Pra nós, desejo sempre a livre escolha. E que você me escolha. E que eu te escolha.
Pra nós, desejo sempre a livre escolha. Ainda que a gente não se escolha.
Eu não explodi. Eu implodi, sabe? De forma controlada, calma. Monitorada. Tô catando os escombros sem pressa.
Mas eu vou te guardar. Aos meus olhos.
Lindo e singelo. Discreto e focado. Atencioso, carinhoso. Preocupado. Ciumento e, às vezes, maluco. Prático, manual. Com o ouvido bom pra música, o olho bom pra arte.
Já te vi de tudo que é jeito. De cabelo grande, médio, curto, careca. A pele branca, vermelha ou cobre. Sem barba ou com, de bermuda e camisa, de terno e gravata, de chuteira e butina, com piercings, em cores neon, em preto e branco, vestido em retalhos, em ceroulas, merda. De tudo que é jeito.
E agora é moda amarrar as calças com cadarços, mas você fazia isso muito antes.
Vou lembrar das três marias no seu rosto, das constelações desconhecidas nas suas costas. Vou lembrar das veias dos teus braços, das suas cutículas maltratadas, das mãos — principalmente das mãos. Das mãos calejadas pela bicicleta ou escalada ou sei lá e, pra mim, tão macias.
E uma coisa ninguém me tira. O olhar encantado de quando você me via. O olhar do primeiro dia de feriado, de longe, e o jeito como os seus olhos cintilavam pra mim e você nem piscava e aquele sorriso sonso brotava bem no meio da sua cara. A certeza estampada no seu rosto. Isso, eu vou guardar pra sempre. É meu.
Eu não sei pra onde sua certeza foi. Nem você sabe.
Vou sentir falta dos teus costumes. De como você, em qualquer caso de silêncio ou tédio ou hesitação, pegava a guitarra e dedilhava as mesmas músicas. Vou sentir falta das músicas. E da sua forma minuciosa de olhar pra tudo, o seu jeito com coisinhas bem pequenas, suas gambiarras sagazes. Do café de manhã na cama.
(tenho certeza que 99% das vezes você fez isso pra tentar me acordar).
Vou sentir falta de te chamar de sonífero e apagar do teu lado. Aqui em casa, eu nunca consigo dormir.
É que tua presença me aconchega. Esse verbo, no presente.
Vou sentir falta do seu espaço. De como eu podia ficar nua na sua frente e não me importar, não me incomodar, de um jeito que eu não consigo ficar nua nem perante a mim mesma.
E eu não vou lembrar do que eu disse. Não vou, nem quero. Falo muita abobrinha, você sabe. Mas aqui jaz o que eu deixei de dizer. Disso, me arrependo. Deixei de dizer por medo de você me achar boba, cafona. Só que você também é tão cafona.
Eu pensei que você já sabia disso tudo, sem palavras. Mas sabia?
Deve ser chato, assim, ter o azar de ser amado por quem escreve. Por alguém que não consegue se expressar sem palavras, sem papel, sem tinta, alguém que se atura dentro da cabeça e cala, se contorce dentro do peito e guarda, mas que escapa, vaza, pelas pontas dos dedos.
Ainda mais pra você, que não gosta de ler.
texto de 9 de agosto de 2019
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Quimera Literária
RandomEm teoria, uma mistureba de ficção e realidade, anedotas, reflexões, devaneios e desabafos com zero compromisso com a coerência. Na prática, um arquivo para reunir meus textos espalhados pela internet.