Quinta Noite - Olhos Abertos

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Em plena noite de quarta-feira, Augusto estava em frente a uma boate na Zona Sul do Rio de Janeiro. Com o carro estacionado, ele aguardava Ricardo, que entrara há aproximadamente 20 minutos. Pensou se voltaria a ver a moça elegante, de nome Carolina, saindo da tal boate com ele. Enquanto aguardava, seu celular tocou: era David, da cooperativa. Resolveu atender, meio incomodado.

- Alô, David! – disse Augusto.

- Fala Gugu! – disse David.

- Você não tem nenhum apelido melhor?

- Guga?!

- Tá bem... Deixa "Guga" mesmo. O que manda?

- Tu faltou ontem cara... Quase pistolei sozinho aqui. Fez corrida pra outros lugares sem ninguém saber?! Olha lá, hein...

- Não, cara! Passei mal e fiquei em casa... Só isso. O cãozinho tá fazendo sucesso?

- Todo mundo pergunta onde comprei! Muito bacana. – disse David, animado com voz abobalhada.

"Ele certamente é um bobo", pensou Augusto.

- Tô esperando um cliente aqui e daqui a pouco ele deve aparecer. Vou desligar agora. – disse Augusto.

- Ah sim. Valeu, Guguga! – respondeu David.

- Valeu, David. – se despediu Augusto, pensando de onde ele podia tirar um apelido pior que os outros dois.

Depois de desligar, Augusto checou as mensagens no celular, mesmo sabendo que já havia lido todas elas. Releu em especial a última, que era do investigador Fábio Vieira, engoliu em seco e fechou a parte de mensagens.

Ricardo chega e dá duas batidinhas no vidro do banco do carona para que Augusto destrave as portas: ele imediatamente o faz.

- Desculpe pelo atraso! – começou Ricardo, acomodando-se no banco do carona – Muita coisa pra resolver lá dentro. Consegue imaginar como é o mundo dos negócios, não é?!

- Ah, claro, consigo sim... – disse Augusto, desinteressadamente.

- Hmm... Bom, vamos logo com isso.

Sem demora, Augusto deu a partida e saiu com o sedan, para rumarem à Niterói.


Tempo depois, no sentido Candelária, além da metade da Avenida Presidente Vargas – a pedido de Ricardo, que preferia ir pela zona portuária – o carro encontrava alguma lentidão no trânsito.

- Você tem família, Augusto? – indagou Ricardo, subitamente.

Num instante, a expressão do taxista se fechou.

- Tenho, uma filha. – respondeu Augusto.

- Pela sua cara, você faria tudo por ela... Gosto de gente assim.

Por um momento, o taxista não entendeu o motivo dos dizeres de Ricardo e o olhou fixamente pelo retrovisor. Seu passageiro sorriu para ele.

- Não perca a atenção na pista. – recomendou Ricardo.

Sinal aberto.

O fluxo, que pareceu melhorar, permitiu ao taxista seguir em frente e realizar a mesma manobra da madrugada de sábado: contornar a igreja da Candelária virando à esquerda e entrar no túnel. Dessa vez, os pingos de luz que ficavam para trás não mais o incomodavam.

- Ei... Aqueles caras de moto parecem estar atrás de nós. – disse Ricardo, tranquilamente.

Ao olhar o retrovisor, o taxista percebeu duas motos, cada uma com um condutor, lado a lado e com condições claras de ultrapassar. Entretanto, elas avançavam lentamente – apenas um pouco mais rápido que o carro. A quanto estava mesmo? Setenta quilômetros por hora?! Não me lembro. Aquela progressão demasiadamente cautelosa assustava o taxista, que se pôs a aumentar a velocidade.

- Em tantos anos de profissão, nunca passei por isso! – disse Augusto, alternando o olhar entre a pista e o retrovisor.

Reagindo à tentativa de fuga, a moto mais a direita acelerou e se aproximou da janela do carona. Impaciente frente a pouca atividade do motorista, Ricardo se estressou.

- Posso abrir o seu porta-luvas? – indagou Ricardo.

- Como?! – disse Augusto, sem entender.

- Eu sei que você tem a porra de um revólver escondido aí!

Na fração de segundo em que Ricardo esboçou um gesto para abrir o porta-luvas, o taxista engoliu em seco. O motociclista se aproximou e sacou uma pistola com a mão esquerda, enquanto guiava a moto com a outra mão ainda, e deu uma batida na janela. Ricardo baixou o vidro, passivamente. Ao mesmo tempo ele abria o porta-luvas.

Quando a janela baixou, o motociclista estava com a arma apontada para o interior do carro. O inesperado aconteceu: Ricardo pegou a mão com a arma da pessoa da moto e pressionou contra o canto da janela.

- Fecha essa merda! – gritou Ricardo.

O motociclista disparou e acertou o canto do para-brisa, do lado de Augusto, que se assustou com o som. Vendo que o taxista ficou sem reação, o próprio Ricardo apertou o botão para subir o vidro.

Pelo outro lado, aproximava-se o motociclista que estava atrás observando. Praticamente escorado no volante, Augusto não percebera a chegada dele e estava desprotegido. Atento e perceptivo, Ricardo identificava tudo o que ocorria ao seu redor com imensa facilidade, como se tivesse alguma prática.

O vidro subiu e o braço do motociclista ficou preso. A força com que o vidro pressionava o braço contra a borda a fez grunhir de dor: sim, no final das contas era uma mulher quem estava na moto da direita. Devido ao espasmo de dor que percorreu o braço da motociclista, ela soltou a arma que caiu no colo de Ricardo, depois de bater na parte aberta do porta-luvas. Ele apanhou a pistola do colo, se virou para o lado de Augusto e visualizou aquele que se aproximava pela esquerda. Apontou e atirou, sem dó.

Com seu disparo, Ricardo quebrou o vidro da porta traseira esquerda e acertou o motociclista, que perdeu a estabilidade e caiu com a moto. Quando estavam quase saindo do túnel, ele notou que a motociclista lutava para não cair da moto, enquanto seu braço preso sangrava na janela semiaberta. Abriu a porta com violência, fazendo-a largar a moto e se arrastar no chão, para logo em seguida abaixar o vidro e deixá-la rolar na estrada. Virou-se para observar Augusto, que seguia com os olhos vidrados na pista e uma expressão aterrorizada. Seus movimentos eram suaves ao volante, mas suas mãos tremiam.

- C-C-Como você sabia que eu tinha esse revólver guardado? Q-Quem eram eles?! – indagou Augusto.

Tranquilo, Ricardo retirou um lenço de dentro de seu paletó e limpou o rosto sujo de suor.

- Então... Tenho te observado, Augusto. – respondeu Ricardo, calmamente.

Um breve silêncio se instaurou.

- Você não levanta muitas suspeitas para nada, mas tem muita coisa a perder... Como já te disse, gosto de pessoas assim. – disse Ricardo, sorrindo.

O carro seguiu pela zona portuária e se perdeu em meio ao emaranhado de elevados próximos à saída para Ponte Rio-Niterói. Assim como seu táxi, os pensamentos de Augusto estavam em alta velocidade, pois não sabia quais os planos que aquele misterioso homem tinha para si. Agora, tinha uma boa confirmação da suspeita anterior: aquela generosidade toda não era de graça.  

Luzes da CidadeWhere stories live. Discover now