme um pouco, descansa... Você tá trabalhando sem parar.
- E como sabe?! Tá me vigiando ou só soltando essas afirmações?
Cansando-se de uma discussão que não levaria a lugar algum, Fábio balançou a cabeça negativamente e só depois disso tornou a fitar Augusto com uma expressão mais dura. A paciência do investigador seguia ladeira abaixo.
- Não te interessa, Augusto! Tenho meus métodos e suas olheiras não disfarçam absolutamente nada. Para de se meter em confusão, cara! Porra... Eu quero ajudar, te ajudar! A gente tá bem pertinho de pegar o responsável pelo acidente, tão pertinho, não precisa desse show. Vai ser difícil, eu diria impossível talvez, dar razão a um cara visivelmente desequilibrado, como você nesse momento.
O taxista, num relance, viu novamente uma aura ao redor de Fábio Vieira, porém com um brilho mais tímido dessa vez. Não sabia explicar o motivo e nem como poderia externar isso. Nesse momento, lembrou-se do que o homem a quem protegia lhe disse quando se conheceram: "Você é muito observador". Lembrou disso porque aquela comparação, da visão atual com o passado recente, não teria serventia a alguém embrutecido com ele. De que adiantava a Augusto ser um homem tão observador, se suas observações não o levavam a nenhuma conclusão relevante?
- Acho melhor você ir embora, Augusto. - concluiu o investigador.
- Tem razão... Me exaltei um pouco e peço desculpas. - disse Augusto, apertando o olho com uma das mãos.
- Vá para casa, descanse e pense bem sobre o que me disse essa noite. Por favor, reflita sobre tudo isso e volta com a verdade em setenta e duas horas. Se desaparecer, nós vamos procurar você.
Não havia tom de ameaça no recado de Fábio, o que acalmou os ânimos de Augusto. O investigador se levantou e ofereceu um sinal de despedida, munido de um sorriso sem graça em rosto. A resposta foi semelhante e o civil desajeitado de ombros caídos lhe deu as costas, rumando à entrada da delegacia.
Com poucas forças para se manter acordado naquele turno, o policial tornou a se sentar. Esfregou o rosto com a mão direita, de cima para baixo e lentamente, repuxando a pele sob os olhos como forma de evitar seu fechamento. A mão esquerda estava engatada no puxador da gaveta de sua mesa. Tratou de puxá-la enquanto continha um bocejo.
- Você tem de escolher de que lado está, Augusto. - murmurou a si mesmo.
Ele retirou da gaveta aberta uma cópia de recibo de oficina. Datado de três dias atrás, a descrição dos serviços detalhavam substituição de para-brisa e de vidro para porta automática traseira. Marca e modelo do carro batiam com o de Augusto Seixas. O nome do pagador, no entanto, era outro: Ricardo Dantas.
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Luzes da Cidade
Fiction généraleHistória focada em noites diversas da vida de Augusto Seixas, um taxista niteroiense. Ele nada mais é que um humano como todos nós, com sua história e experiências únicas. Seus segredos, guardados a sete chaves, talvez falem melhor que ele quando a...